Volume 02 - Capítulo 03: A Lei de Resistir à Sua Inércia
Capítulo 03:
A lei de resistir à sua inércia
Tradutor: Zekaev
— Uau! Whoa-whoa-whoa! Que inferno?! — Ranta resmungou através de seu elmo de balde, as costas pressionadas firmemente contra uma parede em ruínas.
Ranta não estava sozinho. Haruhiro e o resto estavam todos contra a parede com ele, tentando manter suas presenças ocultas.
— Alguma ideia do que está acontecendo aqui? — Haruhiro virou-se para o lado, na direção de Mary.
Mary deu uma pequena sacudida de cabeça. — Eu também não sei.
— Há uma quantidade absurda de goblins. — Yumi sussurrou.
Moguzo grunhiu em acordo, enquanto seu corpo tremia tentando o melhor para tornar-se tão pequeno quanto possível.
Shihori tinha os olhos fechados e parecia estar orando, seu cajado estava perto do peito. — … Não podemos, não podemos… não há nenhuma maneira de podermos…
Shihori estava certa. Se havia uma frase que poderia resumir esta situação, era “não podemos”.
Eles estavam na mesma área da Cidade Velha de Damroww, como de costume. Mas hoje foi diferente, havia diversos grupos de goblins distribuídos aleatoriamente. Algo incomum aconteceu no momento em que chegaram. Não, mesmo antes de chegarem, já havia acontecido.
O lugar encontrava-se repleto de goblins. Uma reunião enorme, eles pareciam ter se organizado em unidades. Talvez, até enviaram patrulhas regulares.
— Patrulhas… — Haruhiro murmurou, cerrando os dentes.
Seria possível? Poderia seu palpite estar certo? Os goblins reunidos aqui pareciam diferentes dos habituais que eles geralmente caçavam. Para começar, estes tinham equipamentos melhores. E, enquanto os goblins habituais pareciam sempre preguiçosos e entediados, estes pareciam alertas e ativos.
Haruhiro supôs que eles vieram da Cidade Nova de Damroww. Goblins exilados da Cidade Nova, muitas vezes vinham para Cidade Velha, mas os goblins sempre pareciam mal humorados. Mesmo o hobgoblin e seu mestre de armadura carregavam um ar de melancolia.
Mas os goblins reunidos aqui estavam animados e de alto astral. Parecia que vieram aqui com um propósito. Haruhiro não ficaria surpreso se esse evento fosse consequência de algum tipo de ordem.
— Hmph. — Bufou Ranta. Lá estava ele outra vez, tentando agir de forma legal ou algo assim. Ele não é legal, nem chega perto de ser. — Acho que entendi. Chamamos um pouco de atenção e eles virão atrás de nós…
Ninguém se preocupou em dar-lhe uma resposta. Especialmente Haruhiro pois não tem energia para gastar com coisas bobas como essa. Mas era muito perigoso continuar trabalhando aqui. Mesmo que eles tenham vindo de tão longe, foram confrontados com a perspectiva deprimente de voltar para Allpea de mãos vazias.
Não havia qualquer outra opção. Com as coisas do jeito que estavam, parecia que não havia outra escolha senão voltar. A menos que… quando pensava nisso, Haruhiro percebeu que deveria interpretar essa sucessão de eventos como uma oportunidade para mudar o ritmo. Talvez, Haruhiro fosse forçado a essa decisão, ou estivesse apenas se deixando levar, mas ainda pode ser uma boa oportunidade.
— Ei. — Começou Haruhiro. — O que você acha de ir verificar as Minas Siren? É um pouco fora do caminho, mas fica na mesma direção. A gente só precisa fazer um desvio ao redor de Damroww e seguir para noroeste.
Ranta estava emocionado. Yumi, Shihori, Moguzo e Mary não foram contra ele, então acabaram indo. As Minas Siren, pouco mais de quatro quilômetros a noroeste de Damroww. Considerando que Haruhiro e os outros nunca foram lá, gastaram quase duas horas para chegar mesmo indo pela rota mais direta.
Parecia uma montanha como qualquer outra. Há muito tempo, quando o reino humano, Aravakia, ainda estava no controle da fronteira, eles investiram uma boa quantidade de recursos na construção da mina. Depois, quando o Rei imortal e sua confederação expulsaram os seres humanos da área, a facção kobold transformou este local no seu território. Atualmente, as Minas Siren estão completamente ocupadas por kobolds.
O grupo de Haruhiro podia ver o caminho para as minas no pé da montanha. A entrada em si era como um túnel quadrado, os lados reforçados por vigas de madeira. Haruhiro e os outros seguiram pela margem de um pequeno rio que corre paralelo ao trajeto da montanha quando avistaram, à distância, um urso caminhando.
Haruhiro estava decidindo se iriam atacar. Animais selvagens são cautelosos ao ponto de se acovardar caso lhes convenha. No entanto, ninguém queria testar a sorte e, por isso, decidiram evitá-lo.
Eles continuaram caminhando, seguindo uma trilha de animais na floresta. Pouco tempo depois, avistaram duas criaturas humanoides, peludas e com cabeças de cão. Ambos vestiam armadura de cota de malha desgastada e empunhavam espadas enferrujadas.
Ninguém esperava encontrar qualquer dificuldade. Certamente não as duas criaturas, que apareceram na sombra de uma árvore, muito descontraídas. Claramente não esperavam encontrar alguém aqui também. As criaturas e o grupo de Haruhiro entreolharam-se, ambos os lados congelados por uns bons dois ou três segundos.
— Kobolds! — Gritou Mary.
Haruhiro inconscientemente soltou um grito de surpresa e recuou para trás.
— Moguzo, vamos! — Ranta disse, balançando sua espada no kobold à direita.
— C-certo! — Moguzo, cuja reação foi um pouco atrasada em relação a de Ranta, avançou sobre o kobold à esquerda.
Haruhiro bateu em seu próprio peito. Não. Espere. Não se desespere, calma! Calma! Droga. Ele não estava calmo em tudo.
— Shihori e Mary, para trás. Agora! — Haruhiro ordenou. — Yumi, vamos ajudar Ranta e Moguzo!
Yumi respondeu com algo que Haruhiro não conseguiu compreender, mas eles estavam em sintonia e foram em direção aos inimigos. Entretanto, Ranta era atacado furiosamente pelo kobold, acentuando cada balanço de sua espada com um grito.
Moguzo grunhia de esforço enquanto brandia a espada bastarda, mas ele não chegou nem perto de acertar um golpe em seu alvo.
— Yumi, Moguzo! — Disse Haruhiro.
— Entendi!
Haruhiro tentou ir para as costas do kobold com o qual Ranta estava lutando. Seu plano era acabar com um dos kobolds rapidamente e, depois, todos atacariam o segundo.
— O que e-? — Haruhiro murmurou.
O que está acontecendo? Kobolds deveriam ser inimigos difíceis? Fortes e rápidos? Por alguma razão, Haruhiro não conseguia entrar em posição. Seus olhos não foram capazes de acompanhar o kobold, isso dificultou antecipar seus movimentos.
— Foda-se! — Gritou Ranta. — Haruhiro, o que está fazendo?!
Ranta trocava golpes com o kobold, mas ele não conseguia assumir a ofensiva. Na verdade, enquanto trocavam golpes, Ranta era constantemente empurrado para trás. O kobold fazia a maior parte dos ataques. Ranta apenas defendia, incapaz de contra atacar.
E quanto a Moguzo e Yumi? Droga! Ele não poderia verificar. Haruhiro não podia olhar para longe. Precisava se concentrar no kobold em sua frente e descobrir o que fazer.
— Ranta! Faça o kobold parar de se mover tanto! — Haruhiro gritou.
— Calado! Eu tenho meus próprios problemas pra resolver!
— Mas se ele continuar se movendo assim, eu não posso …!
— Como se eu me importasse! Uau!
O kobold subitamente deu um grande passo para frente e atacou a cabeça de Ranta com um corte na vertical, mas ele conseguiu defender, por pouco. Ambos pararam de se mover. Era agora ou nunca.
— Punhalada pelas Costas!
A adaga de Haruhiro parecia estar prestes a deslizar perfeitamente no kobold, mas isso não aconteceu. Ela foi golpeada de lado. Como? O que aconteceu? Foi o kobold, que saltou para o lado e usou sua cauda para golpear a adaga. Isso foi inesperadamente sorrateiro.
— Você é um maldito inútil, Haruhiro! — Ranta gritou.
Ranta perseguiu o kobold. Que movia-se com muita agilidade, avançando à esquerda, depois à direita e, em seguida, rapidamente atacava Ranta. A forma como o kobold se movia era enlouquecedora e imprevisível. Haruhiro, posicionado atrás dele, via a cauda como o mais problemático. A cauda não parava de se mover e forçava Haruhiro a manter um olhar atento sobre ela.
— Por que é tão difícil… — Ele protestou.
Provavelmente não tinha nada a ver com o quão forte ou fraco eles eram. O problema era que Haruhiro e os outros não sabiam nada sobre kobolds. Como os kobolds preferem atacar? Como se defendem? Como reagir se um kobold fizer isso ou aquilo? Como um kobold reage se pressionar um ataque? Ninguém tinha a menor ideia.
— Se fossem goblins, nós-! — Alguém gritou.
É isso mesmo… Haruhiro percebeu algo pela primeira vez. Ele estava alvejando as costas do kobold como se fosse atacar um goblin. Em lutas, tudo o que ele sabia era sobre goblins. Ao olhar para as costas do kobold, sua mente viu as costas de um goblin. O corpo de um goblin. As maneiras, movimentos e mentalidade de um goblin. Goblins cobriam sua percepção e por isto ele era incapaz de não pensar neles.
Nós temos lutado com muitos goblins, e nada mais… ele admitiu.
— Esmagar! — Mary, inesperadamente, entrou na briga.
Ela conseguiu um duro golpe com seu cajado no ombro do kobold com o qual Moguzo e Yumi estavam lutando. O kobold gritou e, em um único salto, se afastou. Foi uma espécie de grito misturado com latido.
— Estes são kobolds menores! Não deveriam ser adversários difíceis! — Mary disse, empunhando a ponta do seu cajado para o chão. — Se vocês manterem a calma, a vitória é certa!

Uau. Mary. Tão legal… Mas agora não era momento de ficar admirando ela!
Haruhiro trocou olhares com Ranta. Perturbou-o pensar que ele e Ranta poderiam entender um ao outro, sem palavras reais, mas ambos eram companheiros de grupo apesar de tudo. Quando lutavam lado a lado, pareciam saber exatamente o que o outro pensava.
Observe atentamente… ele disse a si mesmo. Concentre-se!
O adversário era um kobold, não um goblin. Um adversário ainda desconhecido, mas, só porque não dispunha de informações, não significa que não possam lidar com eles. Foi como Mary disse, eles não são adversários fortes.
— Oom rel eckt vel dash! — Shihori lançou Eco Sombrio, e voash! Uma sombra elementar voou em direção ao kobold que lutava com Yumi e Moguzo.
O kobold caiu de joelhos, com seu corpo inteiro tremendo incontrolavelmente.
— Moguzo, agora! — Gritou Yumi.
Moguzo correu em direção ao kobold caído. Haruhiro julgou que ele poderia deixar o resto com eles e se concentrar em seu kobold. Ranta foi para a ofensiva, gritando a cada ataque. Ao contrário de antes, ele não estava balançando sua espada aleatoriamente, mas, em vez disso, assistia seu adversário atentamente.
Quando o kobold saltou para direita, Ranta o seguiu; quando foi para a esquerda, também. Ele não conseguia ficar um passo à frente dos movimentos do kobold, mas não deixava o kobold dominá-lo. O importante é que já não estava preso na defensiva como antes e até conseguiu acertar alguns ataques leves.
Por isso, toda a atenção do kobold encontrava-se exclusivamente em Ranta. Logo, Haruhiro foi capaz de entrar em posição perfeitamente. Não se distraia com a cauda! Disse a si mesmo. É apenas uma cauda, vamos lá!
Goblins são parecidos com os seres humanos em constituição física, mas kobolds assemelham-se mais a animais selvagens. Eles têm pernas musculosas e, por isso, podem saltar com muita força. É como se aquelas pernas fossem molas. Haruhiro supôs que os Kobolds fossem um pouco mais rápidos do que goblins, mas a velocidade de reação estava no mesmo nível.
O corpo de um kobold também não era tão ágil quanto o de um goblin. Olhando de perto, Haruhiro notou que, quando um kobold se inclinava, a parte superior do corpo dele se mantinha reta e dura. Kobolds também manejam as suas espadas de forma diferente. Goblins usam o corpo todo ao balançar uma espada, kobolds usam apenas os braços. Eles dependem da flexibilidade dos braços, fazendo parecer que as articulações do ombro carecem de mobilidade e flexibilidade.
Eles têm cerca de 1,52m, então são um pouco maiores que os goblins e, em relação a força de seus golpes, os dos goblins são mais fortes. Enquanto um goblin coloca todo o peso de seu corpo a cada golpe, os ataques dos kobold são rápidos e curtos. Se kobolds lutassem da mesma forma que os goblins, ficariam sempre na defensiva. Apesar das diferenças, não significa que são adversários superiores. Atualmente, o grupo de Haruhiro pode lutar contra cinco goblins ao mesmo tempo. Dois kobolds não são grande coisa.
Podemos fazer isso. Não há nenhuma razão para não conseguirmos vencer.
E não era excesso de confiança pensar dessa forma. Foi uma conclusão consequente de observações e experiências passadas.
Apenas observar Ranta e o kobold lutarem consumia toda a sua atenção. Agora, ele podia ver todo mundo e tinha uma ideia geral de como se moviam e o que faziam. Era como se seu campo de visão fosse expandido.
É incrível… Haruhiro pensava. É incrível o que pode acontecer quando você se acalma e confia que pode ganhar.
— Obrigado! — Moguzo colocou toda sua força em um Golpe de Fúria que, instantaneamente, matou o kobold.
É impossível, para o kobold restante, não hesitar após ver seu amigo ser morto assim… Haruhiro previu.
Foi uma previsão assertiva. Por um breve momento, o kobold restante baixou a guarda. Haruhiro respirou, segurou sua adaga e acertou uma Punhalada pelas Costas no kobold. A adaga passou através de uma abertura na cota de malha e perfurou o corpo do kobold.
O kobold soltou um som meio grito, meio rosnado. Haruhiro saltou para longe imediatamente.
— Tudo bem! — Ranta entrou em cena, com a espada longa já em movimento. — Impulso de Raiva!
Ranta levou a espada na base da garganta do kobold e ela entrou, então o Kobold caiu em silêncio.
Haruhiro soltou a respiração. — … Nós ganhamos.
— E é tudo graças a mim! — Ranta levantou a espada e a girou, exibindo-se.
— Não, não é. — Disse Yumi, desgostando. — É tudo graças a Mary. Lembra quando ela estava dizendo para ficarmos calmos e como não havia nenhuma razão para não conseguirmos ganhar… Foi incrível! Minha coluna ficou formigando, foi como se tivesse acendido uma chama dentro de mim.
— P-pare. — Mary disse, com a cabeça voltada para o chão, com o rosto vermelho de vergonha. — Sinto muito, eu falei demais. Não é do meu…
— Não diga isso! — Shihori disse com uma força incomum. — Isso é… Eu não acho que você tenha qualquer razão para se desculpar.
— Concordo. — Moguzo balançou a cabeça lentamente. — Eu me senti muito mais valente depois de ouvir isso.
— Vocês são patéticos! — Ranta cuspiu.
Como Ranta pode ser tão metido o tempo todo? Haruhiro não tinha a menor idéia… Talvez fosse apenas porque ele era um idiota.
Ranta não desistiu. — Vocês estão me dizendo que, se alguém disser as palavras mágicas, Moguzo se transforma em um guerreiro e Yumi consegue mexer a bunda dela? Ah, foda-se!
Haruhiro ignorou, fazendo o seu caminho até o cadáver kobold. Ele agachou-se em um joelho. — As armaduras e armas não valem nada, mas tem algum tipo de adereço do nariz… Parece que é feito da presa de algum animal.
Mary se agachou ao lado de Haruhiro depois que fez o típico gesto do hexágono dos Sacerdotes, mostrando seu respeito pelos mortos.
— Isso é um talismã. — Explicou ela. — Todos os kobolds transportam, pelo menos, um.
— Sério? — Respondeu Haruhiro. — Mesmo assim, não parece que vale muito.
— Kobolds que vivem no primeiro andar das minas são os do mais baixo escalão na sociedade kobold. Eles se vestem com trapos e mal recebem o suficiente para comer. Nós, membros da Lua Vermelha, chamamos eles de “kobolds menores”.
— E sobre os kobolds não menores? Seus talismãs são mais valiosos?
— Sim. Eles são feitos de pedras e metais preciosos. Mas kobolds menores, às vezes, usam dinheiro humano além do talismã.
— Entendo. Então, é como uma rifa. Às vezes podemos encontrar um kobold menor com uma prata ou algo assim…
Mary falou pouco. Não apenas a informação mas o simples fato de ela estar falando deixou Haruhiro muito feliz.
— Tanto faz, é só pegar isso aí e cair fora. — Ranta bufou. Ele rasgou o nariz do kobold ao remover o talismã e isso lhe rendeu um olhar de desagrado por parte do Haruhiro. — O quê? Algum problema?
— … Não.
Mesmo que estivessem tomando o prêmio de uma merecida vitória, do corpo de um inimigo derrotado, Haruhiro desejou que Ranta fosse mais… Nesse momento, Haruhiro percebeu uma coisa: para os kobolds, eles eram os invasores. O que fizeram agora era nada menos que assassinato. Nenhuma boa ação compensaria isso.
Se levassem o saque dos cadáveres com cuidado ou arrancassem com brutalidade, o resultado final seria o mesmo. Não mudaria o que fizeram. Mas, assistindo o que Ranta fez, Haruhiro se deu conta do quão grande era a imoralidade e a indiferença das ações de Ranta.
Ranta poderia não ter qualquer escrúpulo para pensar assim, mas Haruhiro estava determinado a não ser o mesmo, ainda que corresse o risco de ser hipócrita. Então Haruhiro removeu outro talismã, um brinco feito de chifre polido, gentilmente, fazendo o seu melhor para não danificar ainda mais o corpo do kobold.
Ele não tinha nenhuma intenção de mudar a maneira como fazia as coisas. Não importava se era um inimigo ou até mesmo um animal. Mesmo os mortos merecem um mínimo de respeito.
Haruhiro empertigou-se mais uma vez. — Vamos. Para as Minas Siren.
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