Índice de Capítulo

    Erros e Acertos

    Na manhã do dia seguinte – pensando bem, na verdade, no mesmo dia – esperaram até a primeira badalada do sino, dez horas, mas Mary não veio ao portão norte.

    No dia seguinte, eles esperaram novamente, duas horas a mais, ainda sem nenhum sinal da Mary. Ranta boquejou aos quatro cantos que deveriam invadir o quarto da Mary, mas Haruhiro e Shihori se opuseram firmemente. Quanto a Yumi, ela ainda se sentia funya-funya, mas estava melhorando.

    Então, no terceiro dia, Haruhiro e os outros chegaram ao portão norte pouco antes do sino das oito tocar.

    — Oh … — Ranta ficou surpreso.

    Shihori respirou fundo.

    Yumi soltou um “Miau”.1

    Haruhiro sorriu levemente, cobrindo a boca com uma das mãos. Entretanto, até o mais singelo sorriso trazia aquela dor inane de volta ao seu peito.

    Havia uma mulher em trajes sacerdotais apoiando-se no pequeno cajado que carregava em um canto do portão norte. Ela mantinha os olhos no chão, como se contasse os dedos dos pés. Ela não era uma mulher de grande porte, mas parecia ser ainda menor agora.

    — Marry! — Haruhiro a chamou.

    Mary ergueu os olhos e se virou para encará-los. Porém, imediatamente, voltou os olhos para os pés, embora estivesse apenas assentindo.

    Acho que não importa, pensou Haruhiro. Sim. Tanto faz qual o motivo. Mary está aqui. Não forçamos ela a vir. Também não imploramos por isso. Mary veio por vontade própria.

    Haruhiro e os outros correram até Mary. Shihori foi a primeira a apertar sua mão sem dizer uma palavra. Mary não rejeitou aquele gesto tão doce.

    Yumi de repente lançou-se em Mary envolvendo-a em um caloroso abraço.

    — Eek! — Mary gritou, talvez por medo.

    Bem, Haruhiro também ficou surpreso. Claro, ninguém esperava por isso.

    — Sinto muito, Mary. — Yumi disse, enquanto mantinha o aperto do abraço e esfregava seu rosto contra o da Mary, semelhante ao que um gato faria ao receber carinho. — Por favor, desculpe a Yumi.

    — Hein?! P-pelo quê…? — Mary gaguejou.

    — Por deixar você em paz. — Disse Yumi. — Me desculpa. Yumi tinha Shihori lá para ela, mas, Mary, você não tinha ninguém com você. Em um momento horrível como este. Desculpa. Yumi não a deixará sozinha outra vez, então Yumi espera que você perdoe ela. Yumi estará ao seu lado.

    — … Eu estou… — Mary disse, com as lágrimas prestes a escorrer.

    No início, Haruhiro achou que ela estava apenas confusa, mas percebeu que não era o caso. O rosto de Mary lembrava uma cereja quentinha. Ficou vermelha até a ponta das orelhas.

    Mary cerrou os dentes. Ela resistia e fazia o melhor que podia para segurar o choro.

    Acho que ela quer chorar – é isso, não é? Haruhiro pensou.

    — Eu sou… — Ela começou.

    — Está tudo bem. — Yumi a consolou. — Mary, não importa o que você diga, Yumi já se decidiu. Ela não vai mais te deixar sozinha. Yumi, de agora em diante, vai ficar na mesma casa que você. Isso é o que Yumi decidiu. Shihori também estará conosco.

    Haruhiro olhou para Shihori. — … É você?

    — Eu imagino que seja. — Shihori respondeu enquanto sorria forçadamente para disfarçar a confusão. — … Eu acho que lembro… De conversarmos sobre isso na noite passada… Vagamente…

    — Vagamente, hein… — Interpelou Haruhiro.

    — Heh! — Ranta esfregou o nariz com o polegar. — Bem, se é assim que vai ser, então há apenas uma escolha. Vou alugar um quarto ao lado da Mary!

    — Você não pode. — Mary dirigiu um olhar gélido para Ranta. — Como regra geral, o lugar onde estou hospedado é proibido para os homens.

    — O quê?! — Ranta protestou. — V-você não pode nem “conversar” com o proprietário?! Ei, espere, se for uma regra geral, isso significa que pode haver exceções, certo?! Eu sou especial, então devo ser uma exceção, obviamente!

    — A única exceção é para crianças pequenas. — Disse ela friamente. — Ou seja, mães com filhos.

    — Então tá! Tudo bem, de hoje em diante, Mary, eu vou ser seu filho! Seria estranho dizer que sou seu filho verdadeiro, então é só falar que sou adotado, sim, isso mesmo, adotado! Como assim?! Desse jeito, o problema está resolvido, não?!

    — Resolvido? É justamente esse o problema… — Haruhiro murmurou.

    — Queito, Parupiro!2 Não é você quem decide isso! Agora então, Mary, você é minha mãe a partir de hoje! Bem-vinda à família, mamãe!

    Mary deu um tapinha nas costas de Yumi e suspirou. — Acho que vou para casa…

    — Nããão! — Yumi gritou, apertando Mary com força. — Mary, não vá! Quando o idiota do Ranta abre a boca, é só ignorar tudo o que ele diz! Você sabe que o Ranta é só um palerma.

    — Quem você está chamando de palerma? — Ranta protestou. — Especialmente quando se tem peitos tão minúsculos!

    — Não chame eles de minúsculos! — Yumi protestou.

    — Ei, não é minha culpa você ter peitos pequenos!

    — Pensando bem, Ranta, você é muito mais achatado do que Yumi! — Ela atirou de volta.

    — Eu sou um homem, droga! Eu não estava competindo com você no tamanho dos seios para começar! 

    — Bem, o que você está competindo pelo tamanho, então?!

    — Huh?! Bem, obviamente… — Ranta olhou para sua virilha, então olhou para Haruhiro. — … Tá de brincadeira comigo?

    — Não, não, não me deixe fora disso… — Disse Haruhiro.3

    — Hrmm? — Yumi inclinou a cabeça para o lado em confusão.

    — Hum… — Mary disse, se contorcendo desconfortavelmente no aperto forte dos braços de Yumi. — … Eu não vou embora. Então, por enquanto, você poderia me soltar?

    — Whuh?! Yumi estava te machucando? Desculpa por isso. — Yumi a soltou. — Yumi, ela é muito forte, sabe. Ultimamente, seus braços têm ficado muito musculosos, e, talvez ela vai ter um pacote de seios um desses dias, ela estava dizendo a Shihori. Se isso acontecer, Shihori estava dizendo, talvez, se os músculos do peito de Yumi crescerem, seus seios podem ficar maiores também.

    — … Y-Yumi. — Shihori gaguejou. — Isso é o suficiente…

    — Nwuh? Por quê?

    — Não é algo para se falar na frente dos meninos…

    — Não é? — Yumi perguntou.

    — Ha! — Ranta deu uma bufada. — Você não tem delicadeza, Yumi. Esse é o seu problema !

    — Yumi não tem telepatia, mas você também não, Ranta! — Ela atirou de volta.

    — Até parece! Além disso, não é telepatia, é delicadeza! De-li-ca-de-za!

    Meu Deus, as coisas, com certeza, ficaram animadas aqui, Haruhiro pensou, coçando a nuca. Mas, bem, graças a Ranta e Yumi, o clima melhorou.

    Primeiro, Haruhiro conversou com Mary sobre negócios. Eles decidiram que todos iriam para o Escritório do Corpo de Soldados Voluntários para preencher a papelada. Em seguida, eles precisam da ordem de pagamento até a Companhia Yorozu, para convertê-la em ouro e dividir as 60 moedas. Ele percebeu que seria uma boa ideia depositar o Triturador também.

    — Então, a questão é o que faremos daqui em diante? — Haruhiro perguntou, mantendo seu tom o mais leve que podia. A realidade na qual se encontravam era dura, e todos sentiam como se pudessem ser esmagados sob seu peso opressor. Ele não queria deixar a situação ainda mais tensa. — Eu andei pensando sobre as coisas, sabe. Por enquanto, porque não vamos para Damroww?

    — Ooh. — Disse Yumi com entusiasmo. — Isso significa gulbis.4

    — Heh! — Ranta franziu a testa e cruzou os braços. — Você não acha isso um pouquinho fora da conta pra gente?

    — … Eu acho que você quer dizer “além da conta”… — Shihori murmurou.

    — Hm? Você disse alguma coisa, Shihori? — Ranta perguntou em voz alta.

    — Ah…— Ela bodejou. — Esqueçe… Eu sei que não há cura para a estupidez…

    — Ei, essa aí eu ouvi? — Ranta reclamou.

    — Damroww… — Mary enfatizou, olhando para baixo.

    — Eles têm nos chamado de Matadores de Goblins há um bom tempo, afinal. — Haruhiro disse brincando, mas a expressão de Mary não melhorou nem um pouco.

    Não dá para esperar muita coisa agora. Isso vai levar algum tempo. Um passo de cada vez. “A pressa é inimiga da perfeição”.

    — Nos últimos dias, fomos frequentemente às Minas Siren, então nos acostumamos com os kobolds, mas se formos lá, teremos que descer pelo menos três andares— Ele complementou. — Eu acho que é muito arriscado. Ouvi dizer que o estado de emergência temporário na Velha Damroww parece ter sido suspenso, e conhecemos quase todos os cantos daquele lugar. Se escolhermos os lugares certos, não acho que seja tão perigoso.

    — O jeito que você pensa é passivo demais, como sempre, hein, Haruhiro? — Inferiu Ranta, encolhendo os ombros exageradamente. — Mas está tudo bem, não é? Acho que não é uma má ideia, pelo menos por enquanto.

    — Uau, isso não é algo que se vê todo dia, Ranta não está reclamando. — Shihori murmurou.

    — Shihori, por que tanta implicância comigo? — Ranta protestou. — Eu sou o tipo de pessoa que fala na cara, sabe? Se for bom, eu digo que é bom. Se estiver ruim, eu digo que está ruim. Se eu tenho algo a dizer, eu digo! Se eu quiser fazer algo, eu faço! Em outras palavras, sou um homem de verdade!

    — Sim, sim. — Haruhiro murmurou.

    — Haruhiroooo! Não, Parepiruroooo! Não pense que vou deixar você fazer pouco das coisas que eu falo!

    — Às vezes, eu tenho vontade de te jogar em um rio só pra ver a correnteza te levar pra longe. — Retrucou Haruhiro.

    — Por mim tudo bem! Bora! Estou bem aqui, vai, tenta! Se acha que consegue, vamos, faça isso, desgraçado!

    — Nah, eu passo.— Desdenhou Haruhiro. — É muito incômodo.

    — Ba-boing. — Ranta avançou em linha reta. Ele pode ter tentado agir de forma engraçada para arrancar uma risada do grupo, mas obviamente não surtiu efeito. Ranta, entretanto, não se intimidou e tentou novamente algumas vezes. — Ba-boing. Ba-boing. Boing-ba!

    As repetidas tentativas, além de não serem nada engraçadas, também deixou a situação cada vez mais incômoda, então era impossível entender porque ele não parava apesar das circunstâncias. Ranta começou a trabalhar expressões engraçadas em sua rotina de “salto de ba-boing”.

    Yumi soltou um suspiro exasperado e balançou a cabeça.

    Mary estava olhando para Ranta com pena.

    Shihori estremeceu. — … Isso dá medo.

    — Ba-boing!. — Ranta gritou. — Ba-boing! Ba-boing, ba-boing, ba-boing!

    Ranta parece feliz, Haruhiro pensou. Ele gosta quando as pessoas ficam assustadas. Ele é masoquista? Ainda assim, Shihori está zombando muito dele hoje, talvez ela tenha algum motivo em particular.

    Haruhiro ignorou Ranta, olhando para Yumi, Shihori e Mary. — Alguém mais tem algo a dizer?

    — Yumi acha que ela está bem com isso. — Yumi declarou.

    — … Eu também acho que está tudo bem. — Respondeu Shihori.

    — Sim. — Disse Mary, levando a mão ao peito e respirando fundo. — Por mim, tudo bem.

    As coisas não eram como antes. Claro que não. Haruhiro e os demais haviam perdido alguém que não queriam perder. Não havia ninguém que pudesse substituir Moguzo, absolutamente ninguém. Não era possível.

    Não havia nada que sequer amenizasse o grande vazio que sentiam sem seus corações?

    Bem, e o que devemos fazer? Haruhiro indagou.

    Ele não sabia agora. No entanto, tinha consciência de que o fato de não saber a resposta não era motivo para deixar as coisas como estavam. Se ele não sabia a resposta, precisava encontrá-la.

    Haruhiro acenou com a cabeça.

    — Vamos lá.

    1. ;-;?[]
    2. kk quebrei[]
    3. Haruhiro micropica?[]
    4. Goblin, creio eu[]

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