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    O salão estava silencioso, só o crepitar da lareira quebrava o ar pesado. Naira, Thamir, Lys, Aisha… e Ian, recostado na cadeira como se fosse a pessoa mais tranquila do mundo. 

    — Então… — Ian disse, rompendo o silêncio — que tal a gente deixar o papo sério pra depois e fingir que estamos aqui só pelo café? 

    — Ou você fala, ou eu falo. — Naira rebateu, sem a menor paciência. 

    Ian suspirou. — E lá vem… 

    — Não enrola. — Ela se aproximou um passo, os braços cruzados. — Desde que entramos nessa cidade, você tá segurando algo. 

    — Estou segurando muitas coisas. — Ele levantou uma das mãos. — Minha sanidade, por exemplo. 

    — Ian. — A voz dela desceu um tom. 

    Ele buscou apoio no olhar de Lys, mas a Rainha apenas ergueu a sobrancelha, firme, como quem dizia “a responsabilidade é sua”. Aisha, atenta, observava em silêncio, olhos curiosos demais para o próprio bem.

    Ele Levantou as mãos num gesto de rendição. — Tá bom, tá bom… resumo rápido, sem drama: os estudiosos daqui detectaram que a origem da barreira, e ela tá bem próxima de um lugar que conhecemos do lugar onde… — a voz dele vacilou por um segundo, mas logo se recuperou — onde Jyn morreu. 

    Naira e Thamir trocaram olhares. Ian continuou: 

    — Não é só isso. Essa barreira não é como nada que os magos daqui já viram. Estrutura, fluxo de mana, tudo nela é… errado. Por isso eu suspeito que pode ser um outro portal. 

    — Que merda — Thamir falou se jogando no sofá vazio. 

    Naira respirou fundo se sentando em uma cadeira — …E você ia deixar a gente descobrir isso quando?

    — Quando Kael chegasse. — Ian deu de ombros. — Não queria fazer todo mundo perder o sono antes da hora. 

    Naira colocou os pés em cima da cadeira a sua frente de forma despreocupada — Do jeito que está, você vai ser só um peso morto.  

    Thamir, sentado na beira do sofá, parecia mais interessado em recuperar o fôlego depois do “coice” da mana, mas ainda assim mantinha a atenção na conversa. 

    — Então… — Ian repondeu, recostando-se na cadeira como se fosse dono do lugar. — Que tal a gente pular a parte chata e só confiar que eu sei o que estou fazendo? 

    Naira arqueou uma sobrancelha. — Ou você fica, ou eu mesmo quebro as suas pernas. 

    — E lá vem… — Ian suspirou, com aquele meio sorriso de quem sabe que está prestes a perder. — Desde quando você virou minha consciência moral? 

    — Desde que percebi que você ainda está se segurando. — Naira se aproximou, a sombra dela cobrindo parte do rosto de Ian. — Do jeito que está, você… pode matar todo mundo. 

    — Eu estou morto e esqueceram de me avisar? — Ian soltou uma risada seca. 

    — Não brinca comigo, Ian. — O tom dela ficou mais baixo, mas ainda mais afiado. — Você sabe que, se continuar se limitando, a primeira pressão de verdade vai te quebrar. E não vou ficar assistindo isso acontecer. 

    — E eu que achei que vocês tinham vindo justamente para me ajudar. — Ele passou a mão no queixo. 

    — Vamos, Ian. — Naira cruzou os braços de novo, firme. — Libere o que está prendendo. Use tudo. E, se você sair do controle… nós te paramos. De novo. 

    Thamir, soltou um suspiro. — Ela tem razão, cara. 

    — Claro… todo mundo contra mim. Que bonito. — Ian se levantou, caminhou até a janela e ficou olhando para fora por alguns segundos. — Vocês realmente acham que eu quero me segurar? Que é divertido ter ficar com a cabeça no lugar sem nem mesmo poder se lembrar de quem perdeu sabendo o que acontece quando… — ele parou, mordendo as palavras. 

    — Quando você perde o controle? — Naira completou. — Sim, eu sei. Mas isso aqui não é sobre o que você quer. É sobre o que precisa ser feito. 

    O silêncio voltou, pesado como pedra. Ian inspirou fundo e virou-se para encará-la. O sorriso cínico ainda estava lá, mas os olhos… não. 

    — Tá bom. Mas vamos fazer isso quando Kael chegar — Ele ergueu as mãos em rendição. — e quando isso der errado, vou fazer questão de voltar pra dizer “eu avisei”. 

    — Fechado. — Naira respondeu sem hesitar. 

    Do canto, Lys observava em silêncio, os olhos dela se estreitando, como se tentasse montar o quebra-cabeça de algo muito maior. 

    — Perder o controle? — Lys foi a primeira a quebrar o silêncio depois que Ian concordou. A sobrancelha arqueada dela denunciava mais do que simples curiosidade. 

    Aisha, ao lado, parecia igualmente confusa. — Do que exatamente vocês estão falando? 

    Thamir se remexeu na cadeira, como se não quisesse ser o porta-voz dessa conversa, mas acabou soltando: 

    — Bom… Ian não é exatamente o tipo de cara que você quer irritar quando tá usando tudo que tem. 

    Ele fez uma pausa, medindo as palavras, e então decidiu ir além: 

    — Na verdade… ele é o único que eu conheço até agora que carrega duas linhagens sanguíneas ativas ao mesmo tempo. Kenzaru… e Varel. 

    Lys se endireitou na cadeira, como se quisesse confirmar que ouviu certo. — Isso… não é possível. — O tom dela estava entre incredulidade e interesse. — Kenzaru e Gel’Varel. Instabilidade e rigidez absoluta. Essas heranças que não podem coexistir! 

    — Pois é. — Thamir deu de ombros. — E, ainda assim, — ele apontou para Ian — Olha a criança aí, respirando e andando. 

    — Como isso é possível? — Lys insistiu, os olhos fixos em Ian como se tentassem arrancar a resposta à força. 

    Thamir soltou um meio sorriso e desviou o olhar. — Isso é uma história pra outro dia. 

    Lys voltou-se para Ian, buscando uma explicação. Ele apenas abaixou o olhar, deixando claro que não diria nada. 

    Naira, que até então observava, completou: 

    — O que ele segura dentro dele não é só mana. É justamente a linhagem Kenzaru… e, devido à forma como foi liberada, acaba gerando mais do que deveria. 

    — E esse “mais” seria…? — Lys voltou a perguntar. 

    Ian, recostado na parede, soltou um suspiro pesado. — Vamos simplificar: quando eu libero tudo, a mana ao meu redor reage às minhas emoções. E não é aquela reação bonitinha que deixa o ar brilhar. É… destruição, pura e simples. 

    — É por isso que ele vive se controlando. — Thamir olhou para Aisha, que claramente tentava absorver cada palavra. — Ele já perdeu o controle antes… e ninguém quer que isso aconteça de novo. 

    Aisha engoliu seco. — E o que aconteceu da última vez? 

    O silêncio que seguiu foi mais frio do que o vento entrando pelas frestas da janela. Ian desviou o olhar para o chão. 

    — Coisas que não dá pra desfazer. — A voz dele foi baixa, mas cada palavra parecia carregar peso. 

    Lys manteve o olhar nele, como se buscasse uma verdade que ele não queria dar. — Então você está me dizendo que vamos nos apoiar em alguém que pode se voltar contra nós a qualquer momento? 

    — Não. — Naira corrigiu. — Vamos nos apoiar em alguém que, se usar tudo, pode nos salvar… ou acabar com tudo junto. 

    Aisha respirou fundo, os dedos se fechando em punhos. — Então é melhor tomarmos cuidado daqui pra frente. 

    Ian soltou um meio sorriso, aquele típico dele. — Bem-vinda ao trabalho de campo, aprendiz. 

    O clima no quarto pesou de novo, mas agora com uma estranha mistura de tensão e aceitação. Lá fora, o sol já tocava o horizonte, tingindo a neve com tons dourados.  

    O cansaço, que até então estava escondido sob a conversa, caiu sobre todos de uma vez. 

    Antes de qualquer coisa…. eles realmente precisavam dormir. 

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