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    A manhã em Altheria nasceu fria, mas não tanto quanto nos dias anteriores. O sol, tímido, atravessava as nuvens e fazia brilhar os cristais incrustados nas torres e muralhas. A caravana ainda descansava; os preparativos para a partida finalizariam no dia seguinte. No entanto, no campo de treino anexo ao templo, já havia movimento.

    Thamir estava ali, braços cruzados, observando Aisha suar em meio a seus erros e acertos.

    — Circulação de mana, garota. — disse ele, a voz carregada de ironia, mas não sem certa paciência. — Não é só juntar energia no peito como se fosse tossir fogo. Tem que fazer a mana fluir como sangue, mas sem pressa.

    Aisha tentava. Fechava os olhos, respirava fundo, movia os braços em guarda que lembravam espadas invisíveis. A cada falha, a expressão de Thamir se divertia.

    — Relaxa os ombros. — ele continuou. — Se tensionar tudo, vai parecer uma estátua querendo dançar.

    — Eu estou tentando! — ela rebateu, ofegante.

    Thamir estalou os dedos. — não é o que ta parecendo. você esta voltando aos velhos hábitos de tentar concentrar a mana em pontos específicos.

    Ela bufou, mas recomeçou. Foi quando conseguiu: um fluxo suave de mana começou a percorrer o corpo, e Thamir percebeu, com surpresa, a energia dela circulando de forma meio atrapalhada, mas para o primeiro dia…

    Ele ergueu a sobrancelha, impressionado. — Você aprende rápido. Rápido até demais.

    Aisha abriu os olhos, suada, mas orgulhosa. — Isso é ruim?

    Thamir deu um meio sorriso torto. — Pode ser. Pessoas que aprendem depressa às vezes quebram cedo. Mas… — fez uma pausa, avaliando o progresso dela — … se não quebrar, você pode se tornar perigosa.

    Antes que Aisha pudesse responder, passos ecoaram pelo pátio. Lysvallis, de capa azul, acompanhada de Elenys, se aproximava. As duas conversavam baixo, mas a presença era impossível de ignorar.

    Lys olhou diretamente para Aisha. — Preciso de você comigo, Aisha. — Sua voz firme não deixava espaço para questionamento.

    A garota hesitou, mas obedeceu. Guardou a espada, fez uma reverência rápida e seguiu com a rainha. Quando as duas desapareceram entre as colunas, restaram apenas Thamir e Elenys.

    Silêncio.

    Foi Elenys quem quebrou a distância, seus olhos claros avaliando o Guardião como quem mede um tabuleiro.

    — Thamir. — disse, num tom leve, quase amistoso. — Fico impressionada com sua habilidade de treinar os mais jovens. Deve ser… cansativo.

    Thamir riu de canto. — Não mais do que aguentar políticos discutindo em salão fechado.

    Ela inclinou a cabeça, mas não recuou.

    — Imaginei que um homem do seu calibre apreciaria conforto. Alianças certas podem abrir portas, oferecer descanso… e apoio.

    — Ah. — Thamir cruzou os braços. — Então é isso. Vai tentar me comprar com promessas de travesseiros de seda e vinho caro?

    Elenys ergueu o queixo, sem perder o ar diplomático. — Não é compra. É visão. Guardiões não precisam se desgastar tanto, quando podem contar com aliados dentro de Altheria. imagine como ser…

    Thamir a observava enquanto ela falava, os gestos medidos e a voz carregada de suavidade. Elenys não precisava forçar nada era daquelas mulheres que sabiam o próprio efeito sobre os outros. ela parecia estar perto dos trinta, cabelos escuros que caiam como sombra sobre a pele clara e um olhar que parecia sempre sugerir algo a mais do que dizia.

    — …Então poderíamos dizer que seria uma relação de mutualidade…— Elenys ainda falava tentando mostrar os pontos fortes da sua casa, mas Thamir estava mais preocupado em acompanhar os pontos fortes dela..

    “Perigosa”, pensou ele, mas não com medo. Era o tipo de sedução que não vinha de sorrisos ensaiados, e sim de uma confiança natural, quase irritante. O tipo que poderia derrubar um salão inteiro de nobres apenas com um levantar de sobrancelha.

    E, ainda assim, Thamir não se intimidava. Pelo contrário. Aquela aura só tornava mais divertida a ideia de provocá-la. Foi então que Thamir deu o primeiro golpe inesperado. O olhar dele mudou, e um sorriso irônico surgiu.

    — Sabe… — ele falou, se aproximando um passo — … não é o apoio da sua casa que me chama atenção, Elenys.

    Ela piscou, surpresa. — Ah, não?

    — Não. — Ele inclinou a cabeça. — O que me chama atenção é a forma como você fala. Como se soubesse que está sempre no controle. Você possui uma confiança envolvente sabia?

    Elenys recuou meio passo, devido a surpresa.

    — Está… me cortejando? — perguntou, incrédula.

    Thamir sorriu, descarado. — Claro. Se fosse Kael, estaria recitando poesias. Se fosse Ian, provavelmente ignoraria você até você gritar. Eu? Eu digo logo o que penso. Não gosto de perder tempo Elenys.

    Ela respirou fundo, tentando manter a compostura. — Eu… Sou casada, Guardião.

    — E? — Thamir deu de ombros. — Isso impede de ouvir elogios?

    Um silêncio pesado caiu por um instante, quebrado apenas pelo vento. O rosto de Elenys manteve a máscara, mas os olhos vacilaram. Ninguém falava com ela daquele jeito. Nem mesmo o marido.

    — Talvez você não saiba mas o titulo de Matriarca de uma casa não vem sem um matrimonio.

    — Não me preocupo com Títulos.

    Para disfarçar, ela mudou de assunto. — Venha. — disse, gesticulando para que ele a acompanhasse. — Se vai falar tanto, ao menos caminhe comigo.

    Eles andaram pelas ruas de Altheria. As casas de pedra clara com detalhes em cristal refletiam a luz suave do dia. Elenys falava, explicando sobre as grandes famílias, seus ramos e alianças, enquanto Thamir ouvia… mas sempre com uma resposta pronta.

    — A família Ydrine controla boa parte das explorações de ruínas, o que lhes dá prestígio e recursos.

    — Hum. E ainda assim, não tem metade do brilho que você tem só de caminhar. — rebateu ele.

    Elenys piscou, surpresa por um instante, mas logo recuperou o tom gélido. — Você é… bem inconveniente sabia?.

    — Verdade. — Thamir deu de ombros, casual. — Mas, pelo menos, sou honesto. Quantos ao seu redor podem dizer o mesmo?

    Ela cruzou os braços, os olhos estreitados. — Está insinuando que vivo cercada de hipócritas?

    — Insinuando?…. Não. — ele sorriu, de canto. — Estou afirmando.

    O riso dela veio baixo, incrédulo. — Sabe que, em outra circunstância, só essa frase já renderia acusações de desrespeito ao Círculo. e provavelmente uma punição.

    — E ainda assim você está rindo. — Thamir inclinou a cabeça. — Curioso, não?

    Elenys respirou fundo, ajustando o passo. Eles caminhavam lado a lado pelas ruas de Altheria, e, por mais que tentasse manter o ar altivo, Thamir cada vez mais fazia jogadas de aproximação.

    — Você fala demais, Guardião. — ela disse, quase num sussurro.

    — Falo o suficiente. — respondeu ele, sério, mas com aquele brilho travesso nos olhos. — Ninguém nunca te disse que você merece ser elogiada sem precisar comprar isso com títulos ou poder?

    Ela parou por um instante, fixando-o como se ele tivesse quebrado um protocolo invisível. Ninguém falava assim com ela. Nunca.

    — Você não entende como funcionam as coisas aqui. — a voz dela tremeu, mas não perdeu firmeza.

    — Talvez. — Thamir aproximou-se só o bastante para que as palavras soassem como um segredo. — Ou talvez eu entenda bem demais.

    Elenys desviou o olhar, mas não conseguiu esconder o leve rubor que tingia suas faces devido a vergonha pelo descaramento do Guardião.

    Thamir riu baixo e recuou, voltando ao tom descompromissado.

    — Mas não se preocupe. Se algum dia quiser descobrir como eu te vejo, não como um título… você sabe onde me encontrar.

    Antes que ela pudesse responder, ele desapareceu deixando apenas uma rajada de vento que sacudiu os cabelos de Elenys, deixando apenas o eco da provocação.

    Elenys permaneceu parada diante da entrada da própria moradia, o coração acelerado. Tentou se convencer de que não havia entendido direito o que ele quis dizer. Mas, no fundo, sabia que sim.

    E, pela primeira vez em muitos anos, percebeu que tinha perdido o controle do jogo.

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