Era o fim de tarde naquela costa congelada. 

    Embora chamar aquilo de “praia” fosse quase uma piada cruel. Não havia calor, risos ou ondas quebrando na areia. O mar era um manto branco de gelo espesso. Árvores petrificadas pelo frio contornavam a paisagem e até a areia, normalmente viva sob o sol, estava endurecida como pedra gélida. 

    Curiosamente, o céu estava limpo. Sem nuvens. Sem névoa. Um azul suave se estendia até o horizonte, revelando uma visão deslumbrante. Mas não havia ninguém ali para apreciá-la. 

    Exceto o Guardião do Norte. 

    Ele estava em pé sobre uma pedra elevada, a silhueta firme contra o céu. Observava, atento, uma barreira translúcida que se estendia pelo vazio. Durante a noite, ela refletia estrelas como um espelho celestial; de dia, brilhava com timidez, suas cores mudando em ondas suaves. 

    Com um salto preciso, o Guardião desceu da rocha e caminhou lentamente até um ponto da barreira que agora começava a se tingir de vermelho. 

    Seu sobretudo branco flutuava atrás de si com o vento leve. Forte e imponente, seu rosto revelava juventude incomum: pele morena, cabelos cacheados caindo sob os olhos castanhos profundos. Vestia calças e blusa brancas, o sobretudo aberto como se ignorasse o frio absoluto. 

    Ao se aproximar da barreira, ela pulsava com um vermelho vibrante… quase vivo. Ele encostou a palma da mão na superfície mágica e soltou um suspiro. 

    — Está mais instável… 

    Ao se afastar, algo estranho aconteceu. A neve ao seu redor começou a se erguer, transformando-se em água líquida suspensa no ar. Fluidos cristalinos se reuniram em pontos específicos e se moldaram em uma armadura leve, brilhante e firme. O Guardião ajustou a manopla em seu braço, colocou o elmo e desapareceu por trás da couraça de gelo. Tudo que se via era a névoa quente de sua respiração escapando por frestas do elmo. 

    A barreira, antes vermelha, tornava-se agora cor de sangue. No centro, manchas escuras se aprofundavam. 

    Então, uma ponta prateada atravessou a superfície. Um som abafado de vozes ecoou, seguido pelo rasgo completo: a barreira foi cortada de cima a baixo. Dela emergiu uma comitiva de vinte pessoas. 

    Dez deles trajavam armaduras de placa no estilo medieval europeu. Dois erguiam estandartes onde tremulava o símbolo de uma mão segurando um martelo. Os demais usavam mantos simples e empunhavam cajados mágicos. 

    — Esses caras de novo… — murmurou o Guardião, suspirando com irritação. Ele já havia perdido a conta. Seria a vigésima vez que esse reino cruzava a barreira? Era exaustivo. 

    A comitiva se espalhou em posição de combate, os olhos varrendo o ambiente até encontrarem o Guardião. Tensão. Troca de olhares. Finalmente, o líder removeu o capacete e gritou: 

    — VOCÊ É O CHAMADO GUARDIÃO DO NORTE? 

    O Guardião suspirou e respondeu com desdém: 

    — Por que está gritando? 

    Surpresa. O grupo se entreolhou. 

    — Estou a menos de cinco metros. Não há vento. Não tenho problema de audição. Pode falar normalmente. 

    Removendo o capacete, o Guardião revelou seu rosto. 

    Expressão firme, tranquila, como quem já enfrentou guerras internas maiores que a neve ao redor. 

    O líder retomou a postura e bateu o punho no peito, em saudação militar. 

    — Peço desculpas, Guardião. Sou o comandante Dravis, do Reino de Forndal. Estes são meus homens. Estamos aqui para realizar o Desafio do Guardião, como meus antepassados fizeram. 

    Os olhos do Guardião brilharam em azul sutil. 

    — Comandante Dravis… você entende o que me pede? 

    A temperatura pareceu cair ainda mais. 

    Dravis manteve a postura. Seus olhos agora brilhavam num tom cinza metálico. 

    — Entendo perfeitamente. 

    — Nesse caso… me siga. 

    O clima opressor desapareceu com a resposta. O Guardião virou-se e começou a caminhar. 

    Dravis fez um sinal para seu grupo. Enquanto seguiam em silêncio, um dos soldados se aproximou e murmurou: 

    — Ele… ele realmente é o Guardião das lendas? 

    Dravis não desviou os olhos. 

    — Volte para a sua posição. De um jeito ou de outro… vamos descobrir em breve. 

    Não sabiam ao certo quanto tempo caminharam até a entrada de um desfiladeiro. À primeira vista, parecia comum… exceto pelas estátuas de gelo. Humanoides esculpidos com perfeição, retratando representantes das cinco raças principais. Soldados humanos com armaduras variadas. Todos eternizados na forma de gelo puro. 

    Quanto mais se aproximavam do centro do desfiladeiro, mais figuras apareciam. Guerreiros, magos, reis. A tensão crescia como se as estátuas observassem. 

    Por fim, chegaram a uma colina de neve espessa. O Guardião parou, olhou em volta com serenidade e disse: 

    — Chegamos. 

    Subiu lentamente a colina, e ao alcançar o topo, estendeu a mão. 

    — Agora… deixe-me preparar este lugar. 

    O que aconteceu em seguida faria Dravis ter certeza: aquele homem à sua frente… não era só uma lenda. 

    Era o Guardião. 

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