Capítulo 23 — “Sombras Antigas”
Narrado por Ian
Havia lugares que eu preferia não visitar e de todos aquele era o pior.
A projeção da barreira ainda tremeluzia sobre a mesa, as linhas de mana oscilando como um coração prestes a falhar. No centro de tudo, o ponto que me encarava de volta.
Aquele lugar…
Era muito perto de onde ela morreu.
Minha mandíbula travou. Os outros seguiam explicando padrões, fluxos, convergência. Nada que eu não soubesse. Mas naquele ponto, naquela exata montanha, havia algo que nenhum deles podia sentir.
Seiryu.
Jyn.
Respirei fundo. Demais.
Lys percebeu primeiro.
— Ian?
— Estou bem. — Menti.
Aisha me observava como quem desconfia de algo.
Tentei tirar o foco.
— E os Guardiões?
Thalien se virou, como se não tivesse certeza se a pergunta era para ela.
— Os atuais?
— Não. Os verdadeiros. Os primeiros. Onde estão?
Os estudiosos trocaram olhares. Lys e a vice-líder também. Foi Thalien quem respondeu:
— Ninguém sabe ao certo. Os registros antigos dizem que eles se retiraram… desapareceram. Sem rastros. Sumiram, digamos… “em paz”.
Ri, seco.
— Eles não eram exatamente o tipo de grupo que sumiria em “paz”.
Lys franziu o cenho.
— Você os conhecia?
— Fomos escolhidos juntos. A primeira geração de humanos a ocupar os postos que pertenciam às Quatro Bestas. Nós éramos chamados de Precursores.
Minhas palavras caíram pesadas. A sala se calou.
— Kael Seok Vorrak, não costuma falar muito, é um idiota “certinho” até pra falar com alguém ele elabora o que vai falar antes, mas quando ele usa a lança… é assustador. Tem também o Erik Thamir, outro analítico, o que tem o melhor senso de humor do grupo, mas é um maluco quando se trata de batalhas, eu nem consigo ver ele direito quando ele entra na luta. E tem Naira, Naira Zola, é no mínimo desesperador ter ela como inimigo, se ela não for com a tua cara ela pode só fazer a terra engolir o teu castelo antes de você ter tempo de entender o que está acontecendo, a proposito ela é bem teimosa.
Lys cruzou os braços.
— E você nunca tentou procurá-los?
— Após nos separarmos pela última vez, eu acabei me isolando, mas ainda acreditava que, se ainda estivessem vivos, voltariam quando fosse preciso.
— E agora é?
— Definitivamente.
Thalien se inclinou, curiosa.
— E por que não apareceram antes?
— Porque eu ainda não sei, talvez por causa da última conversa.
Lysvallis se aproximou, confusa.
— Mas por que eles sumiriam assim? Vocês não têm… longevidade?
Assenti.
— Temos. Mas a imortalidade cobra um preço. E às vezes… o preço é a vontade de continuar. Mas quem sabe? Talvez tenham arrumado algo legal para fazer — Falei dando de ombros
— Vai chamá-los? — perguntou Lys.
— Sim. Mesmo que estejamos há anos sem contato duvido muito que eles não venham.
A vice-líder soltou um suspiro.
— E se não responderem?
Dei de ombros.
— Aí o mundo vai ter dois problemas a mais pra lidar. — Falei coçando a cabeça — Uma barreira colapsando liberando monstros e três armas ambulantes desaparecidas.
O clima da sala pesou rápido, mas dessa vez não havia muito o que eu podia fazer para ajudar.
— Se quiser mesmo um resultado, vou precisar subir. — comentei, me erguendo da cadeira com certa lentidão. Não para criar efeito. Para esconder o peso nas pernas.
— Subir? — Aisha arqueou a sobrancelha.
— Um ponto alto. Quanto mais aberto o céu, mais longe vai o sinal.
— Algum problema em usar a torre antiga? — sugeriu Neriah, cruzando os braços. — A que fica ao norte, perto da muralha secundária?
— Serve. — Respondi, rápido demais. Depois suavizei o tom. — Serve perfeitamente.
Perto demais, pensei. Mas ninguém ali precisava saber.
Lysvallis me encarou por um instante. Não disse nada. Seus olhos falaram o suficiente: ela percebeu que algo me incomodava. Mas não perguntou. E eu agradeci por isso.
— Não deve demorar. Só mantenham distância quando eu começar. — Acrescentei, já me dirigindo à saída. — Pode ficar… um pouco instável.
—
A torre antiga era velha de verdade. O tipo de estrutura que parecia se recusar a desabar apenas por orgulho. Subi os degraus em silêncio, cada passo medido, cada sombra alongada como dedos de lembranças.
Aquele lugar… era bem perto de onde Altheria morreu.
O mundo tinha um senso de humor peculiar… e eu parecia ser a piada favorita dele hoje. Primeiro, revisitar Altheria, a cidade que carregava o nome da última pessoa que me olhou como algo além de carinho.
Morta por um maldito dragão. E agora, estava planejando uma viajem direto pro outro lugar onde perdi Jyn… também por causa de um dragão.
Sério… se eu ver outro dragão, ele morre. Só… morre.
A torre não era o lugar exato onde ela caiu. Mas era perto. Perto o bastante pra memória morder de volta. Senti o gosto amargo de perda grudando no fundo da garganta.
Eu apenas segui em frente. Porque era isso ou afundar.
Foi ali, do topo da torre dava pra ver…
Onde ela morreu.
Por um segundo, hesitei. Olhei para as mãos. Não estavam tremendo. Mas isso não dizia nada. A magia de gelo sempre me ensinou a esconder o que sentia.
Toquei o parapeito. O vento era forte. Limpava o ar.
As nuvens se moviam lentamente, como se o mundo inteiro estivesse prendendo a respiração.
— Vocês vão me odiar por isso… — murmurei, olhando o horizonte. — Mas eu não tenho escolha.
Kael. Thamir. Naira.
Meus velhos companheiros. Os três que me conheciam como ninguém. Irritantes, barulhentos, eficazes. E, talvez, os únicos que entenderiam o que estava por vir.
Fechei os olhos.
Soltei o ar devagar.
E deixei a mana subir.
Não era como respirar. Era como abrir o peito e deixar que ele fosse virado do avesso. A mana me atravessou como uma avalanche invisível, rodopiando em espirais, saltando dos dedos, do chão, das pedras ao meu redor.
Pulso.
A explosão foi silenciosa. Mas se espalhou como uma onda pelo do vento.
O céu de Altheria tremeu.
As nuvens se abriram.
E, por alguns segundos, o pôr do sol invadiu a cidade, tingindo tudo com um dourado antigo, quase mítico… o pôr do sol estava lindo.
Não demorou muito para sentir a resposta
Três ecos. Três pulsares distintos.
Fogo. Raio. Terra.
Fiquei ali parado, os olhos fechados, sentindo o ressoar antigo dentro do peito. Um peso antigo se movia no mundo. E, dessa vez, eu não pretendia enfrentá-lo sozinho.
— Eles vêm. — Murmurei. — E nós terminamos isso juntos.
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