Capítulo 46 - Partida.
O pátio diante das muralhas estava tomado pelo movimento. Dezesseis carroças alinhadas aguardavam o sinal de partida: dez delas carregando os representantes das casas e seus administradores, duas ocupadas por matriarcas Elenys e Alexia.
E quatro abarrotadas de suprimentos, armas, mantimentos e tecidos. As rodas reforçadas eram testadas por ferreiros, enquanto soldados revisavam arreios e cordas. O ar cheirava a couro, ferro e expectativa.
Soldados carregavam caixas, cocheiros ajustavam arreios e aprendizes corriam com pergaminhos nas mãos. Entre eles, Kael se misturava sem dificuldade auxiliando no que podia. Lysvallis havia lhe colocado como chefe de logística. Mas para surpresa dela kael se mostrou mais do que capaz para exercer o disfarce.
— Cuidado com essa caixa. — disse, pegando uma antes que o jovem soldado a deixasse cair. — Se quebrar, vai ser você quem vai explicar para a Matriarca Alexia por que estamos sem mantimentos antes mesmo de sair.
O rapaz engoliu seco, e Kael piscou para ele, descontraído. — Brincadeira… mais ou menos. só tome cuidado — Colocou a caixa no lugar certo, depois caminhou entre os guardas, observando.
— Como anda a moral? — perguntou a um sargento grisalho que coordenava o grupo.
— Homens estão nervosos. — respondeu o sargento. — Ouviram falar de bestas na estrada agrícola.
Kael assentiu, como quem concorda sem diminuir o problema. — Nervoso é bom. Significa que vão manter os olhos abertos. Mas vamos resolver, temos três Guardiões com nossa caravana. — Tocou o ombro do homem, firme. — Só não podemos deixar a confiança virar descuido.
Enquanto falava, o Guardião observava discretamente o carregamento. Conferia as marcas nas caixas, avaliava peso, tipo de suprimento. Conversava como se estivesse distraído, mas cada detalhe era registrado.
Um dos soldados riu, comentando algo sobre Kael carregar mais do que três homens juntos. Ele respondeu com outra piada, e em minutos o clima havia mudado. As costas continuavam arqueadas pelo peso, mas os rostos estavam mais leves.
Um pouco mais afastado, próximo às últimas carroças, Aisha não se misturava. usava roupas leves nem parecia que tinham recebia a ordem de proteger a retaguarda da comitiva, ela voltava conferindo se todos estavam em seus lugares, enquanto isso Um pouco afastado, Thamir estava encostado numa pilha de barris, como se não tivesse pressa. Conversava com dois jovens soldados, que pareciam nervosos demais na presença de um Guardião.
— Então, vocês vão proteger a comitiva? — ele perguntou.
— S-sim, Guardião. — respondeu um, quase gaguejando.
Thamir ergueu a sobrancelha. — Guardião? Eu? — Abriu um sorriso ácido. — Eu só estou aqui pra garantir que vocês não se matem antes de chegarmos.
Os rapazes riram, meio inseguros.
— Relaxem. — Thamir estalou os dedos, fazendo uma faísca percorrer o ar. — Se uma besta aparecer, só precisa correr mais rápido que o colega do lado.
Eles ficaram pálidos. Thamir gargalhou. os soldados veteranos próximos entraram na gargalhada.
As risadas se espalharam pelos soldados, um som que aliviou por uns instantes a tensão do local. Ele sabia dosar essas trocas o humor mantendo respeito, a modéstia intacta. Não demorou para o pelotão cercá-lo, cada rosto uma pergunta diferente.
— É verdade que você pode voar? — um sujeito, mais ousado perguntou
— O quê? Agora vocês estão viajando. — Thamir falou, fingindo surpresa diante do coro de perguntas. — Voltem para seus postos; em breve partiremos.
No momento em que falava, seus olhos encontraram os de Elenys. Ela o observava de longe, encostada numa sombra de uma das casas uma observadora silencioso no teatro da caravana. Por um segundo, o sarcasmo que sempre o acompanhava se dissolveu em algo mais fino, quase imperceptível. Um sorriso de canto aflorou, provocativo, como quem desafia sem declarar guerra.
Curiosamente, Elenys não retribuiu. Em vez disso, virou-se e dirigiu-se à sua carruagem com passos medidos, evitando a cena que muitas vezes servia de palco para pequenos espetáculos. A distância entre o que ele mostrava e o que sentia parecia maior naquele pequeno gesto dela.
— Continuem com o carregamento. — ordenou, erguendo a voz para recuperar a rotina. — Quero ver se vocês conseguem manter o ritmo ou se vou precisar carregar cada um nas costas.
Enquanto os homens retomavam o trabalho, Thamir permaneceu ali por mais um instante, observando Elenys desaparecer na sua carruagem.
Na linha de frente, Naira estava de pé junto aos cocheiros. Um mapa aberto sobre um caixote improvisado, ela gesticulava com precisão, a voz firme.
— Essa carroça vai na retaguarda. Se houver ataque, os suprimentos ficam protegidos entre a vanguarda e o centro. — Apontou para outro ponto. — E aqui, reforcem com dois homens extras.
Um cocheiro mais jovem arriscou um comentário: — Senhora, não seria melhor distribuir as forças igualmente?
Naira ergueu os olhos, sérios como pedra. — Igualdade não vence batalhas. Estratégia vence. — E voltou ao mapa.
— Mas nós temos vocês certo? três guardiões.
— Acha que somos onipresentes?
— Não senhora…
Os cocheiros se entreolharam, mas obedeceram sem contestar. A autoridade dela não precisava de gritos.
Um soldado mais velho, ao lado, murmurou: — Ela fala como se fosse a dona de tudo
Naira ouviu e respondeu sem alterar o tom. — Sou. e é melhor me ouvirem e não quiserem ficar a viagem inteira sem conseguir uma parada decente o suficiente para um banho.
O pátio se silenciou. Do alto das escadarias, Lysvallis surgiu, capa azul arrastando no chão, os cabelos brancos presos em tranças impecáveis. Ao lado dela, Ian.
Ele não estava em armaduras ou roupas simples. Usava trajes formais, o sobretudo escuro com detalhes prateados que refletiam a luz da manhã. Caminhava sem pressa, mas com a firmeza de alguém que não precisava provar nada.
Todos se endireitaram. Guardas ergueram lanças, cocheiros baixaram chapéus. Lys ergueu a voz.
—Hoje deixamos de ser famílias isoladas para nos tornarmos um só corpo em marcha. Que a honra de Altheria brilhe em cada passo, até que alcancemos Cervalhion.
O pátio explodiu em aplausos contidos, e as carroças começaram a se mover.
Dentro da carruagem, Lys se acomodou no assento e olhou para Ian. O balanço suave marcava o início da viagem.
— Ian. — disse ela. — Esta estrada é mais que um caminho. É o palco da nossa entrada. As bestas que encontrarmos devem ser derrotadas de forma memorável. O povo precisa contar o que viu até a capital.
Ele arqueou a sobrancelha. — Então quer que eu vire espetáculo?
— Sim. — Lys o encarou. — Os camponeses precisam ver algo que jamais esquecerão. Preciso que a história se espalhe antes mesmo de chegarmos a Cervalhion. Quero que falem do Guardião que congelou um exército de bestas, ou que ergueu muralhas de gelo em segundos. Algo grandioso o bastante para que chegue à corte antes de nós.
Ian soltou um suspiro, um meio sorriso no canto da boca. — Então é um espetáculo que você quer.
— É o futuro que eu quero. — Lys corrigiu, séria. — O povo é o primeiro a formar opinião. E a corte segue o que o povo murmura.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos — Eu entendo… Muito bem. Espetáculo então.. Thamir vai gostar da notícia.
Do lado de fora, os sinos tocaram, anunciando a partida. As rodas começaram a girar, e a caravana se pôs em movimento.
O som das rodas preenchia o pátio. A Jornada para Cervalhion Começava.

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