Capítulo 47 - "O Andarilho"
Aedin Valcor estava sozinho na sala do trono.
A luz que atravessava os vitrais tingia o salão de tons alaranjados, o rei permanecia imóvel, com o cotovelo apoiado no braço da cadeira de pedra esculpida, os dedos roçando o queixo quadrado em silêncio meditativo. A postura ereta, os ombros largos e a presença imponente faziam com que, mesmo sentado, parecesse mais uma muralha do que um homem.
O silêncio era absoluto, exceto pelo som distante das tochas queimando. Os guardas já haviam sido dispensados. Após um longo dia resolvendo os assuntos do reino, e as coisas não estavam boas, cada vez mais bestas e cada vez menos combatentes poderoso o suficiente para cobrir um território tão grande.
Aedin sempre pedia para ficar só ao final do dia, quando desejava estar a sós com seus pensamentos. Ou ao menos, era assim que aparentava.
Porque ele não estava sozinho.
Não totalmente.
A sombra se arrastou pelo canto do salão, crescendo no ritmo lento de passos arrastados. O som discreto da ponta de uma bengala de madeira ecoou contra o mármore polido, como se cada batida fosse calculada para lembrar o rei de sua presença.
Aedin não precisou levantar os olhos.
— Você veio.
A voz que respondeu era grave, arranhada, com a cadência calma de alguém que nunca tinha pressa.
— Sempre venho, Majestade. É no entardecer que a verdade prefere ser dita. A luz não é tão forte para cegar… nem a escuridão tão densa para enganar.
O velho caminhante avançou até que a chama de uma tocha o revelasse: corpo arqueado, envolto em túnicas cinzentas, a pele marcada pelo tempo, e olhos… olhos fundos demais para pertencerem apenas a um homem comum.
Aedin o observou com aquela mistura de desconfiança e respeito.
— Espero que não tenha me feito perder meu tempo hoje.
Um sorriso lento se abriu no rosto do ancião.
— Não. Hoje trago notícias que não vieram pelos mensageiros… e que Altheria preferiria esconder de você.
Aedin se inclinou para frente no trono, a atenção despertada.
— Explique-se.
O Caminhante apoiou as duas mãos sobre a bengala e abaixou levemente a cabeça, como se falasse um segredo a ser confiado apenas aos mais dignos.
— A comitiva de Altheria… não chega apenas com a jovem rainha. Nem tampouco com um único guardião, como foi anunciado.
Aedin franziu o cenho, batendo os dedos contra o braço do trono.
— Continue.
— Tres guardiões acompanham a Rainha Lysvallis. — A voz do velho ecoou com suavidade, mas cada palavra parecia pesar mais que a anterior. — Ian, o Guardião do Norte, e junto dele Thamir, Naira.
O silêncio caiu pesado. Aedin o quebrou com um meio sorriso que não alcançou os olhos.
— Quatro guardiões em minha capital… Altheria acha que sou tão ingênuo?
O Caminhante ergueu o olhar, sereno.
— Não subestime a intenção deles. Esses Tres não são soldados comuns. São armas. Cada um deles representa um desequilíbrio em potencial para Cervalhion.
— Armas? — Aedin se recostou, cruzando os braços largos. — Eu não temo homens ou mulheres, não importa quantos títulos carreguem. se eles são fortes no uso da magia basta neutraliza-la.
O Caminhante inclinou a cabeça.
— Sei que não teme. Afinal, Vossa Majestade já provou ser o mais forte, mesmo sem a bênção de uma linhagem.
Aedin endireitou-se no trono, o orgulho pulsando em cada palavra.
— Exato. — O tom era quase um rugido. — Enquanto outros se apoiam em dons herdados, eu conquistei cada centímetro da minha força. Cada pedra erguida neste reino, cada inimigo derrotado… nada disso veio de olhos brilhantes ou sangue raro.
O velho sorriu, como quem aprova o discurso que ele mesmo instigou.
— E é por isso que eles o temem. Um rei justo. Um rei íntegro. Um rei que se fez sozinho. Sendo um mudando, e ainda assim, nenhum deles ousa se colocar acima do seu domínio.
O rei não respondeu, mas a rigidez de sua postura mostrava como aquelas palavras o alimentavam.
O Caminhante deu alguns passos, a bengala marcando o ritmo lento no chão do salão.
— Mas os guardiões… eles não vieram por acaso. Altheria teme perder influência. E teme ainda mais aquilo que repousa além da barreira.
Os olhos de Aedin estreitaram-se.
— Está insinuando que eles sabem de algo?
— Estou dizendo que a presença deles aqui não é proteção, mas preparação. — A voz do velho baixou para quase um sussurro. — Eles querem observar. Testar. Talvez até influenciar sua corte.
Aedin bufou, com desdém.
— Não serão bem-sucedidos.
O Caminhante o observou longamente antes de falar outra vez.
— Mesmo assim, é preciso cautela. Eles são particularmente perigosos, Majestade. Thamir se move como o raio, invisível aos olhos comuns. Naira manipula a mana com uma frieza que pode reduzir cidades a pó. e tem um tal de Kael, o diplomata… ele não parece ser um Guardião mas parece ter alguma influencia no meio deles, me parece que esse é o mais traiçoeiro, pois conquista corações antes de revelar intenções. E Ian… — uma pausa dramática, o velho inclinando levemente o corpo — Ian é tão poderoso que o titulo dele fala por si só… ele virou uma lenda.
O silêncio ecoou, pesado.
Aedin apertou os punhos, batendo-os contra o braço do trono com força suficiente para rachar a pedra.
— Então que venham. Se desejam medir forças, terão resposta. Não sou rei por título apenas, e sim porque sou o mais forte.
O Caminhante ergueu um dedo ossudo, como quem adverte um pupilo.
— Força, Majestade, não é apenas esmagar o inimigo. É também ver além do que está diante dos olhos. E hoje, vejo que Altheria vem testar Cervalhion.
Aedin recostou-se outra vez, a expressão voltando à serenidade controlada.
— Deixe que testem. Descobrirão que não há fraqueza em mim.
— Exatamente como deve ser. — O velho sorriu, satisfeito. — Mas é sempre bom fazer preparativos Majestade.
— Vou convocar os usuários de ordo.
O entardecer tingia os vitrais com vermelho profundo, como se o sangue do céu se infiltrasse no salão. O Caminhante se afastou lentamente, passos arrastados, até que sua figura pareceu se dissolver nas sombras.
Sozinho novamente, Aedin permaneceu imóvel. Mas no fundo de seus olhos havia algo mais do que convicção. Havia a chama silenciosa, a certeza absoluta dos seus próprios ideais.

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