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    O centro da arena estava silencioso.

    Aisha avançava com passos firmes, o peso da armadura reverberando no gelo. Cada movimento fazia ecoar o som metálico, grave, que se misturava ao vento que cortava o espaço aberto. Os flocos de neve desciam em espirais lentas, colidindo contra o elmo negro, como se o próprio clima tentasse decifrar quem estava por trás daquela couraça ancestral.

    O Guardião a observava em silêncio, a expressão oculta atrás da máscara de gelo, os olhos brilhando com aquele tom difícil de definir, nem hostilidade, nem indiferença. Algo entre a curiosidade e talvez um pouco de expectativa.

    Aisha assumiu a sua postura de combate, mais baixa com a lamina da espada apontando para frente.

    — Postura decente — comentou, empunhando uma lâmina fina de gelo recém-formada. O som agudo do cristal se expandindo ecoou pela arena. — É para ser um duelo até a morte? Só não peça piedade. Isso não existe aqui.

    Aisha não respondeu. Limitou-se a posicionar a espada de ferro negro em diagonal, girando o punho em silêncio. Dentro do elmo, seu coração acelerava, mas sua respiração se manteve firme. Não mostraria hesitação.

    O combate começou com um golpe cruzado. Direto, firme, quase brutal.

    O Guardião bloqueou com facilidade, girando a lâmina e devolvendo a pressão. Mas Aisha recuou com controle e desferiu uma sequência rápida: um corte de base, seguido por um giro lateral e um impulso vertical que surpreendeu o Guardião por um segundo.

    O som do impacto ecoou. A espada roçou a ombreira dele, arrancando uma fagulha de gelo endurecido.

    Ele sorriu, finalmente parecendo um pouco interessado.

    — Ah… então temos técnica. E um pouco de ritmo.

    O sorriso sumiu, substituído por uma expressão séria. Ele apoiou a lâmina no ombro, como quem dá uma pausa proposital, estudando cada detalhe.

    — Mas falta algo.

    Eles voltaram a trocar golpes, agora mais rápidos, mais sérios. O Guardião aumentou a pressão, investindo com cortes angulados que forçavam Aisha a esquivar em posturas incomuns. Cada choque de lâmina fazia vibrar o gelo da arena, levantando estilhaços brancos.

    E foi ali que ele percebeu.

    Em momentos específicos, a armadura parecia “acelerar”. Não era o metal. Era o corpo por dentro. A mana fluía sutilmente, reforçando músculos e articulações exatas.

    — Você… está canalizando mana nos tendões? — murmurou após o quarto bloqueio consecutivo. — Quem ensinou isso? Não é técnica de Ignaris…

    Aisha não respondeu. Desviou de um ataque com um giro curto, apoiando-se em um impulso leve de mana nas pernas. Contra-atacou com uma estocada que o Guardião só conseguiu interceptar cruzando a lâmina em X.

    O impacto estremeceu os dois por um instante.

    — Interessante… — disse ele, recuando pela primeira vez. — Você estuda. E sente o momento. Está costurando força com inteligência. Gosto disso.

    Ela apenas firmou os pés, silenciosa.

    — Chega da dança das lâminas. — O tom dele mudou, carregado de algo entre desafio e provocação. — Vamos descobrir o que você faz quando algo quebra o seu ritmo.

    Sem aviso, o Guardião soltou a espada.

    A lâmina de gelo caiu no chão e se partiu em estilhaços, e para Aisha pareceu que o tempo desacelerava. O som seco ecoou na arena, como se até o vento tivesse prendido a respiração.

    — Me mostre o que você tem!

    O ataque desarmado do Guardião foi avassalador.

    Ele se moveu como vento sólido, socos curtos e precisos, golpes com palma aberta, deslocamentos com o ombro, joelhadas em ângulos impossíveis. Cada investida era acompanhada por um sutil deslocamento de mana, que fazia o ar vibrar ao redor de seus movimentos.

    Aisha tentou acompanhar, reforçando os músculos com mana, mas a armadura começava a atrasá-la. Cada desvio se tornava milésimos mais lento. Cada giro, mais pesado.

    Um golpe de cotovelo ricocheteou no elmo. Uma palma aberta atingiu o ombro esquerdo, fazendo a couraça ranger. Depois, um golpe curto na base do quadril a fez cambalear por um segundo.

    O Guardião recuou, cruzando os braços como quem avalia uma peça inacabada.

    — Sua técnica é clara. Seus olhos são decisivos. — A voz soava quase didática. — Mas essa armadura está te afogando.

    Por trás do elmo, Aisha respirava fundo, o ar quente reverberando contra o metal gelado. Cada inspiração parecia mais pesada.

    — Está me entregando setenta por cento do que poderia. — Ele inclinou levemente a cabeça. — E ainda me faz trabalhar.

    Silêncio. Apenas o eco distante da plateia murmurando, indecisa entre espanto e tensão.

    Aisha apertou o punho da espada, os nós dos dedos estalando contra o interior da manopla.

    — Tire isso — disse ele, com calma. — Não por mim. Por você.

    Ela permaneceu imóvel, os olhos fixos atrás da máscara.

    — Está relutando? — Ele deu um passo à frente, firme. — Acha que pode vencer escondida?

    Mais silêncio. O ar parecia congelar entre eles.

    O Guardião inclinou a cabeça, pensativo.

    — Se não vencer… você vai morrer. — Ele apontou discretamente para o capitão de Ignaris, que observava da lateral da arena. — É o terceiro desafio. E sua comitiva já escolheu por você.

    As palavras atravessaram Aisha como lâminas invisíveis. Seu coração disparou. O peso não era mais da armadura… era da verdade.

    Dentro do elmo, ela piscou rápido. Por um instante, quase quis rir da ironia, ela havia sobrevivido a três batalhas, mas ainda precisava provar quem era diante de estranhos que já haviam decidido seu destino.

    O Guardião esperava.

    Aisha ergueu a mão, sentindo os dedos tremerem levemente dentro da manopla. Segurou o elmo.

    O metal rangeu quando a trava cedeu.

    O Guardião observava em silêncio. Pela primeira vez, sem provocação. Sem sarcasmo. Apenas olhando, como se estivesse diante de um quebra-cabeças interessante.

    A placa superior se desprendeu. Os cabelos escuros escaparam em ondas, caindo sobre o pescoço. A respiração quente formava pequenas nuvens de vapor contra o frio.

    Os olhos dourados surgiram, intensos, queimando contra o fundo branco da arena.

    O Guardião não reagiu com espanto. Não recuou. Apenas inclinou o rosto, curioso.

    Aisha removeu as manoplas, revelando mãos firmes, os dedos marcados por calos de treino. O metal caiu no gelo com um som seco.

    Por um instante, toda a arena pareceu suspensa. Os olhares do Círculo, das guardas, dos mercadores… todos fixos nela.

    Finalmente…

    Ela revelava o rosto.

    E, naquele silêncio denso, a voz do Guardião se ergueu novamente, baixa:

    — Agora sim… podemos lutar de verdade.

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