Capítulo 62 - "Visitante ilusório"
A noite já estava avançada quando Thamir finalmente saiu da Tenda de Elenys. No acampamento, o silêncio se fazia presente, interrompido apenas pelos murmúrios dos guardas em suas vigílias. Thamir caminhou em direção à sua tenda provisória, montada ao lado da tenda de Elenys. O vento frio assobiava entre as lonas das tendas, fazendo a estrutura ranger suavemente.
Thamir se acomodou, permitindo que a mente desacelerasse. Mas antes que o sono o tomasse por completo, uma névoa estranha se formou em sua visão, e ele sentiu uma sensação familiar, como um coice, agitando a sua mana.
Para quem o observasse de fora, ele parecia estar em um sono profundo, deitado sobre as mantas improvisadas. Mas dentro de sua mente, outro cenário se desdobrava.
Ele estava em um campo cinzento, desolado. O chão parecia composto apenas de pó e cinzas, e o horizonte distorcido se estendia em todas as direções. O ar estava denso, sufocante, tornando cada respiração desafiadora. Thamir ergueu o olhar, semicerrando os olhos.
— Outra ilusão? — murmurou, a voz carregada de tédio.
De dentro do vazio à frente, uma sombra humanoide começou a tomar forma. Era a mesma figura que ele encontrara durante o dia. Os contornos ainda não eram definidos, como fumaça tentando ganhar forma, mas, lentamente, aquilo se tornava mais sólido.
— Uau, você realmente não tem criatividade. Se gostou tanto de mim, ao menos me paga um jantar, não? — Thamir disse, com um sorriso sarcástico, observando a figura com desdém.
A voz da sombra ecoou, distorcida e grave:
— Então você é o famoso Espectro das Areias… Que honra…
— E a quem devo o desprazer? — Thamir perguntou, olhando diretamente para o rosto da sombra, que começava a apresentar traços mais humanos, embora ainda estivesse longe de ser uma forma definida.
— Por que tanta hostilidade, Guardião? — A sombra deu de ombros e se aproximou. — Eu só queria bater um papo. Na verdade, estou surpreso de ter me permitido entrar tão facilmente em sua mente…
Thamir cruzou os braços, arqueando uma sobrancelha.
— Eu não deveria?
— É perigoso deixar um estranho mexer na sua mente, sabia? — A sombra sorriu, o tom ganhando um toque irônico.
— Que fofo, está preocupado comigo? — Thamir retrucou, com a mesma indiferença.
A sombra se aproximou mais, e o chão sob seus pés parecia se corroer, como se estivesse queimando.
— Sabe, Guardião, você e o tal Ian despertaram o meu interesse… A energia de vocês… Destoa de todos nesse continente. Você também é um andarilho?
— … Talvez eu responda, quem sabe? — Thamir falou, dando de ombros enquanto se sentava no chão rachado, como se estivesse em um bar com amigos. — mas o que é isso anfitrião? me coloca em uma ilusão e nem tem a decência de se apresentar?… Deuses.. onde foram parar os modos?!
A sombra sorriu de forma sutil. Ela agora estava mais sólida, com traços humanos bem definidos, mas ainda assim, sua forma parecia volúvel, como se estivesse em constante mudança.
— Tem razão, Guardião… Não acredito que esqueci de algo tão básico. — A figura fez uma reverência exagerada, os membros oscilando entre a solidez e a evaporação. — Sou o último filho dos Sae’Lun, mas alguns me chamam de andarilho, outros… olhe só que coincidência, “espectro”.
— Nem tanto. — Thamir deu um sorriso cínico. — Parece que alguém está desesperado para ter um apelido maneiro.
A sombra riu baixo, seu som mais parecido com madeira velha se quebrando.
— Você é ousado. Gostei. A maioria já estaria implorando para acordar, mas você… está tranquilo. Será que ainda não entendeu a situação?
— Talvez — Thamir deu de ombros. — Ou talvez eu simplesmente não tenha medo de você. E, a propósito, ainda estou esperando a sua apresentação.
O ambiente ao redor deles oscilou, como se o próprio mundo estivesse se fragmentando, ganhando novas cores, transformando o cinza e a opacidade em um vermelho ardente.
O Último Filho estreitou os olhos, parecendo intrigado.
— O que você teme, afinal?
— Ter que participar de outra reunião. — Thamir abriu um sorriso sarcástico. — Isso sim é tortura.
Ele começou a levantar e, enquanto batia a poeira das roupas, a sombra se dissolveu no ar, materializando-se ao lado de Thamir com uma das mãos na nuca dele. Um sorriso triunfante contornava o que deveria ser o seu rosto.
— Uma pena que tenha que acabar assim, Guardião. — A sombra liberou sua energia, concentrando sua mana em Thamir, mas… nada aconteceu.
— Interessante… muito interessante. — O Último Filho recuou, mas não com medo. Pelo contrário, estava visivelmente fascinado. — Você realmente não é como os outros.
O ar ao redor deles vibrou. Relâmpagos cortaram o horizonte cinza, explodindo como lanças de luz, e a sombra vacilou, seus contornos se distorcendo entre solidez e fumaça.
Thamir inclinou a cabeça, desinteressado.
— Pois é. Azar o seu. E você ainda não me respondeu.
— … Você está achando que sou tolo, Guardião?
— Não… eu?! Jamais… — Thamir falou, olhando lentamente ao redor, com a expressão calma. — Talvez um pouco surdo ou idiota, já que me respondeu com títulos ao invés do nome, a não ser que sua mãe tenha esquecido de te dar um…
A sombra inclinou a cabeça levemente, analisando Thamir. A calma dele não parecia ser um simples blefe.
— O que é isso, Guardião? Apenas não somos próximos o suficiente para nos chamarmos pelo nome…
— … Vou te chamar de Freddy, então. — Thamir se inclinou para frente com um sorriso desafiador.
…
O silêncio, por um instante, foi denso. Então, a sombra riu novamente.
— Ah, Guardião… tão ácido. Mas me diga, você não teme? Está preso aqui comigo…
— Engraçado… você me lembra alguém. Um idiota que achava que podia controlar tudo e todos. No fim, só conseguiu se perder em suas próprias ilusões. — Thamir deu um passo à frente. A eletricidade começou a correr por suas mãos. — E sabe o que aconteceu com ele?
A sombra se inclinou, curiosa.
— O quê?
Thamir abriu um sorriso carregado de sarcasmo.
— Ele descobriu, do jeito difícil, que eu não tenho senso de humor quando tentam brincar com a minha cabeça.
— Já que quer transformar isso em uma perda de tempo, Guardião… não resta escolha. Na próxima, vou ter que destruir sua mente. — A sombra assumiu uma forma humanoide, como se fosse um reflexo distorcido de Thamir.
O chão tremeu. Relâmpagos cortaram o céu cinza da ilusão, estourando como lanças azuis. A figura começou a vacilar, seus contornos se desfazendo em fumaça.
Então, tudo se quebrou. O campo cinzento se despedaçou como vidro atingido por um martelo.
Thamir acordou com um sobressalto, sentindo pequenos arcos elétricos cortarem o interior de sua tenda.
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