Índice de Capítulo

    O corredor estava silencioso quando Dan partiu em direção ao portão oeste, levando consigo apenas seis guardas de confiança. O pedido do rei havia dispensado cerimônias; eles se moviam como sombras treinadas, sem falar, sem chamar atenção. O vento cortante do fim do inverno tocava os cabelos de Dan, mas ele não parou para se proteger. Cada passo seu soava no corredor vazio, ressoando em ecos que desapareciam nas paredes grossas da fortaleza.

    Aedin observou até que o som das botas se perdesse, até que o silêncio voltasse a dominar o espaço, quase opressor, como se a própria fortaleza soubesse o que viria a seguir. Ele permaneceu ali, olhando pela janela do salão, onde o horizonte começava a se vestir de uma sombra escura, prenúncio de uma tempestade que se aproximava.

    O vento frio atravessou a varanda, carregando cheiro de madeira queimada e chuva iminente. Aedin sentiu o cheiro de terra molhada, e ficou ali por alguns instantes, respirando devagar, como se o cheiro viesse junto a memorias.

    Quando finalmente voltou ao salão do trono, o dia estava se despedindo. A luz alaranjada do entardecer atravessava a varanda, filtrando-se entre as estatuas que enfeitava a varanda. O reflexo dourado do por do sol se espalhava sobre o mármore branco, mas Aedin não se sentia aquecido. O espaço, antes palco de celebrações grandiosas, parecia agora amplo demais. Suas paredes, que já haviam ouvido risos e canções, agora estavam vazias, ecoando apenas o som dos próprios passos do rei.

    Aedin subiu a plataforma do trono em silêncio.

    Foi então que a sombra atrás do trono se moveu.

    Não de forma brusca.
    Não como algo vivo.
    Mas como algo que sempre esteve ali camuflado, apenas escolhendo ser percebido naquele momento.

    A forma tomou contorno: um velho de túnica cinza gasta, costas levemente curvadas, apoiado em uma bengala de madeira escura. Completamente… comum. E exatamente por isso, desconcertante.

    Aedin sentou-se no trono, cansado.

    — Há quanto tempo está aí? — perguntou, sem elevar a voz.

    — Tempo é relativo Majestade. — respondeu o Andarilho, sua voz baixa, calma, como se falasse através de paredes muito antigas. — Para mim, foi o suficiente.

    O rei passou uma mão pelo rosto, tirando a tensão do dia.

    — Preciso de atualizações.

    — Sobre?

    Aedin ergueu a cabeça encarando a figura:

    — A caravana do norte. E o Guardião.

    O velho caminhou, lento, como se o chão exigisse mais dele do que de qualquer outro.

    — O Guardião do Norte — repetiu, quase com reverência. — Seu nome corre mais rápido do que mensageiros. Cada aldeia acrescenta um feito novo. Ergue muralhas de gelo. Derruba grandes bestas. Cura os feridos. Caminha sobre o vento.

    Aedin não respondeu. Apenas escutou.

    — Você sabe como o povo funciona — continuou o Andarilho. — Quanto maior o medo, maior a necessidade de um salvador. E ele está se tornando exatamente isso.

    O rei soltou o ar devagar.

    — E ele sequer chegou a Cervalhion.

    — Justamente por isso o mito cresce — o sorriso do Andarilho não chegava aos olhos. — E mitos são difíceis de controlar quando florescem antes que se entenda suas raízes.

    O silêncio recaiu.

    — Não posso calar o povo — disse Aedin. — Não agora.

    — Não. — o Andarilho concordou. — Mas pode decidir o que o povo verá quando ele chegar. Herói? Aliado? Ou ameaça?

    Aedin desviou o olhar para o mapa na parede.

    — Os ataques aumentaram além do esperado. Não posso dispensar ajuda. Não reinarei sobre ruínas. Não sou meu pai.

    — Seu pai… um caso de estudo fascinante — disse o Andarilho, como se recordasse de outra época. — Aquele velho louco, sabe majestade, Poucas coisas são mais… instrutivas do que observar um líder poderoso ser limitado pela própria teimosia e mais desafiadoras que convencer um rei tolo da sua própria estupidez…

    O rei franziu o cenho.

    — E quanto aos outros guardiões?

    O Andarilho inspirou como quem recorda algo desagradável.

    — Ah, sim. Eu tive o… prazer de conversar com o Espectro das Areias. Sua mente é uma complicada, é verdade. Uma resistência mental considerável, digna de nota alias. Mas, é claro, não é nada comparada à… anomalia que encontrei no Guardião do Norte. Minha magia, que normalmente é tão… eficiente, foi repelida por uma presença que parecia ter vida própria. — Ele olhou Aedin nos olhos com um sorriso quase de satisfação — . É intrigante, não é? A ideia de que há forças em jogo que nem mesmo eu possa conhecer.

    — Um Artefato talvez? — Aedin perguntou mexendo em um anel da sua mão.

    — Um Artefato com aquele efeito? Aedin.. vamos ser realistas, aonde existiria uma liga com resistência a ataques mentais? Não, nenhum artefato é tão poderoso.

    — O que sugere então?

    — Não sei… e esse é exatamente o problema.

    O rei assentiu, pesado.

    — Você nunca mentiu para mim.

    Não era elogio. Era constatação.

    O Andarilho inclinou levemente a cabeça, como quem aceita o fato sem orgulho.

    — Falta de informação é o maior perigo.

    Outro silêncio se instalou no salão. Desta vez, sendo cortado por Aedin.

    — E o ultimo Guardião?

    — A Guardiã Rumbra… ainda não foi uma prioridade. Meus recursos estavam… comprometidos com o Guardião do Norte. O esforço para penetrar suas defesas foi… significativo. Estou me recuperando e reavaliando minhas estratégias. Em breve, a Guardiã Rumbra será… analisada.

    — Assim espero Andarilho.. não me decepcione.

    — Farei o meu melhor majestade — o Andarilho falou com uma breve reverencia.

    Aedin já conhecia o Andarilho a muitos anos, mas essa era a primeira vez que ele apresentava tantos problemas para conseguir informações, mas haviam outros problemas que ele precisava dividir a sua atenção.

    — Quero que você observe os nobres. Todos. Os que influenciam o povo, especialmente.

    A sombra nos olhos do velho pareceu escurecer.

    — Já estou ouvindo cada sala onde o sussurro se disfarça de opinião. — disse ele, como quem comenta o clima.

    Aedin ergueu os olhos, cansados, mas resolutos.

    — Não interfira. Apenas observe.

    O velho sorriu e aquilo, por si só, pareceu fazer a temperatura cair.

    — É para isso que estou aqui, Majestade.

    E assim como veio, o andarilho desapareceu como se nunca estivesse ali.
    E a sala ficou novamente vazia.

    Mas Aedin sabia.

    Ser observado e ser ajudado eram coisas muito diferentes.
    Ele só esperava ter tempo para descobrir qual das duas estava vivendo.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota