Capítulo 81 - Aedin III
Narrado por Aedin Valcor
A manhã chegou rápido. O brilho suave da luz atravessava as cortinas quando abri os olhos, olhei para o quarto e mais uma vez estava só, mas esse dia iria ser diferente. eu mesmo iria fazer ele ser diferente.
A cozinha principal já estava aquecida quando cheguei ao salão de refeições. As serviçais alinhavam pratos sobre a mesa, e o cheiro de pão recém-assado e chá de raiz doce preencheu o ar.
Eldric já estava sentado. Ombros largos, cabelo preso em um rabo de cavalo, marcas de queimadura leve pelo braço.
Ele ergueu os olhos e arrumou a postura quando me viu.
— Bom dia. — disse, meio tímido, como se aquela frase fosse algo que precisasse lembrar como dizer.
— Bom dia. — sentei-me em frente a ele. O silêncio veio, espesso e bem desconfortável.
Quebrei-o como quem quebra gelo sob os pés:
— Sobre ontem… — comecei, servindo-me de pão. — Seu controle melhorou. E sua resistência… bom, não é mais algo que eu possa simplesmente ignorar.
Ele esboçou um sorriso.
— Eu finalmente consegui aumentar a duração das chamas, mas o coice ainda é bem forte.
— Eu notei. — tomei um gole de chá. — Devemos treinar juntos de novo. De forma regular. Se você quiser.
Ele parou. Realmente parou. Olhou para mim como se estivesse esperando ver uma mentira e quando não encontrou, o rosto dele suavizou.
— Que estranho… mas claro que eu quero. — disse. — Eu… senti falta disso. Dos duelos.
A frase bateu mais fundo do que eu esperava.
Eu respirei, devagar.
— Eu também.
Ele desviou o olhar, com um sorriso leve no rosto.
Mas antes que o silencio voltasse, eu mudei o tema, e talvez para testar as minhas novas próprias fronteiras.
— Soube que Lysvallis está vindo com a caravana de Altheria.
A colher dele parou no ar.
— …Eu soube — e tentou soar indiferente, mas falhou de maneira honesta. — Faltam quantos dias para a caravana chegar?
Eu ergui a sobrancelha.
— Acho que uns quatro dias, talvez menos dependendo se eles acharem bestas no caminho.
Ele voltou a tomar o chá, tentando fingir que estava tudo bem, mas para o azar dele e puxou alguns dos meus hábitos de quando estou ansioso… e eu não ia deixar passar em branco essa oportunidade.
— Então você lembra dela, imagino? Aquela que você conversava sobre cavalos, política e — Cocei o queixo olhando para cima como se tentasse resgatar uma memoria — sobre como você queria um amor que não fosse imposto?
Ele arregalou os olhos, agi como se não tivesse entendido mas não da até para mim isso era vergonhoso demais.
— Pai…
— O quê? Eu só estou dizendo que a vida às vezes oferece segundas chances. — mordi o pão, casual. — E eu preciso de netos. E Rápido, se possível. Minhas costas já não são as mesmas.
Ele tossiu ar, quase aspirou o próprio chá.
— PAI!
Eu ri. Não fazia isso há muito tempo. O riso veio áspero, como algo que ficou trancado dentro do peito, mas veio. Ele riu também. Por um instante, a mesa pareceu um lar novamente, eu tinha me esquecido o quão bom era esses momentos.
Foi quando a porta se abriu.
As serviçais congelaram primeiro, e quando eu olhei também congelei.
Ela entrou.
Ela estava de pé, vestida com um manto claro, cabelos presos com cuidado. Os olhos ainda carregavam sombras, mas ela estava ali. Presente. Desperta. Melissa… minha rainha.
Por um segundo, ninguém moveu nada. Mas o que eu estava esperando? era minha função afinal.
Então me levantei.
— Você está linda. — falei.
Ela arqueou uma sobrancelha, aquela expressão que ela usava nos primeiros anos de casamento, antes de coroas, antes de guerras.
— E você mente que nem sente! — disse, com um sorriso pequeno, mas real.
— Se estiver funcionando, vou continuar. — respondi puxando uma cadeira para ela se sentar no lugar da serviçal.
Eldric deixou um riso leve escapar e virou o olhar para a janela. Ela percebeu.
— E você — disse a ele — ainda não penteou esse cabelo.
— Eu… estava treinando cedo. — ele respondeu, com o nervosismo voltando a transparecer.
Nós tomamos café juntos.
Como família.
Pela primeira vez em… tempo demais.
Quando terminamos, Eldric levantou, me olhando com aquele olhar de desafio:
— Vai correr? — ele me perguntou com um sorriso aparecendo.
Me levantei estralando os dedos.
— Perdeu a noção do perigo garoto?
— Do que vocês estão falando? — melissa perguntou me olhando com curiosidade. Mas quem respondeu foi Eldrik.
— Vamos treinar na Are…
Antes que ele terminasse a frase o chão tremeu.
Não um tremor comum talvez para outras pessoas pudesse parecer comum mas para um mago da terra como eu dava para sentir, era profundo, vindo do coração da terra. As colunas vibraram. Os vitrais tilintaram como vidro frágil prestes a ceder.
Foi quando o Instinto.
Mana fluiu pelos meus braços, pela espinha, para o chão.
Eu a conduzi para as paredes, as vigas.
Fortalecer. Selar. Manter.
— PARA TRÁS! — gritei para os servos.
O tremor cessou tão abruptamente quanto começou.
— Leste. — eu disse.
— Oeste. — Eldric respondeu.
Corremos.
Cheguei à varanda leste.
Pessoas corriam pelas ruas. Gritos. Portões sendo fechados. Soldados armando barricadas por reflexo, sem saber contra o quê mas do palácio eu tinha uma visão ampla e não tinha nenhum sinal de ataque.
Voltei correndo o mais rápido que podia e em poucos instantes já estava na varanda Oeste
Foi quando eu vi.
Um pulso.
Azul de mana bruta, densidade viva subindo ao céu como uma coluna que parecia tocar o firmamento.
Por um segundo, o mundo inteiro brilhou em branco.
Quando o pulso se dissipou, vi a onda vindo.
Não era água. nem fogo.
Mana condensada varrendo a terra como uma muralha invisível arrancando árvores, quebrando pedra, levantando tudo do chão.
Não havia tempo.
Melissa estava na varanda oeste.
E Eldric já corria para ela. Mas eles não teriam tempo para se proteger a tempo.
Eu ergui as mãos.
A terra respondeu.
Uma muralha de pedra subiu entre eles e a onda, grossa e firme. No instante seguinte, eu fui atingido.
O impacto me levou pelo salão, madeira e pedra se misturando ao ar enquanto eu rolava de forma desgovernada, acho que atravessei alguns moveis de madeira antes de conseguir me segurar em uma pilastra.
Quando o estrondo cessou, o castelo estava tomado por poeira, gritos, sangue, correria.
Eu me levantei.
Rasgado. Sangrando pelos braços. Respiração curta. mas sem ferimentos graves.
Procurei.
Ela estava lá.
Eldric estava com ela, braços erguidos, protegendo-a mesmo inconsciente do próprio movimento.
Eles estavam vivos e sem ferimentos.
Eu exalei. E o que eu senti não foi alívio, foi preparação. Algo havia mudado e essa explosão vindo da mesma direção de onde as bestas estavam surgindo só confirmava que isso seria realmente um problema.
E nós precisaríamos estar preparados.

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