Capítulo 87 - Fogo na Floresta
As chamas estalavam no meio da floresta, labaredas altas de fogo que consumiam os corpos empilhados. O cheiro era ácido, denso, uma mistura de carne e pelo queimados que parecia impregnar a pele. Eldrik e os soldados mantinham lenços presos aos rostos, mas o fedor ainda assim se infiltrava. Os soldados trabalhavam em silêncio, montando as pilhas de corpos enquanto Eldrik ateava fogo com sua mana.
— São muitos corpos… — disse Aura, olhando ao redor com uma expressão indiferente.
Dois guardas assentiram, alimentando o fogo com madeira ressecada para ajudar Eldrik a reduzir o uso de mana. Cervalhion não podia deixar corpos apodrecendo assim na mata. Não quando o cheiro atraía mais bestas.
Eldrik olhou em volta. Os rostos dos soldados deixavam claro o cansaço. Todo mundo tinha visto destruição demais nos últimos dias. Reerguer a cidade rápido seria uma verdadeira loucura.
— E nossa função só era manter as bestas longe… — resmungou um dos guardas.
Eldrik respirou fundo, olhando para o céu escurecendo.
— Reclame com Dan quando ele voltar, de estar fazendo o que sempre faz.
Foi então que ele ouviu. Um assobio, leve, alegre. Completamente fora de lugar e hora.
Eldrik virou antes mesmo dos guardas. Dan surgiu caminhando pela trilha, como se estivesse voltando de uma colheita, não de um massacre. Passo tranquilo, ombro relaxado. O martelo descansando casualmente no ombro. E nas costas, amarrada por uma tira de couro, balançando como um saco de farinha… a cabeça de um touro? Não, era muito maior para ser de um touro.
Os guardas congelaram. Um deles engasgou no próprio ar.
— …Mas que — — O que é isso? — Eldrik perguntou, olhando fixamente para a cabeça.
Dan se aproximou, sorriso aberto, satisfeito, quase brilhando de suor e sangue seco.
— Um bicho feio que dói — disse ele, como se estivesse chegando para jantar. — Cadê a comida?
Eldrik cruzou os braços.
— Parece que foi uma caçada intensa.
Dan deixou a cabeça da besta cair no chão com um thump pesado que fez o sangue coagulado espirrar.
— Foi excelente.
Eldrik ergueu uma sobrancelha.
— E o que é essa besta?
Dan deu de ombros.
— Não sei, nunca vi nada parecido. Parecia um grande Besta. Touro. Um pouco irritada. Forte pra caralho.
Seu sorriso aumentou.
— Boa de briga.
Silêncio.
Os guardas apenas ficaram olhando. Eldrik respirou fundo.
— Começa do começo.
Dan encostou o martelo no chão, usando-o como apoio, como se conversasse sobre o clima.
— Tinha uma matilha esperando pra entrar na cidade. — ele levantou a mão com o polegar para cima — Resolvido.
— Claro. — Eldrik murmurou.
— Aí encontrei uma besta coruja pronta pra ascender, parece que achei ela justo no período de transição. Mas estava perto demais da muralha.
Eldrik arregalou os olhos.
— Ascender… próxima daqui?
— É. — Dan coçou a barba, indiferente. — Tive que arremessar o martelo. se ela só ia voar e se esconder até terminar a evolução.
Eldrik fechou os olhos por um segundo.
— Me fala que não acertou uma estrutura da cidade…?
Dan piscou devagar, lembrando.
— Não, foi pro outro lado, parou um pouco… Longe.
Eldrik soltou um suspiro que saiu quase como uma risada sem humor.
Dan continuou:
— Quando fui buscar, encontrei bestas descendo em lote das colinas. Como se tivessem um caminho novo. Segui o fluxo até uma caverna.
Eldrik franziu o cenho.
— Caverna? Não existe caverna naquela área.
— Eu sei. — Dan respondeu simples. — Agora tem, ou melhor tinha…
— Espera… tem? ou tinha?
— Tinha, Botei toda a entrada pro chão — Dan respondeu com um sorriso estampado no rosto.
Silêncio pesado. As chamas atrás deles estalaram alto, consumindo mais ossos.
— E dentro da caverna…? — Eldrik perguntou, já sabendo que não ia gostar da resposta.
— Não de para investigar — Dan deu dois toques no couro que amarrava a cabeça da besta. — Esse aí, ele estava agindo como um guarda, lutava mirando nos meus pontos vitais, até tentar obstruir a minha visão esse safado tentou.
Eldrik respirou fundo.
— Dan. — sua voz baixou. — As bestas não lutam assim. Não guardam base. Não visam articulação. Não criam brechas. Você está me dizendo que essa coisa sabia o que estava fazendo?
Dan olhou para o chão por um segundo. Não por dúvida, mas lembrança.
— Estou! — disse chutando a cabeça, enfim. — Não era só instinto. Esse desgraçado pensava, ele se adaptava durante a luta, hora me atacava como um guerreiro, e depois atacava como uma besta.
Eldrik sentiu o estômago contrair.
— Tem certeza do que está dizendo?
— Certeza absoluta, pirralho. Você acha que tá falando com quem? Eu mato Grandes bestas desde antes do teu pai aprender a lutar de forma decente.
Eldrik apenas assentiu.
— Certo.
— Se isso for verdade… a situação de Cervalhion é pior do que eu imaginei. — Aura falou de direta, pesando o clima já tenso.
— O que esta falando garota? — Dan falou olhando de forma seria para aura, que pareceu não se abalar.
— Pense um pouco, você disse que essa besta estava agindo como um guarda… — o que aconteceria se fossem dois deles se ajudando em uma luta?
Dan olhou para baixo pensando, até que olhou novamente para ela e falou dando de ombros.
— Então seriam duas cabeças penduradas nas minhas costas…
…
Um dos guardas limpou a garganta, nervoso.
— A gente… avisa o mestre Valcor?
Eldrik olhou para Dan. Dan ergueu o martelo de volta ao ombro.
— Vamos contar pra ele juntos. — disse, de modo leve novamente.
— Ele vai querer ver a cabeça. Vai ficar orgulhoso.
Dan bufou, mas não discutiu.
— Claro que vai, só não deixa a mãe ver.. — Eldrik completou olhando para o rastro de sangue que voltou a pingar da cabeça.
— A gente entra na surdina. —Dan estendeu a mão, pegando a cabeça pela corda, jogando-a como se fosse um saco de batatas. — Vamos. Ainda dá tempo de pegar comida quente.
Eldrik começou a caminhar ao lado dele.
— Você vai tomar banho antes de qualquer forma. — afirmou.
Dan olhou para ele, ofendido.
— Por quê?
Eldrik apontou para ele de cima a baixo.
— Porque você está fedendo a sangue, tripa e fumaça.
Dan pensou por dois segundos.
— Não está tão ruim, assim garoto — Ele olhou para Aura. — Esta?
Aura apenas confirmou com a cabeça.
Eles caminharam na direção da muralha. As chamas continuaram queimando às costas deles. E a noite parecia mais atenta do que antes.

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