Capítulo 1: O Despertar
O ar cheirava a fumaça e ferrugem. ele acordou de repente, sentindo o peito doer como se tivesse prendido a respiração por horas.
Ele olhou ao redor, mas tudo era estranho. Não havia céu, nem chão, apenas uma névoa cinza que parecia não ter fim. O lugar era silencioso demais, até que um som distante de gritos e sussurros começou a ecoar.
— Onde eu estou? — murmurou ele, com a voz rouca.
Tentou se levantar, mas suas pernas estavam fracas. Sob suas mãos, a superfície era áspera, como pedra antiga. O coração dele batia rápido, e a sensação de estar sendo observado o fazia arrepiar.
— Bem-vindo ao Vale dos Reis Eternos… — disse uma voz grave, vinda de lugar nenhum.
Ethan olhou para os lados, assustado. Não havia ninguém. Mas então, o chão tremeu. Um barulho profundo, como um rugido abafado, veio debaixo dele.
— O que é isso? — Ele tentou correr, mas sentiu seus pés afundando, como se o chão estivesse vivo.
Uma sombra apareceu à sua frente. Uma figura alta, envolta em um manto escuro, saiu da névoa. Os olhos dela brilhavam como brasas. Não dava para ver o rosto, mas Ethan sentia o peso daquele olhar.
— Você é só mais um… ou será diferente? — a figura falou, com uma voz fria e poderosa.
O coração de Ethan quase parou. O lugar parecia piorar a cada segundo.
— Seu julgamento começa agora.
De repente, tudo ficou branco. Um vento frio soprou no rosto dele, trazendo lembranças de outra vida.
Bip. Bip. Bip.
O som irritante do despertador fez Ethan abrir os olhos de novo. Ele estava deitado na cama, em seu quarto bagunçado. O sol entrava pelas frestas da cortina, iluminando o chão cheio de roupas espalhadas.
— Que droga… — resmungou ele, dando um tapa no despertador.
Antes que pudesse respirar fundo, a porta do quarto abriu com tudo.
— ETHAN! Você vai perder o ônibus de novo! — gritou Sophia, sua irmã mais nova.
Sophia tinha 14 anos, cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo e olhos verdes brilhantes. Ela parecia sempre cheia de energia, diferente dele, que só queria dormir mais um pouco.
— Bate na porta antes de entrar, pirralha! — reclamou Ethan, cobrindo o rosto com o travesseiro.
— Você não vai perder aula por minha causa! — Sophia bufou, cruzando os braços. — A mamãe vai me matar se eu não te acordar.
Ethan se levantou devagar, coçando a cabeça.
— Relaxa. Eu sou rápido, chego na escola antes de você. — Ele bocejou, caminhando até o espelho e bagunçando ainda mais o cabelo.
— Rápido? — Sophia riu, zombando dele. — Você nem consegue fugir da mamãe quando ela te pega jogando aqueles jogos violentos.
Ethan sorriu de lado.
— Isso é porque você me entrega.
— Claro, eu sou a filha favorita — ela respondeu, jogando um travesseiro nele.
Ethan pegou o travesseiro no ar e fingiu que ia jogar de volta.
— Sai daqui antes que eu jogue de verdade.
Sophia riu e correu para fora do quarto.
— Anda logo, preguiçoso!
Por um momento, Ethan ficou ali parado, olhando para o corredor vazio. O sorriso sumiu do rosto dele. Ele não sabia por quê, mas sentia que aqueles momentos simples não iam durar para sempre.
O som dos passos de Sophia sumiu no corredor, deixando Ethan sozinho mais uma vez. Ele suspirou fundo e arrastou os pés até o banheiro. O espelho mostrava um rosto cansado, como se ele não tivesse dormido nada.
— Que noite… — murmurou, jogando água fria no rosto.
Enquanto se secava, flashes daquela névoa cinza e da figura encapuzada voltaram à sua mente. O Vale dos Reis Eternos… essas palavras ecoavam de um jeito estranho, como se ele já as conhecesse. Ele tentou afastar o pensamento, mas uma sensação incômoda ficou no fundo de sua cabeça.
— Talvez seja só um sonho bizarro — disse a si mesmo, forçando um sorriso.
A voz de Sophia voltou a gritar do andar de baixo:
— MÃÃÃÃE! ELE TÁ ENROLANDO!
Ethan revirou os olhos e desceu as escadas pulando dois degraus de cada vez. A cozinha estava quente e cheirava a café. Sua mãe, vestida com roupas simples de trabalho, estava sentada à mesa com uma xícara na mão.
— Bom dia, dorminhoco — ela disse, sem olhar para ele, folheando o jornal.
— Bom dia — respondeu Ethan, pegando uma fatia de pão e enfiando na boca.
— Você andou jogando até tarde de novo, não foi? — Sua mãe ergueu uma sobrancelha, finalmente olhando para ele.
— Que isso, mãe? Eu sou um exemplo de disciplina — respondeu Ethan, sorrindo de canto, mas evitando encará-la.
Ela riu baixinho.
— Só tenta não dormir na aula de novo. O professor tem ligado aqui direto.
Ethan deu de ombros, pegando a mochila jogada no sofá.
— Relaxa, eu tô bem.
Antes que pudesse sair correndo, sua mãe o chamou:
— Ethan.
Ele parou e olhou para trás. Sua mãe observava ele com um olhar diferente, preocupado.
— Cuidado, tá bom?
— Cuidado? — Ele franziu a testa. — Com o quê?
— Só… cuide de você.
Ethan sorriu, sem entender direito.
— Pode deixar, mãe.
O ônibus escolar estava lotado, como sempre. Crianças mais novas gritavam nas primeiras fileiras, enquanto os adolescentes ocupavam o fundo, com fones de ouvido e risadas abafadas. Ethan encontrou um lugar vazio perto da janela e se jogou no banco.
Ele colocou os fones e deixou a música preencher o vazio. O cenário do lado de fora passava rápido: ruas desgastadas, casas velhas com cercas quebradas e árvores secas de outono. O céu estava mais cinza do que o normal, e a sensação de que algo estava errado voltava a incomodá-lo.
“Seu julgamento começa agora…”
As palavras do sonho vieram à tona, e Ethan sentiu um arrepio. Ele apertou os olhos e encostou a cabeça no vidro frio.
— Aí, Ethan! — Uma voz familiar interrompeu seus pensamentos.
Lucas, seu melhor amigo, jogou a mochila no chão e sentou-se ao lado dele com um sorriso largo, Lucas é um garoto, da mesma idade de Ethan, cabelos longos pretos, pela clara, estatura media e olhos escuros.
— Tá com cara de zumbi, mano.
— Dormi mal — respondeu Ethan, ainda olhando pela janela.
— Sempre tem uma desculpa — Lucas riu, dando um soquinho no braço dele. — Aposto que ficou jogando até tarde.
— Não dessa vez — murmurou Ethan, olhando de relance para o amigo.
Lucas não pareceu convencido, mas deixou pra lá. Ele puxou um salgadinho amassado da mochila e começou a comer ali mesmo, falando com a boca cheia:
— Cara, tem prova de matemática hoje. Se prepara pra levar bomba.
— Valeu pelo incentivo — Ethan resmungou, forçando um sorriso.
Lucas riu alto, ignorando os olhares dos outros alunos. Ethan gostava disso nele: Lucas era o tipo de pessoa que não deixava o mundo derrubá-lo.
Enquanto o ônibus continuava o caminho até a escola, Ethan sentiu o coração pesado. Por que aquele sonho continuava voltando à sua mente? Por que parecia tão real?
O dia de aula começou como qualquer outro. Os corredores estavam cheios de alunos barulhentos, os armários batiam e os professores gritavam ordens para manter a fila em ordem. Ethan tentou se misturar na multidão, mas sentia que algo estava diferente. Era como se estivesse desconectado do mundo ao seu redor.
Na sala de aula, o professor de matemática entregou as provas com uma expressão nada amigável.
— Façam silêncio e respondam tudo. Quem eu pegar colando vai direto pra diretoria.
Ethan pegou a folha e encarou as questões. As letras e números pareciam se embaralhar na sua frente. Ele suspirou, apoiando o rosto na mão.
Foi então que aconteceu.
O silêncio tomou conta da sala, mas não um silêncio comum. Era profundo, sufocante. Ethan olhou ao redor. Todos estavam imóveis, congelados no tempo. As canetas paradas no ar, os olhares vazios.
— Que… que tá acontecendo? — sussurrou ele, a voz trêmula.
Um arrepio subiu por sua espinha. Ele se levantou devagar, as pernas trêmulas. Quando olhou para o quadro, um símbolo estranho começou a se desenhar sozinho. Era uma marca antiga, feita de círculos e linhas entrelaçadas.
“Seu julgamento começa agora…”
A voz ecoou novamente, e Ethan sentiu o chão sumir sob seus pés.
Ethan respirou fundo, o peito subindo e descendo de forma rápida enquanto o suor frio escorria pela sua testa.
— Isso… Isso não é possível — murmurou, olhando ao redor.
Ele caminhou lentamente entre as fileiras de carteiras, os passos ecoando no silêncio anormal da sala. Era como se o tempo tivesse congelado completamente, deixando-o sozinho. Ele olhou para Lucas, que estava sentado ao seu lado minutos antes. O amigo ainda segurava a caneta no ar, os olhos fixos no papel, mas sem vida. Era como uma estátua.
— Lucas… — Ethan sussurrou, balançando a mão na frente do rosto do amigo, mas não houve qualquer reação.
O som de um estalo ecoou pelo ar, nítido e grave. Ethan se virou, buscando a origem do barulho. O quadro negro.
O símbolo que havia começado a se desenhar agora brilhava em um tom dourado, pulsando como se tivesse um coração próprio. Linhas e círculos se moviam lentamente, formando padrões que pareciam infinitos, e o som… o som era como um sussurro vindo de todos os lugares ao mesmo tempo.
“Venha…”
A voz parecia estar dentro de sua mente, abafada, mas inegável. Seu coração batia tão forte que ele achou que fosse explodir.
— Não… Não, isso não pode estar acontecendo…
Ele deu um passo para trás, quase tropeçando em uma mochila jogada no chão. Mas, antes que pudesse processar o que estava acontecendo, uma fissura apareceu no chão, bem no centro da sala. Era como se o piso estivesse se quebrando, rachaduras se espalhando em todas as direções.
E então…
Uma luz azul brilhou intensamente, forçando Ethan a cobrir os olhos com o braço. O vento começou a soprar, forte e violento, levando folhas de caderno e derrubando carteiras.
— PAREM! — ele gritou, mas sua voz foi engolida pelo caos.
De repente, tudo cessou.
Ethan abriu os olhos, ofegante, e viu que estava em um lugar completamente diferente.
Ele estava em pé sobre uma colina coberta por uma grama escura e seca. O céu era de um tom cinza opaco, sem sol ou nuvens, apenas um vazio assustador. À sua frente, estendia-se um vale vasto e sombrio, cercado por montanhas gigantescas que pareciam se perder na névoa.
Ethan piscou várias vezes, tentando entender o que estava acontecendo.
— Onde… onde eu tô?
O vento soprou mais uma vez, gelado e carregado com um cheiro de terra molhada e algo metálico, como ferro. Ao longe, ele podia ver estruturas imensas, feitas de pedra negra, erguidas como ruínas de templos ancestrais. Elas pareciam gritar histórias antigas, segredos perdidos pelo tempo.
“O Vale dos Reis Eternos…”
As palavras surgiram em sua mente novamente, como um sussurro vindo de todos os lados. Ethan virou a cabeça para trás, mas não havia ninguém ali.
Ele deu um passo à frente, sentindo o chão firme sob seus pés. A paisagem parecia viva de uma forma estranha: a grama se movia suavemente, como se estivesse respirando, e a névoa parecia observá-lo, deslizando ao redor de suas pernas.
— Isso é um sonho… Só pode ser um sonho — ele sussurrou para si mesmo, tentando manter a calma.
Mas foi então que ele viu.
Uma figura encapuzada estava parada logo à frente, no pé da colina. O manto negro escondia todo o seu corpo, e o capuz projetava uma sombra profunda onde o rosto deveria estar. Apesar da distância, Ethan sentiu os olhos daquela coisa perfurarem sua alma.
— Quem é você?! — ele gritou, a voz ecoando pelo vale vazio.
A figura não respondeu. Apenas levantou o braço lentamente, apontando para Ethan com uma mão esquelética.
De repente, o chão começou a tremer. O barulho ensurdecedor de algo se movendo sob a terra fez Ethan congelar. Ele olhou ao redor, o coração disparado, enquanto fissuras começavam a se abrir no solo, liberando uma luz dourada e pulsante, igual à do símbolo na sala de aula.
— O que é isso?! — ele gritou, tentando se manter de pé.
A figura encapuzada então falou, sua voz grave e ecoando como um trovão distante:
— Seu julgamento começou.
Antes que pudesse reagir, algo emergiu das fissuras do chão. Uma enorme sombra começou a tomar forma, crescendo mais e mais, até se tornar uma criatura colossal. era um ser feito de puras sombras, parecia que havia sido forjado no próprio fogo do inferno. Seus olhos brilhavam com a mesma luz azul que Ethan viu antes.
— Isso… não… — Ethan tentou correr, mas seu corpo parecia preso no chão.
A criatura ergueu um dos braços gigantescos, e Ethan soube o que aconteceria em seguida.
— NÃO!
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