Capítulo 2 - Lembranças
Ethan acordou com um grito preso na garganta. Ele estava de volta à sala de aula, sentado em sua cadeira. O som das canetas escrevendo e das folhas sendo viradas voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido.
Seu corpo estava encharcado de suor, e as mãos tremiam descontroladamente. Ele olhou ao redor, mas ninguém parecia ter notado nada. Lucas, ao seu lado, continuava escrevendo a prova como se o tempo não tivesse parado.
Ethan passou a mão pelo rosto, tentando se acalmar.
— O que está acontecendo comigo…?
Ele olhou para o quadro negro, mas o símbolo já não estava mais lá.
Ethan tentou controlar sua respiração, mas o coração ainda batia como um tambor acelerado em seu peito. Ele olhou ao redor mais uma vez, buscando qualquer sinal de que algo estava fora do lugar. A sala de aula parecia exatamente como antes: os colegas focados na prova, o professor sentado à mesa, rabiscando em um bloco de notas.
Mas Ethan sabia que não era a mesma coisa.
— Ei, cê tá bem? — Lucas sussurrou, inclinando-se em sua direção. — Parece que viu um fantasma.
Ethan abriu a boca para responder, mas hesitou. Como ele poderia explicar o que aconteceu? Ele mesmo não entendia.
— Eu… tô bem. Só… cansaço — respondeu, sem muita convicção.
Lucas franziu a testa, mas não insistiu.
Ethan tentou se concentrar na prova, mas as palavras no papel pareciam se embaralhar. A imagem do vale, a criatura colossal e a figura encapuzada ainda estavam frescas em sua mente. Ele sentia como se estivesse dividido entre dois mundos, incapaz de escapar de ambos.
Quando o sinal tocou, anunciando o fim da prova, Ethan suspirou aliviado. Os alunos começaram a se levantar, entregando os papéis ao professor e saindo da sala em grupos.
— Vamos? — Lucas perguntou, colocando a mochila no ombro.
— Vai na frente. Preciso de um minuto — Ethan respondeu, pegando suas coisas com mais calma.
Lucas deu de ombros e saiu, deixando-o sozinho.
Ethan olhou para o quadro negro mais uma vez. Não havia nenhum símbolo, nenhuma luz dourada. Tudo parecia normal. Mas algo dentro dele dizia que aquilo não tinha acabado.
Ele passou a mão pelo bolso da calça e sentiu algo estranho.
— O que é isso?
Puxando o objeto, ele encontrou uma pequena pedra azul, brilhante e perfeitamente lisa, do tamanho de um botão. Ela irradiava um leve calor, pulsando como se tivesse vida própria.
— Eu não tinha isso antes…
O toque da pedra provocou uma onda de calor que percorreu seu corpo, fazendo seus músculos tremerem e sua visão ficar turva por um instante. Ele ouviu o mesmo sussurro de antes:
“Vale dos Reis.”
Ethan soltou a pedra imediatamente, deixando-a cair no chão. O som do impacto foi abafado, como se o tempo tivesse desacelerado por um segundo.
— Isso não é real… — ele sussurrou para si mesmo, abaixando-se para pegar a pedra novamente.
Dessa vez, nada aconteceu. Ela parecia apenas uma pedra comum
Ele guardou a pedra de volta no bolso, o coração ainda batendo acelerado.
Do lado de fora da escola, o sol brilhava forte no céu, mas para Ethan o mundo parecia diferente. Era como se algo tivesse mudado. Ele sentia que tudo ao seu redor estava mais… intenso.
Lucas estava encostado no portão da escola, comendo um pacote de salgadinhos e esperando por ele.
— Cara, você tá estranho hoje. Tem certeza que tá tudo bem? — perguntou, franzindo a testa.
Ethan tentou sorrir, mas foi forçado.
— Só tive um dia difícil. Não dormi bem.
— Tá parecendo que viu um fantasma, mas beleza. Vamos pra casa?
Eles começaram a caminhar juntos pelas ruas movimentadas. As pessoas ao redor riam, conversavam, mas Ethan mal conseguia se concentrar nos sons. Tudo parecia abafado, como se ele estivesse vendo o mundo de dentro de um aquário.
A pedra no bolso parecia pesar mais a cada passo. Ethan tocou nela novamente, sentindo o calor suave que irradiava.
Outra dimensão…,
em um lugar onde o tempo parecia não existir, o Vale dos Reis Eternos permanecia em silêncio. As montanhas negras cercavam o vale como sentinelas, e um céu vermelho se estendia acima, sem sol ou estrelas.
No centro, uma criatura colossal, com olhos dourados como fogo, permanecia imóvel diante de um trono de pedra. Sobre o trono, uma figura encapuzada observava um espelho feito de água cristalina, onde a imagem de Ethan aparecia, caminhando pelas ruas da cidade.
— Ele começou a sentir… — a figura encapuzada murmurou, sua voz ecoando como um trovão abafado.
Uma segunda figura, menor, surgiu das sombras.
— Será que ele está pronto?
O ser no trono não respondeu imediatamente. Seus olhos dourados brilharam intensamente antes de responder.
— Ainda não. Mas ele estará.
O silêncio voltou ao vale, mas o ar parecia vibrar com uma energia invisível, como se algo grande estivesse prestes a acontecer.
No dia seguinte, dia 18/12 as 7:35…
Ethan saiu de casa apressado, mas o rosto de Lucas já estava lá, esperando no ponto de ônibus como sempre. Lucas era seu amigo desde os tempos de jardim de infância. Eles compartilhavam um vínculo que poucas pessoas conseguiam entender, baseado em anos de travessuras, confidências e apoio mútuo. Lucas era o tipo de pessoa que sabia fazer piada até nos piores momentos, mas também estava lá quando as coisas ficavam difíceis.
— Eai, cara, mais um dia de “ninja preguiçoso”? — brincou Lucas, sorrindo de canto enquanto ajeitava a mochila nos ombros.
Ethan revirou os olhos, mas não pôde evitar um pequeno sorriso. Lucas tinha aquele jeito irritantemente otimista que conseguia aliviar qualquer tensão.
— Você tem que parar com isso, Lucas. Não sou um ninja, só estou atrasado, como sempre.
Lucas deu de ombros, fingindo desdém.
— E eu sou um samurai, Lucas faz um keirei e puxa uma espada invisível. Somos uma ótima dupla –
Os dois riram, e Ethan sentiu a tensão dos últimos dias diminuir um pouco. Lucas era bom nisso — em fazer o mundo parecer menos pesado.
O ônibus chegou com um chiado alto, e os dois subiram, sentando-se nos assentos de sempre, no fundo. O trajeto até a escola era curto, mas dava tempo para eles conversarem sobre tudo e nada ao mesmo tempo.
— Minha mãe fez panquecas hoje de manhã — começou Lucas, pegando um pedaço de papel do bolso e mostrando algo rabiscado nele. — Eu anotei a receita. Talvez você devesse tentar com a sua família um dia.
Ethan olhou para o papel com curiosidade, mas depois desviou o olhar.
— Não sei se isso funcionaria lá em casa. As manhãs são sempre… caóticas.
Lucas percebeu a hesitação na voz de Ethan e decidiu não insistir. Sabia que a relação dele com a mãe e a irmã era complicada, mesmo que Ethan nunca dissesse isso diretamente.
— Tudo bem. Mas fica o convite. Se quiser, minha mãe faz um monte delas.
Ethan apenas assentiu, olhando pela janela enquanto o ônibus passava pelas ruas tranquilas do bairro. As casas com cercas brancas e jardins bem cuidados pareciam tão distantes da realidade que ele sentia em casa.
Chegando à escola, Lucas foi rápido em puxar Ethan para o centro das conversas no corredor. Ele era o tipo de pessoa que conhecia todo mundo, mas fazia questão de ficar ao lado do amigo.
— Ei, Ethan, você precisa sair mais. O mundo não vai esperar você resolver tudo sozinho.
Ethan deu de ombros, enquanto os dois caminhavam até os armários.
— Nem tudo é tão simples quanto parece para você, Mano.
— Não estou dizendo que é simples. Estou dizendo que você não precisa carregar tudo nas costas. Tem gente que se importa com você.
Ethan ficou em silêncio por um momento, pegando os livros no armário e fechando a porta com força.
— Eu sei.
Lucas deu um tapinha amigável no ombro dele, tentando aliviar o peso da conversa.
— Vai dar tudo certo, parceiro. Agora, vamos à aula de história antes que o professor resolva nos transformar em múmias.
Ethan riu, mesmo que só um pouco.
Na sala de aula, enquanto o professor falava sobre batalhas antigas, Ethan desviava o olhar para a janela. O vento balançava as folhas das árvores no pátio, e ele sentiu um vazio estranho no peito. Não era tristeza, mas uma inquietação que não conseguia explicar. Lucas, ao seu lado, rabiscava desenhos no caderno e, de vez em quando, cutucava Ethan para mostrar alguma piada boba que havia inventado.
— Olha isso, Ethan. Você acha que o professor ta mais para Alexandre Frota ou um Fred Mercury sem bigode? — sussurrou Lucas, apontando discretamente para o professor.
Ethan sorriu, mas seu coração ainda estava longe dali, preso em pensamentos que não sabia como organizar.
O som do sinal ecoou pelos corredores, anunciando o início do intervalo. Ethan e Lucas caminhavam lado a lado, discutindo sobre a última aula, quando perceberam um burburinho incomum entre os alunos.
— O que tá rolando? — perguntou Ethan, franzindo a testa ao ver pequenos grupos cochichando e apontando discretamente para a entrada do prédio principal.
Lucas, sempre curioso, parou para escutar uma conversa próxima.
— Parece que tem uma aluna nova — disse uma garota loira para a amiga. — Dizem que ela parece um anjo.
— Anjo? — repetiu Lucas em voz baixa, olhando para Ethan com um sorriso curioso. — Isso não se ouve todo dia.
Ethan apenas balançou a cabeça, achando graça do entusiasmo de Lucas.
— Deve ser só exagero. Você sabe como as pessoas adoram criar um alvoroço por nada.
Lucas deu de ombros, mas sua expressão deixava claro que estava intrigado.
— Bem, se for verdade, acho que a gente vai descobrir logo.
Os dois continuaram andando até a cantina, onde a conversa sobre a misteriosa aluna nova parecia estar em todo lugar. Ethan tentou ignorar, focando no que iria comer, mas não pôde evitar de sentir certa curiosidade. Afinal, não era todo dia que algum novato causava tanto burburinho, e despertava tanto interesse assim.
Enquanto se sentavam à mesa habitual, Lucas ainda estava vidrado no assunto.
— Você acha que é alguém famoso? Tipo uma atriz ou algo assim?
Ethan revirou os olhos, pegando o sanduíche na bandeja.
— Cara, talvez seja só uma garota comum. Não precisa fazer disso um mistério.
— Talvez. Mas, se ela for tudo isso que estão dizendo, acho que seria interessante, não acha?
Antes que Ethan pudesse responder, a porta da cantina se abriu. Um silêncio momentâneo tomou conta do lugar, seguido por cochichos mais altos. Ethan olhou para o lado e viu a aluna nova entrar.
Ela tinha uma presença que parecia iluminar o ambiente. De estatura média, pele clara e olhos escuros que pareciam observar tudo com uma calma encantadora, ela carregava consigo um sorriso que fazia o espaço parecer menor. Seu rosto angelical era emoldurado por cabelos castanhos levemente ondulados, e sua risada escapou ao ouvir algo que alguém disse perto dela — uma risada única, quase caricata, que fazia as pessoas ao redor sorrirem.
Lucas cutucou Ethan com o cotovelo.
— É isso. Anjo confirmado.
Ethan ficou sem palavras por um momento, reconhecendo algo familiar nela, mas sem conseguir entender o porque.
— Mano… espera. Eu acho que conheço ela.
Lucas virou-se para ele, surpreso.
— Sério? De onde?
Antes que Ethan pudesse responder, a garota olhou em direção à mesa deles, como se tivesse ouvido algo. Seus olhos encontraram os de Ethan por um breve instante, e ela sorriu.
Aquele sorriso trouxe de volta uma enxurrada de lembranças. Eles brincando no parquinho do jardim de infância, correndo pelas ruas de Arantha, rindo de alguma piada boba que Lucas tinha contado. Ele finalmente se lembrou.
— Bia? — murmurou Ethan, quase sem acreditar.
Lucas arregalou os olhos.
— Você tá me dizendo que a garota nova, a “anjo”, é a Bia Parker?
Ethan apenas assentiu, ainda processando o momento.
Bia começou a caminhar na direção deles, e o coração de Ethan disparou, como se estivesse voltando no tempo. Quando ela parou perto da mesa, seu sorriso se alargou ainda mais.
— Ethan? Lucas? Quanto tempo!
Lucas abriu um grande sorriso, claramente animado.
— Bia Parker! Como assim você está aqui? Achei que tinha se mudado pra sempre.
Ela deu uma risada leve, aquela risada única que Ethan sempre se lembrava.
— Meus pais decidiram voltar pra cá. E, bom, aqui estou eu.
Ethan finalmente encontrou sua voz, mesmo que estivesse um pouco mais baixa do que o normal.
— É bom te ver de novo, Bia.
O sorriso dela parecia ainda mais brilhante ao ouvir isso.
— É bom ver vocês também. Espero que a gente possa colocar o papo em dia.
Lucas foi o primeiro a responder, já gesticulando animado.
— Claro que vamos! Não tem como escapar agora.
Bia deu outra risada, antes de olhar para o relógio.
— Tenho que ir, mas a gente se vê por aí.
Quando ela se afastou, Lucas virou-se para Ethan, com um sorriso malicioso no rosto.
— Certo, parceiro, tenho uma pergunta: você tá nervoso ou é só minha imaginação?
Ethan balançou a cabeça, tentando disfarçar.
— Para com isso, Lucas.
Mas ele sabia que era inútil. Lucas o conhecia bem demais para acreditar nisso.
Após a saída de Bia, o intervalo parecia mais curto para Ethan. Ele mal tocou no lanche, perdido em pensamentos. A volta dela trazia uma mistura de emoções que ele ainda não tinha conseguido identificar. Nostalgia, surpresa, e algo mais, algo que ele preferiu não nomear.
— Terra para Ethan! — Lucas estalou os dedos na frente dele, rindo. — Tá pensando no que, hein?
Ethan revirou os olhos, empurrando a bandeja para o lado.
— Só tô surpreso. Faz tanto tempo que a gente não vê a Bia, e agora, do nada, ela tá aqui.
Lucas deu de ombros, com aquele sorriso de quem já estava planejando algo.
— Se ela tá aqui, é o destino, meu amigo. Talvez seja a chance de vocês retomarem aquela amizade de infância, ou, quem sabe, algo mais…
— Para, cara. — Ethan cruzou os braços, tentando parecer firme, mas o leve rubor em seu rosto entregava o quanto estava desconfortável com o rumo da conversa.
— Só tô dizendo — respondeu Lucas, erguendo as mãos em rendição. — Mas falando sério, vai ser legal ter ela por perto de novo.
O sinal tocou, interrompendo qualquer resposta que Ethan pudesse dar. Eles recolheram suas bandejas e seguiram para a próxima aula, mas o assunto parecia estar longe de terminar.
Na sala de aula, Ethan mal prestou atenção nas explicações do professor. Sua mente vagava, lembrando de quando eram crianças. Ele, Lucas e Bia formavam um trio inseparável. Brincavam no parquinho, inventavam histórias e até tinham um esconderijo secreto no quintal da casa de Lucas. Quando ela se mudou, foi como se uma parte daquela infância tivesse sido arrancada.
Agora, vê-la de novo, mais madura, mas ainda com aquele mesmo sorriso contagiante, fazia Ethan se perguntar o quanto ela havia mudado de verdade.
No fim da aula, Lucas foi o primeiro a comentar.
— Ei, que tal a gente convidar a Bia pra sair depois da escola? Tipo, só pra botar o papo em dia.
Ethan hesitou, mas sabia que Lucas não aceitaria um não como resposta.
— Tá, mas nada de ideias malucas, ok?
Lucas fingiu indignação.
— Eu? Ideias malucas? Nunca!
Ao sair da sala, o corredor estava movimentado como de costume. Alunos se apressavam para guardar os materiais ou conversar em pequenos grupos antes de irem para casa. Foi então que Ethan a viu novamente. Bia estava perto dos armários, rindo com uma garota que parecia ser sua nova colega de classe.
Lucas foi na frente, chamando atenção como sempre.
— Bia! Ei, a gente tava pensando em algo…
Ela se virou, ainda sorrindo, e olhou para os dois.
— Oi, gente! O que foi?
Lucas inclinou a cabeça, com um ar casual demais para ser sincero.
— Que tal sair com a gente depois da escola? Só pra conversar e lembrar dos velhos tempos.
Bia parecia surpresa, mas o sorriso dela não desapareceu.
— Hm… parece uma boa ideia. Onde vocês querem ir?
Lucas olhou para Ethan, claramente esperando que ele sugerisse algo.
— Ah… que tal no café perto da praça? — sugeriu Ethan, tentando não parecer nervoso.
— Perfeito! — disse Bia, ajustando a alça da mochila no ombro. — Vejo vocês lá depois da aula.
Quando ela se afastou, Lucas deu um tapinha no ombro de Ethan, rindo.
— Tá vendo? Tudo certo. Agora é só não estragar tudo.
— Lucas… você fala como se fosse um encontro. Não é.
— Claro que não. É só… um começo.
Ethan suspirou, mas não conseguiu evitar um pequeno sorriso.
Após a última aula, Ethan e Lucas seguiram direto para o café. Era um lugar pequeno e aconchegante, com mesas de madeira e uma decoração simples, mas charmosa. O cheiro de café fresco preenchia o ar, misturado ao som suave de música instrumental que tocava no fundo.
Eles escolheram uma mesa próxima à janela, de onde podiam ver a movimentação da praça. Ethan olhou para o relógio, tentando disfarçar a ansiedade.
— Relaxa, cara. Ela já disse que vem — comentou Lucas, tomando um gole de suco que havia pedido.
Antes que Ethan pudesse responder, a porta do café se abriu, e Bia entrou. Ela usava um vestido simples, mas que realçava sua elegância natural. Ao vê-los, acenou e caminhou até a mesa, carregando aquele mesmo sorriso que parecia iluminar qualquer ambiente.
— Espero não ter demorado — disse, colocando a bolsa em uma cadeira e se sentando.
— Claro que não — respondeu Lucas, rápido demais. — Você chegou na hora certa.
O tempo parecia passar rápido enquanto conversavam. Eles relembraram histórias do passado, riram de momentos embaraçosos e até descobriram coisas novas sobre Bia, como o fato de ela ter começado a desenhar durante o tempo em que esteve fora.
Ethan observava tudo, tentando absorver cada detalhe. A risada dela, os gestos, até a forma como seus olhos brilhavam quando falava de algo que gostava.
A conversa fluía tão naturalmente no café que Ethan perdeu a noção do tempo. Bia contava uma história engraçada sobre o dia em que tentou cozinhar para a família e acabou quase incendiando a cozinha. Lucas, como sempre, exagerava nos gestos enquanto ria, e Ethan não conseguia evitar o sorriso.
— Não acredito que você conseguiu apagar o fogo com farinha — disse Lucas, ainda rindo.
— Foi um desastre total — respondeu Bia, balançando a cabeça, mas claramente divertida. — Minha mãe ficou furiosa, mas meu pai não parava de rir. Acho que ele só ficou feliz de não precisar comer o que eu tinha feito.
Ethan riu junto, mas sua mente estava ocupada em outro lugar. Ele se perguntou como seria a vida de Bia agora que ela estava de volta. Será que ela sentia falta do tempo que passaram juntos? Ou será que tudo isso era apenas nostalgia da parte dele?
— Ethan? — A voz dela o tirou de seus pensamentos.
— Ah, desculpa. O que foi?
Ela sorriu, inclinando a cabeça de um jeito quase curioso.
— Só perguntei como você tá. Faz tanto tempo que a gente não conversa de verdade.
Ethan hesitou, mas antes que pudesse responder, Lucas interveio.
— Ele tá ótimo. Só anda meio distraído ultimamente, mas nada que uma boa companhia não resolva, né, Ethan?
Ethan lançou um olhar irritado para Lucas, mas Bia apenas riu, suavizando o momento.
— Bom, eu espero que possamos passar mais tempo juntos. Senti falta de vocês dois.
Lucas sorriu largamente.
— Acredite, a gente também sentiu sua falta. Agora que você tá de volta, ninguém vai deixar você escapar de novo.
Bia olhou para Ethan, como se esperasse que ele dissesse algo. Ele finalmente encontrou coragem para falar.
— Também senti sua falta, Bia. É bom ter você de volta.
Ela sorriu, e por um momento, tudo ao redor pareceu desaparecer. O barulho das conversas no café, o som das xícaras tilintando, tudo ficou em segundo plano.
Depois de mais alguns minutos de conversa, Bia se despediu, dizendo que precisava ir para casa. Lucas observou enquanto ela saía, e então se virou para Ethan com um sorriso malicioso.
— Você tá perdido, meu amigo.
Ethan bufou, mas não respondeu. Talvez Lucas estivesse certo.
Após se despedir de Lucas e Bia no café, Ethan retornou para casa. Arantha já começava a se tingir com os tons dourados do entardecer. O vento fresco que soprava pelas ruas parecia trazer uma calma momentânea, mas os pensamentos de Ethan estavam longe de tranquilos. Ele sabia que ao abrir a porta de casa, seria recebido por sua irmã mais nova, Sophia, e por sua mãe, Clara.
Sophia, com seus 14 anos, era um furacão de energia e curiosidade. Seu cabelo castanho-claro estava sempre preso em um coque torto, e seus olhos brilhavam com a intensidade de quem queria descobrir o mundo. Já Clara, a mãe dos dois, era uma mulher de semblante sereno e expressão gentil. Apesar da vida simples que levavam, Clara sempre fazia questão de manter um ar de esperança dentro de casa.
Ethan atravessou o pequeno jardim da entrada, onde as flores que Sophia insistia em plantar desabrochavam timidamente. Ele abriu a porta e foi recebido pelo som característico da voz de sua irmã.
– Ethan! Você não vai acreditar no que aconteceu hoje na escola! – Sophia correu até ele, segurando um caderno rabiscado. – Minha professora disse que minha redação foi a melhor da turma!
Ele sorriu, bagunçando o coque dela.
– Isso é incrível, Soph! Deixa eu ver.
Ela entregou o caderno com orgulho, e ele leu as primeiras linhas da redação. A história era sobre um reino encantado que enfrentava uma ameaça misteriosa. Era simples, mas tinha uma imaginação vívida que fazia Ethan se lembrar de como ele próprio costumava sonhar grande quando tinha a idade dela.
– Você tem talento, sabia? – elogiou Ethan, devolvendo o caderno.
Sophia deu um sorriso largo e correu para a cozinha, onde Clara estava colocando a mesa para o jantar. O cheiro de comida caseira enchia o ar, trazendo uma sensação de conforto que Ethan sempre associava ao lar.
Clara olhou para ele com um sorriso caloroso.
– Como foi o dia, querido?
– Longo – respondeu ele, puxando uma cadeira para se sentar. – E você? Como foi o trabalho?
Clara deu de ombros enquanto colocava um prato sobre a mesa.
– Nada de novo. Semana que vem eu irei dobrar minha carga horaria no trabalho, as coisas no mercado estão muito caras
Ethan engoliu a seco o comentario, olhando de baixo para cima em sua mãe e percebendo seu olhar de cansaço.
Durante o jantar, a conversa fluía com naturalidade. Sophia tagarelava sobre seus planos para o fim de semana, e Clara ouvia pacientemente, com um olhar que misturava cansaço e amor. Ethan, no entanto, sentia-se estranho. Por não entender o que estava acontecendo nos últimos dias.
Depois do jantar, ele foi para o quarto, onde os livros e cadernos estavam espalhados pela escrivaninha. O silêncio da noite envolvia tudo, mas seus pensamentos estavam longe de qualquer matéria. A imagem de Bia, rindo no café, e os pensamentos sobre tudo que estava ocorrendo nos últimos dias
Ele abriu a janela, deixando o ar fresco entrar. As luzes da cidade piscavam ao longe, mas o que chamou sua atenção foi uma sombra que passou rapidamente pela rua abaixo. Ethan franziu a testa, mas quando olhou de novo, não havia nada. Talvez fosse só sua imaginação.
Ainda assim, ele não conseguia se livrar da sensação de que algo estava mudando, mesmo que não soubesse exatamente o que.
Ethan tentou afastar a estranheza que o acompanhava desde o café e decidiu se deitar. Já era tarde, e a casa estava silenciosa, exceto pelo som distante de Sophia rindo baixinho enquanto provavelmente assistia algo no celular.
Ele apagou as luzes e tentou encontrar paz no escuro do quarto. Mas, no instante em que fechou os olhos, um som fraco, como um sussurro vindo de muito longe, cortou o silêncio.
“Ethan…”
Ele abriu os olhos imediatamente, o coração disparado. Era como se o som tivesse vindo de dentro de sua mente, mas ao mesmo tempo tão real quanto o vento que entrava pela janela. Ele olhou em volta. Nada.
Mas aquele sussurro… aquela voz… parecia familiar.
Sem pensar duas vezes, ele se levantou e foi até a janela. A rua lá fora estava vazia, iluminada apenas pela fraca luz de um poste. Ainda assim, algo o atraía para o desconhecido, como se uma força invisível o chamasse para além do que ele podia entender.
A primeira luz da manhã de quinta-feira entrou pela janela do quarto de Ethan, mas ele já estava acordado. A estranheza da noite anterior ainda o acompanhava, e o cansaço pesava em seus ombros. Ele se vestiu rapidamente, tentando afastar aquela sensação enquanto descia para tomar café.
Na mesa, Clara estava servindo chá, e Sophia, animada como sempre, preparava torradas. O contraste entre o calor da cena familiar e o frio que Ethan sentia por dentro era quase perturbador.
– Dormiu bem, filho? – perguntou Clara, com seu tom sempre gentil.
– Mais ou menos – ele respondeu, pegando uma torrada e mordendo sem vontade.
Sophia o olhou curiosa.
– Você tá estranho hoje. Que foi?
– Nada, só cansaço.
Mas antes que Sophia pudesse insistir, o som da campainha ecoou pela casa, interrompendo a conversa. Clara limpou as mãos no avental e foi atender.
Quando a porta se abriu, uma voz doce e ligeiramente familiar preencheu o ar.
– Bom dia! Espero não estar atrapalhando.
Ethan congelou ao ouvir aquela voz. Ele se levantou automaticamente da mesa e foi até a porta…
– Bia? – ele perguntou, surpreso.
– Eu sei, eu sei, surpresa de novo – ela brincou, rindo. – Mas achei que seria bom passar por aqui antes da escola. Além disso, achei esse caderno na cafeteria ontem. Acho que é seu.
Ethan olhou para o caderno que ela segurava, reconhecendo as anotações rabiscadas na capa. Ele nem tinha percebido que havia esquecido.
– Valeu, eu… Não tinha nem percebido que perdi isso – ele respondeu, sem jeito.
– É pra isso que servem os amigos, né? – disse Bia, piscando para ele.
Sophia apareceu ao lado dele, com os olhos arregalados.
– Quem é você?
Bia sorriu para a pequena.
– Sou uma amiga do Ethan. E você deve ser a irmãzinha dele, né?
Sophia cruzou os braços, desconfiada.
– Sou sim. E você é a “amiga” ou a “amiga especial”?
Ethan ficou vermelho.
– Sophia!
Bia apenas riu, levando na brincadeira.
– Quem sabe um dia, né?
Depois de uma rápida conversa, Bia se despediu, prometendo encontrá-los na escola. Mas algo no olhar dela enquanto dava tchau a Ethan parecia esconder mais do que ela dizia.
Enquanto Ethan fechava a porta, Sophia o encarava com um sorriso travesso.
– Ela é bonita. Acho que você deveria tentar.
Ethan suspirou, mas antes que pudesse responder, o telefone da casa tocou. Clara atendeu e, em poucos segundos, seu semblante mudou. Ela ficou séria, quase pálida.
– Ethan, é pra você – disse ela, com a voz quase trêmula, enquanto segurava o telefone para ele.
Ethan franziu a testa, pegando o telefone.
– Alô?
Uma voz grave e desconhecida ecoou do outro lado da linha.
– Ethan, você precisa vir ao Vale. Agora.
Notas do autor: Keirei é uma saudação tradicional
japonesa que mostra respeito.
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