Capítulo 4 - O Vale dos Reis Eternos
Ethan deu um passo hesitante para dentro do quarto, os olhos fixos na pedra azul que brilhava intensamente sobre a mesa. A luz pulsava de forma rítmica, como o batimento de um coração, preenchendo o ambiente com uma aura quase sufocante. Ele engoliu em seco, sentindo uma mistura de curiosidade e medo.
— O que está acontecendo…? — murmurou para si mesmo.
Ao se aproximar, algo estranho começou a acontecer. O som ao seu redor ficou abafado, como se estivesse submerso. O ar parecia mais denso, e uma sensação de vertigem tomou conta dele. Quando estendeu a mão para tocar a pedra, um frio cortante percorreu seu braço inteiro.
De repente, o chão desapareceu sob seus pés. Ethan tentou gritar, mas nenhum som saiu. Ele sentiu como se estivesse sendo puxado por uma força invisível, caindo em um vazio infinito. A luz azul da pedra era a única coisa que ele conseguia enxergar, guiando-o como uma estrela distante.
O Vale dos Reis Eternos
Ethan abriu os olhos e, por um momento, não soube onde estava. Ele estava deitado em uma superfície fria e áspera, cercado por um nevoeiro denso que tornava impossível enxergar além de poucos metros. O ar era pesado, impregnado por um cheiro metálico e pelo eco de sussurros distantes.
Levantando-se devagar, ele percebeu que o chão era feito de pedras antigas, rachadas e cobertas de musgo escuro. Ao longe, ele podia ver imponentes colunas de pedra, inclinadas como se estivessem prestes a desmoronar. O lugar parecia abandonado há séculos, mas havia algo de inquietantemente vivo na atmosfera.
Ethan deu alguns passos, sentindo o frio penetrar sua pele, apesar de estar usando uma jaqueta. Cada passo parecia ecoar, como se o espaço ao redor fosse maior do que ele podia perceber.
— Onde… eu estou? — perguntou em voz alta, sua voz soando estranhamente abafada.
— Bem-vindo ao Vale dos Reis Eternos.
A voz masculina, grave e poderosa, veio de trás dele. Ethan se virou rapidamente e viu uma figura encapuzada, envolta em sombras. Os olhos do estranho brilhavam como brasas, e havia uma presença quase sufocante ao redor dele.
— Quem é você? E o que é este lugar? — perguntou Ethan, tentando controlar o pânico.
— Eu sou apenas um guardião, um eco do que uma vez foi. Este é o Vale dos Reis Eternos — um lugar entre a vida e a morte, entre o mortal e o imortal. Aqui, as almas que transcenderam sua existência aguardam por algo maior… ou por sua ruína.
Ethan sentiu um arrepio percorrer sua espinha. As palavras do homem eram ao mesmo tempo fascinantes e aterrorizantes.
— Por que eu estou aqui? Eu não… não deveria estar aqui!
O guardião inclinou a cabeça ligeiramente, como se analisasse Ethan.
— Você foi chamado, garoto. Apenas aqueles tocados pelo destino encontram o caminho até este vale. E a sua chegada… não foi um acidente.
Ethan deu um passo para trás, o coração acelerado.
— Isso tem a ver com a pedra, não tem? Aquela pedra azul…
O guardião assentiu lentamente.
— A pedra é uma chave, um fragmento de algo muito maior. Ela pertence a este lugar, mas foi levada há muito tempo. Sua conexão com ela trouxe você de volta ao Vale, mesmo que ainda não esteja pronto para compreender o que isso significa.
Ethan tentou processar tudo o que estava ouvindo, mas parecia impossível. Ele olhou ao redor, tentando encontrar uma saída, mas o nevoeiro parecia fechar-se ao seu redor.
— Como eu saio daqui? — perguntou, a voz quase implorando.
O guardião deu um passo à frente, e Ethan sentiu o chão vibrar levemente.
— A pergunta certa não é como sair, mas o que você está disposto a enfrentar para encontrar seu verdadeiro propósito.
Antes que Ethan pudesse responder, o chão abaixo dele começou a tremer violentamente. O nevoeiro se dissipou parcialmente, revelando um vasto abismo à sua frente. Do outro lado, uma gigantesca porta de pedra, adornada com runas brilhantes, surgiu lentamente.
— Aquela porta… — começou Ethan, mas foi interrompido pelo guardião.
— A porta leva à verdade, mas também ao seu maior desafio. Apenas aqueles com coragem suficiente para enfrentar sua própria essência podem atravessar.
Ethan olhou para a porta, sentindo o peso das palavras do guardião. Ele não sabia o que estava além dela, mas algo dentro dele dizia que aquele era o próximo passo, mesmo que ele não estivesse preparado para isso.
A pedra azul em seu bolso começou a pulsar novamente, como se respondesse à presença da porta. Ethan respirou fundo, tentando reunir coragem.
— Eu não sei o que está acontecendo… mas eu vou descobrir.
O guardião deu um leve sorriso, quase imperceptível.
— Então prove que é digno, garoto.
Ethan deu o primeiro passo em direção à porta, sentindo o chão estremecer sob seus pés. O Vale dos Reis Eternos parecia esperar por ele, como se soubesse que sua chegada era apenas o começo.
Ethan avançou lentamente pelo caminho de pedras que levava à imensa porta adornada com runas. Cada passo parecia arrancar algo de dentro dele, como se o próprio Vale estivesse sugando fragmentos de sua essência. A pedra azul em seu bolso pulsava com mais intensidade, quase como um alerta, mas ele não tinha escolha senão continuar.
O guardião o observava em silêncio, como se soubesse algo que Ethan não poderia compreender.
— Antes de atravessar a porta, um aviso, garoto. — A voz do guardião cortou o ar como uma lâmina. — O que está além dela não é para os fracos de espírito. Este lugar não é apenas um teste… é um destino.
Ethan parou por um momento, as palavras ecoando em sua mente. Ele pensou em sua mãe, em Bia, na vida que havia deixado para trás. Mas algo dentro dele o impulsionava a seguir em frente, uma força que ele não conseguia explicar.
— Eu não tenho outra escolha, não é? — perguntou, sem olhar para o guardião.
— Não. — A resposta foi seca, definitiva.
Quando Ethan tocou a porta, ela se abriu com um rangido profundo, revelando um salão vasto e sombrio. No centro, havia um trono gigantesco, esculpido em ossos e envolto em sombras pulsantes. Sentado nele, uma figura imponente o observava.
— Então, finalmente chegou. — A voz era fria, ressoando como trovões.
Ethan sentiu seus joelhos fraquejarem. A figura era alta, com olhos vermelhos que brilhavam como chamas e chifres que se erguiam de sua cabeça. Ele sabia instintivamente quem era.
— Lúcifer… — sussurrou, o nome escapando de seus lábios antes que pudesse processar.
O demônio sorriu, um sorriso que era ao mesmo tempo fascinante e aterrorizante.
— Meu filho, demorou, mas o destino sempre encontra seu caminho.
As palavras atingiram Ethan como um soco.
— Filho…? Não… isso não é possível! Meu pai era um policial… Ele morreu em serviço!
Lúcifer se levantou, e sua presença encheu o salão, tornando o ar quase impossível de respirar.
— Uma mentira conveniente para proteger você da verdade. Mas agora que está aqui, não há mais necessidade de ilusões.
Ethan sentiu seu coração acelerar, a mente tentando desesperadamente encontrar uma saída. Mas ele sabia que o Vale não o deixaria partir.
— O que você quer de mim? — perguntou, tentando manter a voz firme.
— Quero que você reclame o que é seu por direito. — Lúcifer gesticulou para o salão. — Este lugar é o verdadeiro purgatório. Aqui, almas são moldadas, destruídas ou renascidas. E você, meu filho, foi trazido para liderar este reino.
Ethan balançou a cabeça, recuando.
— Não! Eu não sou como você! Eu não pertenço a este lugar!
Lúcifer riu, um som que reverberou pelas paredes do salão.
— É o que todos dizem no começo. Mas este lugar tem suas formas de convencer até mesmo os mais relutantes.
De repente, o chão sob Ethan começou a brilhar, revelando uma série de símbolos e runas que pareciam envolver seus pés. Ele tentou se mover, mas estava preso.
— O que está acontecendo?! — gritou, o desespero crescendo.
— O Vale está começando a trabalhar em você, garoto. Aqui, você não apenas enfrenta seus demônios… você se torna um.
As palavras ressoaram em sua mente enquanto uma dor excruciante atravessava seu corpo. Ele sentiu memórias começarem a desaparecer, rostos familiares se tornando borrões. Sua mãe, Bia… tudo começava a se desvanecer como um sonho distante.
Ethan tentou lutar contra isso, mas era inútil. O Vale parecia estar arrancando cada pedaço de quem ele era, substituindo por algo mais sombrio, mais frio.
Lúcifer observava com um sorriso satisfeito.
— Veja, este é o seu destino. Quanto mais você lutar, mais rápido perderá tudo.
Ethan gritou, mas não havia ninguém para ouvi-lo. A pedra azul em seu bolso brilhou uma última vez antes de se desfazer em pó, marcando o ponto final de sua conexão com o mundo exterior.
O Vale dos Reis Eternos o havia reclamado, e Ethan começou a perceber que talvez nunca tivesse tido escolha.
O chão frio e áspero era o mesmo, mas ele sentia seu corpo pesado, estranho. Sua pele parecia queimar, mas não de dor, e sim de transformação. Ele tentou lembrar… sua mãe, Bia, o mundo lá fora. Mas as memórias estavam borradas, como se pertencessem a outra pessoa.
A única coisa que restava era uma raiva profunda, pulsando dentro dele, uma emoção crua e inexplicável.
Ele se levantou com dificuldade, notando sua nova forma refletida em uma poça negra no chão. A imagem que encarou não era a de um humano. Ele era alto, quase dois metros, sua pele marcada por linhas escuras que pulsavam com uma energia negra. Grandes chifres curvavam-se para trás de sua cabeça, e seus olhos, antes cheios de vida, eram agora orbes brancos sem pupilas.
Uma aura escura o rodeava, densa e sufocante, como se ele fosse o centro de algo muito maior do que poderia compreender.
Lúcifer apareceu à distância, observando-o com um sorriso satisfeito.
— Olhe para você. Finalmente aceitando o que estava destinado a ser.
Ethan não respondeu imediatamente. Ele tentou lembrar por que aquela figura o enojava tanto, por que seu coração queimava de ódio ao vê-lo. Mas sua mente estava em pedaços. Ainda assim, algo dentro dele sabia: Lúcifer era a fonte de sua dor
— O que você fez comigo? — Ethan perguntou, sua voz agora rouca e grave, reverberando no salão vazio.
Lúcifer deu de ombros, com falsa inocência.
— Eu? Não fiz nada além de mostrar a verdade. Foi o Vale que moldou você, que arrancou suas fraquezas e o transformou naquilo que deveria ser.
Ethan deu um passo à frente, seus pés pesados ecoando pelo chão.
— Eu não me lembro de nada… mas sei que te odeio.
Lúcifer riu, mas dessa vez havia algo mais em sua expressão: satisfação.
— Ódio é um começo. Ele irá guiá-lo aqui, no Vale dos Reis Eternos. Você pode não se lembrar do mundo lá fora, mas ele não importa mais. Este é o seu lar agora.
Ethan tentou resistir, mas a verdade era que ele não conseguia mais se conectar ao que havia sido antes. Flashbacks vinham e iam como relâmpagos em sua mente: um sorriso gentil, risadas abafadas em um corredor, uma mulher com olhos esperançosos. Ele não sabia quem eram, mas sentia que devia protegê-los.
— Eu não pertenço a este lugar, — Ethan rosnou, sua voz carregada de poder.
Lúcifer se aproximou lentamente.
— Mas você pertence, Ethan, Ou melhor dizendo Pazuzu. O Vale é parte de você agora, e você dele. Não há volta.
Ethan gritou, um som primal que sacudiu as fundações do salão. A energia negra em sua aura explodiu, preenchendo o ar com uma sensação de desespero e fúria. Ele sabia que não podia derrotar Lúcifer, mas também sabia que não poderia fugir.
Seu corpo cedeu ao peso do Vale, e sua mente começou a se fragmentar ainda mais. As memórias de sua mãe, de Bia, de sua antiga vida, desvaneceram-se como fumaça ao vento. Tudo o que restou foi a sensação de perda… e o ódio.
Lúcifer observou enquanto Ethan se ajoelhava, exausto.
— Não lute contra isso. Aceite o que você é Pazuzu meu filho.
Ethan levantou a cabeça, seus olhos brancos brilhando com intensidade.
— Eu posso não lembrar quem eu era, mas eu sei disso: um dia, eu vou te destruir.
Lúcifer apenas sorriu.
— Então você será o demônio perfeito.
Ethan se levantou, mais alto e imponente do que nunca, mas vazio por dentro. Ele não sabia quem era, nem de onde vinha, mas uma única verdade permanecia: ele odiava Lúcifer, e esse ódio seria sua única companhia no Vale dos Reis Eternos.
Quando ele caminhou para longe, o ambiente ao seu redor reagia a ele, como se o Vale reconhecesse sua nova identidade. A cada passo, ele se tornava menos humano e mais parte daquele lugar.
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