Capítulo 9 - Prazeres
O ar ao redor parecia vibrar, carregado com uma tensão invisível. Ethan sentia o peso do momento em seus ombros, como se estivesse sendo puxado para um abismo do qual talvez não conseguisse sair. Ele fechou os olhos por um breve instante, tentando acalmar a mente. Mas não havia paz ali. Apenas a presença esmagadora de Asmodeus.
O demônio estava diante dele, imóvel, um sorriso debochado nos lábios pálidos. Seus olhos vermelhos brilhavam na escuridão, refletindo algo que Ethan não conseguia decifrar. Luxúria? Desprezo? Ou um prazer distorcido ao ver sua presa tão vulnerável?
Asmodeus era diferente dos outros pecados que Ethan havia enfrentado. Ele não parecia agressivo como Belzebu ou Mammon, nem ameaçador como Leviatã. Havia algo de sutil e perigoso nele. Algo que não precisava de força bruta para destruir.
O chão sob os pés de Ethan era frio como gelo, mas o ambiente ao redor parecia quente. Um calor sufocante que se infiltrava em sua pele, em seus ossos, como se o próprio ar fosse feito de fogo e desejo. A paisagem ao redor havia mudado. Não era mais aquele vazio escuro e sem vida. Agora, ele estava dentro de um salão grandioso, de arquitetura exótica, repleto de cortinas carmesim que se moviam sozinhas, como se tivessem vida própria. Lustres dourados iluminavam o local com uma luz suave, criando sombras dançantes nas paredes de mármore negro. Almofadas de veludo estavam espalhadas pelo chão, e o perfume no ar era doce, quase inebriante.
— Bem-vindo ao meu domínio, pequeno príncipe. — A voz de Asmodeus era aveludada, carregada de um tom sedutor. — Espero que tenha gostado da recepção.
Ethan sentiu sua respiração acelerar. Seu corpo estava respondendo àquele lugar de uma forma que ele não entendia. Seu coração batia forte, sua pele formigava.
— O que você quer? — Ele perguntou, tentando ignorar a sensação estranha que o tom de Asmodeus lhe causava.
O demônio riu baixo, cruzando os braços. Seus cabelos longos e vermelhos caíam sobre os ombros, e sua expressão era de puro divertimento.
— Eu quero ver até onde você aguenta. — Ele disse, inclinando a cabeça de lado. — Quero ver se é forte o bastante para resistir… ou se vai ceder como todos os outros antes de você.
Ethan franziu o cenho.
— Ceder?
— A luxúria, garoto. — Asmodeus deu um passo à frente. — Não é apenas desejo carnal, como muitos pensam. É mais do que isso. Luxúria é sobre o prazer de se perder no que se deseja. É sobre sucumbir à tentação e esquecer de quem você é.
O demônio ergueu a mão e estalou os dedos.
Imediatamente, a sala mudou. As paredes se dissolveram em névoa dourada, e Ethan se viu cercado por imagens que pareciam sair de seus próprios pensamentos. Visões distorcidas de sua vida, momentos que ele nunca viveu, mas que sentia como se fossem reais.
Ele viu a si mesmo, diferente. Mais forte. Mais poderoso. Sentado em um trono negro, com o mundo curvado aos seus pés. Pessoas o adoravam, sussurravam seu nome como se ele fosse um deus. Seu coração pulsou forte no peito.
Ele podia sentir. A sensação de poder absoluto, a devoção daqueles ao seu redor. Era viciante.
— Vê? — A voz de Asmodeus sussurrou em seu ouvido. — Esse é o seu destino. Tudo o que você deseja pode ser seu. Basta aceitar.
Ethan cerrou os punhos. Algo dentro dele gritava que era uma armadilha. Mas… e se não fosse? E se fosse real? E se ele realmente tivesse nascido para aquilo?
A dúvida se instalou. O suficiente para Asmodeus agir.
Em um piscar de olhos, o demônio se moveu. Como uma sombra, ele surgiu atrás de Ethan e o agarrou pelo ombro, seus dedos frios apertando sua pele.
— Já posso sentir… — ele sussurrou, sua respiração quente contra a nuca de Ethan. — O quão tentado você está.
Ethan arregalou os olhos e, num impulso, girou o corpo, desferindo um soco no rosto do demônio. Mas Asmodeus desviou com facilidade, rindo.
— Ah, não precisa ter tanta pressa… — ele provocou. — Podemos aproveitar isso juntos.
Ethan não respondeu. Seu corpo se moveu sozinho, atacando. Seu punho brilhou com a energia sombria que ele já começava a reconhecer como sua, e ele disparou contra Asmodeus.
O demônio desviou com graça, como se estivesse dançando. Seu manto esvoaçava, e sua expressão nunca perdia aquele ar divertido.
— Ah, então você escolheu lutar… — Ele suspirou. — Tão previsível.
Ethan continuou os ataques. Socos, chutes, investidas. Mas Asmodeus era rápido. Ele se movia como se soubesse exatamente o que Ethan faria antes mesmo que ele pensasse.
Então, no meio de um golpe, Asmodeus desapareceu.
Ethan congelou. Seus sentidos estavam em alerta máximo, mas ele não conseguia sentir onde o inimigo estava.
Foi quando a dor veio.
Uma lâmina afiada atravessou seu ombro, e ele gritou, caindo de joelhos. O sangue quente escorreu por sua pele.
— Você não entende, não é? — A voz de Asmodeus soou atrás dele. — Essa não é uma batalha que se vence com força.
Ethan cerrou os dentes. Ele não ia ceder. Não agora.
Reunindo toda a sua energia, ele girou o corpo e tentou acertar Asmodeus, mas o demônio já havia sumido novamente.
E então, ele apareceu na frente de Ethan, agachado, com um sorriso enigmático.
— Você ainda não percebeu? — Asmodeus inclinou a cabeça. — Eu não estou tentando matá-lo. Eu estou tentando libertá-lo.
Ethan sentiu um arrepio na espinha.
— Libertar?
— Sim. — Asmodeus se aproximou, colocando a mão no peito de Ethan. — Libertá-lo do que te prende. Da culpa. Do medo. Da necessidade de ser algo que você não precisa ser.
A pressão no peito de Ethan aumentou. Ele sentiu seu corpo ser tomado por um calor intenso. Seu coração disparou.
E então, algo dentro dele começou a rachar.
Ethan não sabia dizer se era sua mente… ou sua alma.
Mas ele sentia que estava à beira de algo que não poderia voltar atrás.
O calor dentro de Ethan aumentava, se espalhando como um incêndio incontrolável. Seu corpo tremia, não apenas pela dor do golpe de Asmodeus, mas pela força invisível que parecia puxá-lo para o abismo. A voz do demônio ecoava em sua mente, sussurrando tentações, verdades distorcidas que se misturavam a seus próprios pensamentos.
Ethan apertou os olhos, tentando afastar aquilo, mas a imagem diante dele continuava clara. Ele, em um trono negro. Ele, com o mundo aos seus pés. Ele, sem fraquezas, sem medo, sem dor.
“Eu sou Ethan… Sou Ethan… Sou…?”
Por um momento, ele não soube dizer quem era.
Asmodeus sorriu, observando-o com olhos brilhantes. Ele sabia. Sabia que Ethan estava à beira da queda.
— Não resista. — O demônio sussurrou, deslizando ao redor dele como uma serpente. — Você já pertence a isso. Você sente, não sente? Esse poder chamando por você? Essa liberdade?
Ethan sentiu. Mas junto disso, sentiu outra coisa.
Uma fagulha. Pequena. Quase imperceptível. Mas real.
Um nome.
Clara.
O rosto de sua mãe veio à sua mente. Seu sorriso gentil. As noites em que ela cantava para ele dormir. O toque quente de suas mãos quando ele era criança.
Asmodeus percebeu a mudança na expressão de Ethan. Sua diversão diminuiu um pouco.
— O que foi? Lembranças de um passado sem sentido? Você sabe que não pode voltar para isso. Você sabe que não é mais aquele garoto.
Ethan abriu os olhos, ofegante.
— Talvez eu não seja mais aquele garoto. — Sua voz saiu rouca. — Mas isso não significa que eu tenha que ser você.
O sorriso de Asmodeus sumiu.
— Hm?
Ethan agarrou o pulso do demônio e cravou as unhas em sua pele. Pela primeira vez, Asmodeus demonstrou uma reação real.
— O quê?
Uma onda de energia negra explodiu do corpo de Ethan. Mas não era como antes. Não era a força crua e descontrolada de Pazuzu. Era algo diferente. Algo que ele ainda não entendia completamente, mas que parecia dele.
O salão de Asmodeus começou a desmoronar. As cortinas carmesim se rasgaram, as paredes douradas ruíram como cinzas ao vento. O espaço ao redor se contorcia, como se a ilusão estivesse sendo destruída.
Asmodeus tentou se afastar, mas Ethan não soltou seu braço.
— Você não pode lutar contra isso! — O demônio gritou, sua voz perdendo a tranquilidade habitual. — Você é isso!
Ethan puxou Asmodeus para perto, encarando-o nos olhos.
— Eu sou mais do que você pensa.
Ele canalizou sua energia e disparou um golpe direto no peito do demônio.
A explosão foi instantânea. O impacto lançou Asmodeus para trás, atravessando os escombros do próprio domínio. O grito do demônio ecoou, carregado de fúria e incredulidade. Seu corpo tremia, rachaduras sombrias se espalhando por sua pele como se algo dentro dele estivesse se rompendo.
— Isso… Isso não é possível… — Ele murmurou, tentando se erguer.
Mas Ethan não lhe deu tempo.
Avançou como um relâmpago, sua velocidade muito além do que já havia demonstrado antes. Ele agarrou Asmodeus pelo colarinho, erguendo-o do chão. Os olhos do demônio tremularam. Pela primeira vez, havia medo ali.
Ethan então abriu a boca, e sua voz saiu firme, cortante.
— Você tentou me quebrar. Agora é minha vez.
Com toda sua força, Ethan lançou Asmodeus ao chão. No impacto, uma onda de energia devastadora varreu o espaço ao redor. O chão rachou, e o corpo do demônio afundou, estilhaçado pela força do golpe.
O silêncio tomou conta do lugar.
Asmodeus não se movia mais. Sua respiração estava fraca, e seu corpo tremia levemente. Ele virou a cabeça lentamente para encarar Ethan, um sorriso irônico manchado de sangue se formando em seus lábios.
— Parece que… você não é tão fraco quanto eu pensei…
Ethan não respondeu. Apenas deu um passo para trás, ofegante, sentindo a adrenalina diminuir aos poucos.
A escuridão ao redor começou a se dissipar, como fumaça ao vento. O domínio de Asmodeus estava se desmantelando por completo.
O demônio riu baixinho, fechando os olhos.
— Não pense que isso acabou, garoto…
E então, seu corpo se dissolveu em sombras, desaparecendo.
Ethan permaneceu parado por um momento, sentindo o próprio coração batendo forte contra o peito. Ele venceu.
Mas algo lhe dizia que essa vitória tinha um preço.
Ele olhou para suas próprias mãos. Sua pele ainda carregava marcas escuras, resquícios da energia que usou na batalha. Seu reflexo distorcido nos escombros mostrou olhos que não eram completamente seus.
Por mais que tivesse resistido a Asmodeus…
Parte de Pazuzu ainda estava ali.
E a luta dentro de si ainda não havia terminado.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.