Capítulo 18 - A Lei das Correntes
O som da morte do soldado foi um ruído surdo, abafado pela imensidão da floresta noturna. Hermes puxou sua xiphos da cabeça do homem, o aço frio deslizando para fora do crânio com uma resistência doentia. Ele não recuou. A fúria que o guiara até ali não havia se dissipado; ela apenas se assentou, transformando-se em algo mais frio, mais focado. Ele era um predador em um território de caça, e o rebanho ainda não sabia que o lobo estava entre eles.
Deixando os corpos para trás, ele se moveu, não para longe, mas circulando o acampamento. O cheiro de pinho e terra úmida se misturava ao cheiro de medo que começava a emanar da clareira. Ele ouviu as vozes, a impaciência se transformando em preocupação.
— Ele caiu num buraco ou o quê?
Um soldado, mais entediado do que preocupado, pegou uma tocha e se embrenhou na mata com outro guarda que afiava sua espada. Hermes os observou de uma posição elevada, agachado no galho grosso de um carvalho. Ele esperou que se afastassem da luz da fogueira, permitindo que a escuridão os engolisse quando passaram atrás dele.
A descoberta do primeiro corpo foi um grito abafado de horror. O segundo, um chamado desesperado por ajuda. Os dois guardas que restavam na fogueira se levantaram com rapidez, puxando suas espadas. Correram em direção à floresta.
O primeiro passou correndo por debaixo da árvore em que Hermes se escondia.
Já o segundo…
Swish
— Kuhak-
Blap
O homem que correu na frente se virou assustado com o barulho, erguendo a espada, mas foi surpreendido com uma lâmina se enterrando em sua barriga.
Ele encarou os olhos de Hermes entre as frestas do elmo com um olhar assustado, erguendo sua xiphos no ar para um golpe desesperado. A resposta foi dada com uma torção no cabo da espada. O homem revirou os olhos com a dor, deixando o ar escapar de seus pulmões.
Blap
Dois corpos estavam jogados no chão e Hermes estava de pé no meio deles.
O caos era a cobertura de Hermes. Enquanto os guardas se organizavam em pânico para varrer a floresta, convencidos de que estavam sob ataque de um bando, Hermes caminhou, com uma calma mortal, em direção à fogueira agora desprotegida. O elmo que já o incomodava foi retirado e agora era carregado na mão. Nunca foi um fã de acessórios que cobriam o rosto.
Dois homens chegaram pela lateral do acampamento, correndo.
Um deles, ao ver a figura solitária emergindo da escuridão, se preparou, a mão na espada. — Maldito! O que faz com esse capacete?
A resposta de Hermes foi o arremesso do objeto com o brilho de sua xiphos sob a luz do fogo.
O outro guarda, armado com um arco, ergueu sua arma mirando imediatamente no suspeito rapaz ensanguentado. A flecha tensionou a corda e partiu o vendo em dois.
Numa agilidade absurda, Hermes se agachou, contornando a fogueira para criar um ponto cego. A flecha abriu um buraco nas chamas e cravou num dos troncos que estavam jogados ao seu redor.
Com uma velocidade que o arqueiro não conseguiu processar, Hermes derrubou o outro guarda com uma rasteira que o ajudou a desviar de um corte de espada, e, antes que o corpo do homem estivesse totalmente no chão, cravou a espada em seu pescoço.
O homem com um arco pulou para trás em choque. Sua respiração irregular. Hermes o encarou de joelhos sobre o corpo do soldado que havia acabado de matar.
Ele se levantou tranquilamente, balançando a espada no ar para limpar o excesso de sangue em sua ponta.
O arqueiro puxou mais uma flecha da aljava em sua coxa, preparando um ataque desesperado. Hermes saltou, alcançando a lateral do rapaz com uma finta ágil, e cortou sua mão fora antes que ela conseguisse tensionar a corda do arco.
O soldado caiu no chão agonizando. Rolou com a dor da mão cortada, tentando se afastar da besta.
— Para trás desgraçado! — Ele gritou.
Hermes caminho a passos lentos em sua direção. O rapaz se afastou, empurrando-se no chão com os próprios pés enquanto segurava o pulso decepado.
O fantasma de cabelos brancos parou, pegando o arco que estava no chão, examinando-o por um segundo.
O soldado se arrastou, afastando-se da figura sombria à sua frente sem, por um segundo sequer, ter a coragem de desviar o olhar daquele monstro.
Hermes pendurou a espada na cinta em sua cintura e agachou, pegando uma flecha jogada no chão caíra ao lado da mão decepada do soldado.
O rapaz ergueu a flecha com rapidez e a usou para tencionar a corda do arco. O soldado levantou-se com avidez, assustado. E começou a correr, só para tropeçar logo em seguida num dos troncos jogados no chão, caindo de cara na fogueira. O som de seu corpo caindo nas brasas e o cheiro de carne queimada foram breves e terríveis. Um grito agonizante foi escutado em toda a floresta.
Fwish
Uma flecha certeira interrompeu a agonia do guarda.
O acampamento agora estava silencioso, exceto pelos gritos distantes dos homens que caçavam fantasmas na floresta.
Os olhos dentro das carroças observavam o desenrolar dos acontecimentos. Alguns urravam, torcendo pelo rapaz, outros gritavam em horror com a brutalidade. Outros, ainda, analisavam quietos toda a situação, tentando discernir se aquele rapaz era um aliado ou inimigo.
Sem dar atenção a eles, o fantasma de cabelos brancos adentrou a floresta por onde havia vindo e, após alguns poucos minutos, os gritos que vinham de lá cessaram. Ele voltou andando com o arco em mãos e parou novamente perto da fogueira.
Hermes olhou para o arco em suas mãos, como se o analisasse. Fez então uma careta, como se reprovasse o seu uso.
“Não faz muito o meu estilo.” Pensou ele, largando a arma no chão.
Caminhou por entre os corpos, seu destino claro. A tenda de seda nos cantos do acampamento, guardada por dois homens de armadura mais polida. Os guardas pessoais do Arconte Dídimo. Eles já estavam alertas quando o viram se aproximar, uma figura solitária coberta de sombras e sangue, e ergueram suas lanças.
A luta foi curta e feia. Eles eram disciplinados, mas Hermes era um vendaval. Ele encurtou a distância com maestria, se movendo por dentro do alcance da lança de um dos soldados.
Este foi esperto, tentou chutá-lo, mas Hermes desviou para o lado e, se jogando no chão, usou sua xiphos para cortar o calcanhar do primeiro soldado. O segundo ainda contornava, tentando repor a visão perdida para o corpo do colega que foi focado por Hermes.
Quando o soldado começou a cair com o calcanhar cortado, Hermes aproveitou, correndo contra o outro usando de seu contra-pé. O soldado foi mais rápido. A lança se moveu em um corte horizontal, que Hermes conseguiu desviar por pouco.
No entanto, antes que pudesse contra atacar, Hermes sentiu uma estocada em seu ombro. Rangeu os dentes com a dor, mas não vacilou. Segurou a lança ainda presa em seu ombro e a puxou. O soldado, supreso, não reagiu rápido o suficiente e foi puxado junto, tropeçando ainda no pé que Hermes havia deixado em seu caminho. O rapaz terminou o trabalho cravando a xiphos em suas costas.
O primeiro homem, que havia caído de joelhos com o calcanhar partido, não precisou esperar muito. Hermes se aproximou por trás e cortou seu pescoço com a leveza de um cirurgião.
— Merd- Kahk- — Hermes gemeu com a dor no ombro perfurado. Ele rasgou um pedaço de pano da entrada da tenda e o amarrou grosseiramente, estancando a ferida.
Com um rosnado que o ajudou a enganar a dor, terminou de rasgar a entrada da tenda. Lá dentro, o Arconte Dídimo, um homem flácido e pálido, tentava se esconder atrás de uma pequena mesa com taças de vinho. O medo o fazia cheirar a suor e urina.
— Quem… O que você quer? Ouro? Leve tudo! — ele choramingou.
Hermes o agarrou pelos finos tecidos de sua túnica e o arrastou para fora, para a noite e para a luz da fogueira moribunda. Ele o jogou na terra suja, na frente das carroças gradeadas onde os escravos observavam, seus olhos largos de choque e medo através das frestas.
Com um único e poderoso golpe de sua xiphos, Hermes quebrou as fechaduras das carroças. As portas se abriram com um rangido.
— Ele é seu — disse Hermes aos escravos, sua voz um rosnado baixo. — O homem que os acorrentou. O destino dele está em suas mãos.
Os escravos saíram lentamente, hesitantes. A liberdade repentina era quase tão assustadora quanto a escravidão. Ainda mais dada a forma que ela havia sido conquistada.
Dídimo, no chão, viu uma chance. Ele se arrastou, as lágrimas escorrendo por seu rosto gordo.
— Meus amigos… por favor! Eu sou um homem de posses! Eu posso dar a vocês uma vida boa, como servos em minha casa! Uma oportunidade! Poupem-me e eu os recompensarei!
Suas palavras eram veneno coberto de mel. Alguns escravos vacilaram, a promessa de comida e um teto soando melhor do que a incerteza da liberdade.
Um curto e imperceptível sorriso surgiu em sua face patética, Dídimo percebeu que poderia sobreviver.
“Esses trastes que não pensam um passo à frente. Vou levá-los de volta àquela maldita mina para que morram segurando picaretas.”
— Eu vou levá-los para casas de nobres no oriente, onde servos são tratados como membros da família!
Foi então que um homem se adiantou. Era alto, sem cabelos, com músculos forjados pelo trabalho forçado e um olhar que ardia com um ódio antigo. Hermes ergueu a sobrancelha com interesse.
— Lá vocês terão uma vida de lu-
O escravo não disse nada. Ele se aproximou de Dídimo, pegou a corrente quebrada que ainda pendia de seu próprio pulso e, com uma frieza que espelhava a de Hermes, a enrolou ao redor do pescoço do nobre. O discurso de Dídimo terminou em um gargarejo engasgado. Os outros escravos assistiram em um silêncio extasiado enquanto o homem, com uma calma assustadora, tirava a vida de seu antigo mestre.
O corpo gordo e de olhos revirados caiu em um baque molhado na relva.
O olhar dos dois assassinos da noite se encontraram com um interesse mútuo.
— É bom vê-lo de novo. — Disse o homem com um olhar sério e, aparentemente respeitoso, em direção a Hermes.
A tensão se quebrou. Um grito de triunfo surgiu de um escravo, depois de outro. Eles não eram mais vítimas.
Eles se viraram para Hermes. Seus olhares não eram de medo, mas de reverência.
O rapaz ergueu a sobrancelha em resposta, sem entender a familiaridade com a qual estava sendo tratado.
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