O Mundo Pintado de Boceanósque – Parte Quatro – Final
Após atravessar um último lance de escadas — e alcançar o ponto mais alto da cidade — a Sacerdotisa da Luz se deparou com a visão da Catedral.
Imponente e majestosa, tal como as estrelas no céu.
E apesar de sua aparência gótica e suntuosa, ao seu redor, contrastando com a beleza angelical daquela área — repleta de flores, arbustos e gramíneas congeladas — um conflito em larga escala, conduzida pelas forças humanas em terra; se esforçava, ao máximo, para repelir um ataque alienígena massivo.
Tanques blindados disparavam projéteis de energia contra uma criatura bípede imensa. Soldados mecanizados combatiam milhares de inimigos que se esgueiravam pelo chão. Diversas metralhadoras de plasma, concentravam o seu fogo pesado nas ondas intermináveis de organismos biomecânicos que cruzavam os céus.
E, além disso, posicionado acima da Catedral, um Encouraçado aliado — equipado com um robusto escudo de energia — defendia, dezenas de adeptos, de um intenso bombardeio orbital.
Que era lançado, de forma agressiva, pela nave-rainha que comandava aquela invasão.
No chão, sendo controlados pela mente coletiva da colmeia; hordas de criaturas, sedentas por sangue, se lançavam aos montes contra as inúmeras fileiras humanas — retalhando e mutilando tudo o que viam pela frente — com o propósito de romper suas defesas e quebrar sua formação.
E apesar de suas inúmeras baixas, e esmagadora desvantagem numérica — frente aos enxames alienígenas — os soldados humanos permaneciam firmes em suas posições, e defendiam, mesmo ao custo de suas próprias vidas: Os arredores da imensa Catedral.
E, se fosse preciso, moveriam os céus e a terra para o fazê-lo.
De repente, o sino no topo da colina tocou — anunciando o fim da longa noite e dando início à madrugada — e, como se tivessem sido atraídos por uma inconfundível presença sacra; eles vislumbraram, com os seus rostos repletos de alegria, a silhueta majestosa de sua Imperatriz.
Parada, de pé, sobre a borda da colina; sendo iluminada pela luz da lua cheia.
Em seguida, uma aterradora onda de gritos — comemorando a sua chegada — reverberou por todos os lados. E a moral que já estava alta, se tornou ainda mais intensa.
— PELA DEUSA IMPERATRIZ! — disseram eles, em uníssono, fazendo o chão daquela área tremer.
Imediatamente, uma unidade de elite — portando armaduras pesadas e escudos de energia — se lançou na frente de seus inimigos, e criaram, apesar de temporariamente, um caminho livre em linha reta.
Permitindo, que tanto a sua Soberana, quanto aquela que eles vieram resgatar, pudessem chegar até o seu objetivo em segurança.
— PROTEJAM A SACERDOTISA DA LUZ! — bradou um oficial militar, para o seu regimento, enquanto a garotinha passava por eles. — DEFENDAM ESSA CRIANÇA, DA MESMA FORMA QUE O SEU PAI NOS DEFENDEU!
E após esse comando, uma segunda voz irrompeu:
— CONTEMPLEM, MEUS IRMÃOS. O SANGUE NOBRE QUE UMA VEZ CORREU NAS VEIAS DE NOSSO INESTIMÁVEL CAPITÃO!
E, por fim, enquanto ela atravessava um mar revolto de inimigos e aliados, uma terceira presença se ergueu do turbilhão, e apontou, com o seu dedo indicador, na direção que conduzia até a entrada da Catedral.
— VÁ, FILHA DE NOSSO HERÓI. SIGA EM FRENTE E NÃO OLHE PARA TRÁS! — proclamou o oficial, brandindo seu estandarte, enquanto coordenava a defesa do setor.
E à medida em que corria — ao lado da Representante da Vontade Maior — pelo caminho construído com o sacrifício de milhares de vidas, a Sacerdotisa da Luz observou, com o seu coração tomado por uma mistura de várias emoções; todo o esforço, suor e sangue, que a Quarta Legião dedicava à ela.
Bem como, para com aquela que eles a chamavam de: “Seu deus.”
Após atravessarem o olho da tempestade, levou menos de um minuto para as duas alcançarem a entrada da imensa Catedral e, no instante em que a mulher de cabelos escuros forçou a sua mão na porta; o rangido do ferrolho, do aço e da madeira, anunciaram, de maneira nada sutil, a presença de sua convidada.
Na sua frente — seguindo a sua linha de visão — havia uma criatura imensa, no formato de uma cobra, aprisionada, no centro do salão; por várias camadas de magia antiga, que neutralizavam, de maneira objetiva, parte do seu imenso poder.
Seu longo corpo esguio, adornado por dezenas de escamas triangulares, concediam, à criatura, uma aparência ameaçadora e majestosa.
E combinado às suas presas afiadas, pupilas em fenda vertical e aura assassina; a sua presença, que já era esmagadora, se tornava ainda mais aterradora.
Próximo à base da criatura — contida por inúmeras correntes de energia mística — havia uma mulher, de cabelos prateados e pele alva, que mantinha, apesar de inconsciente, o selo do feitiço ativo.
Sendo ela, o principal catalisador da magia.
Com os seus olhos frios e penetrantes — voltados para a sua inconfundível adversária — a entidade no formato de cobra sibilou, furiosa:
— Falso deus! Falso deus! Saia da minha história, falso deus!
E no instante em que ela se preparou para dar o bote, a Representante da Vontade Maior deu um passo para frente, sacou a sua espada e, numa fração de segundo, bradou, com os seus olhos fixos na criatura:
— Vá, pequenina! — disse ela, para a Sacerdotisa da Luz. — Toque nas correntes que aprisionam sua mãe! E até que você possa libertá-la, farei de tudo para protegê-la!
E, com um estalo de seus dedos, ela acrescentou:
— A Vontade dos Criadores! Terceira Melodia do Hino: O Caminho para a Realeza!
Com isso, diversas flores congeladas brotaram do chão, e a densa névoa escura — que até então cobria o salão — logo foi sendo dispersada com o seu comando.
Em seguida, uma poderosa onda de choque — causada pelo impacto da serpente — reverberou por todos os lados.
Chacoalhando os pilares e as paredes de pedra da antiga Catedral.
E a medida em que a Representante da Vontade Maior, media forças com a imensa criatura — fatiando o seu corpo e repelindo a energia escura que se desprendia de seus ataques — a Sacerdotisa da Luz, por sua vez, cerrou a sua mão, estufou o peito e projetou o seu corpo para frente.
Ignorando, completamente, todo o medo que sentia.
E semelhante à uma flecha disparada em linha reta, ela percorreu, numa ínfima fração de tempo, a distância que a separava de seu objetivo.
Conseguindo tocar — com as pontas de seus dedos — nos grilhões que envolviam o corpo de sua mãe. Dispersando a sua aura corrompida, e preenchendo o grande salão com uma imensa explosão de luz.
— Muito bem, súdita minha! — disse uma voz feminina, ecoando nos ouvidos da pequena Sacerdotisa. — Como prometido, irei interferir na conclusão desta história! E apesar do seu final já ter sido decidido, ao menos, no epílogo, você será capaz de se reencontrar com a sua mãe!
De repente, o som de várias badaladas de um sino pôde ser ouvido, e ela sentiu — sem saber se estava acordada ou experimentando um sonho — a sua mãe lhe abraçando com bastante força.
— Aliceteria! — disse a mulher, sorrindo, enquanto os seus olhos derramavam lágrimas de alegria. — Você está viva. Viva! Ainda bem! Estou tão feliz por saber que você está bem, minha adorável e única filha!
E, enquanto as duas se abraçavam — em meio à uma sala vazia e relativamente branca — a Representante da Vontade Maior deu um passo para frente, curvou o seu corpo e, de maneira respeitosa, fez uma reverência.
— Nobre Késia! — disse ela, com uma expressão que transmitia gratidão. — Obrigada por ter salvado a vida de meu súdito! Obrigada por ter ficado ao lado dele, quando mais ninguém de nossa Ordem pôde fazer o mesmo. Obrigada por ter abençoado os seus dias, com a alegria de ter formado uma família!
Ela soltou a barra de seu vestido e completou:
— Eu te agradeço, do fundo do meu coração!
Em seguida, a mulher de cabelos prateados ergueu o seu rosto, esboçou um sorriso e respondeu, radiante:
— O meu marido ficaria muito feliz, em saber, que no final, tivemos a aprovação e a bênção de seu deus!
Com o fim dessa declaração, o seu corpo começou a se desfazer em dezenas de partículas de luz, e, à medida em que ela desaparecia, a pequena Sacerdotisa tentou — tomada pelo desespero — agarrar os pontos luminosos que seguiam até os céus.
Na esperança de interromper aquela reação e segurar a energia vital de sua mãe.
— Não chore, filha minha — disse a mulher, conformada com o seu destino, enquanto acariciava a cabeça da garotinha. — Tudo o que fizemos, ele e eu, foi para que pudéssemos proteger a ti! Não me arrependo de nenhuma das nossas escolhas!
E, com o que restava de suas forças, a mulher de cabelos prateados sussurrou, em seus ouvidos:
— Viva e cresça, Aliceteria! Que você tenha saúde e encontre a felicidade!
Desaparecendo logo em seguida.
Por vários minutos, a Sacerdotisa da Luz chorou, e quando os seus olhos se tornaram incapazes de derramar ainda mais lágrimas; ela ergueu o seu corpo, pegou na mão esquerda da Representante da Vontade Maior, e seguiu, ao lado dela, até a entrada da imensa Catedral.
Onde um Cruzador aliado — exibindo um brasão com o número “Três” estampado em seu casco — estava à sua espera.
— Imperatriz! — disse uma figura feminina adulta, de cabelos curtos e pele clara, enquanto se curvava em sinal de devoção.
— General da Terceira Legião! — declarou a segunda, com os seus olhos cor-de-rosa brilhando como luzes de Neon. — Por gentileza, escolte a minha súdita até o nosso planeta natal! Lá, ela poderá encontrar a irmã de seu pai! Esta criança ainda possui uma família esperando por ela!
E, com um aceno de cabeça, a outra respondeu:
— Como desejar, meu deus!
Em seguida, com a sua atenção voltada para a pequena Sacerdotisa, a Representante da Vontade Maior acrescentou, confiante:
— Vamos nos encontrar novamente, Aliceteria! — disse ela, pegando em suas mãos. — Em meu Império, você será capaz de voltar a falar e a cantar! E quando estiver se sentindo triste e solitária, basta me procurar! Tenho muitas histórias a respeito do seu pai que gostaria de compartilhar. E também, adoraria saber mais a respeito de sua mãe!
Ela abraçou a garotinha e completou:
— Eu me chamo Lycoris… Lycoris Étoile! A Deusa Imperatriz da Humanidade!
E após uma breve despedida, a Sacerdotisa da Luz olhou uma última vez para a Representante da Vontade Maior; depois, para a sua cidade em ruínas, e, por fim, entrou no Cruzador Espacial com a cabeça erguida.
E seguiu, junto da Terceira Legião, para a sua nova casa em outro mar de estrelas.
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