O Mundo Pintado de Boceanósque – Parte Três
Enquanto caminhava — de mãos dadas com a Representante da Vontade Maior — a pequena Sacerdotisa podia ouvir, mesmo sem entender a maioria dos termos que eram utilizados; parte do que os Copyrights diziam.
— O que os Criadores estão fazendo? Será que eles não percebem, a ameaça que a presença “dela” traz para as suas narrativas?! — argumentou o primeiro, gesticulando com as mãos.
— Não é nosso dever questioná-los! — retrucou um segundo, de maneira ríspida. — O nosso dever se resume, apenas, em preservar as suas Propriedades Intelectuais!
— E é exatamente isso o que faremos, senhores! — acrescentou o último deles, dando um passo para frente, depois de colocar seus óculos. — Vamos! Precisamos acompanhar os movimentos dela, da “Inimiga de Toda a Criação”, de outro lugar.
E da mesma forma que surgiram, desapareceram sem deixar vestígios.
Após cruzarem a ponte, tanto a Sacerdotisa da Luz, quanto a Representante da Vontade Maior, se viram em meio a um distrito comercial de luxo.
Nele, haviam diversas estradas bem pavimentadas, com várias ruas longas e espaçadas, decoradas, em sua maioria, com dezenas de estátuas todas feitas de mármore.
E além delas, adornando as vias ladeadas pelos edifícios de pedra, haviam diversas espadas, escudos e lanças — de aparência rústica e bastante enferrujadas — espalhados pelo chão.
Como se tivessem, de alguma forma, sido abandonados às pressas.
As construções daquela área — feitas de argamassa e de madeira retorcida — apesar de avariadas, ainda demonstravam a beleza gótica que uma vez tiveram.
E, não muito longe dali, posicionado no centro de uma praça abandonada; havia uma fonte d’água, imponente e majestosa, que decorava, com os seus arcos congelados, parte do setor.
Transformando, aquele lado, em um ponto de referência.
Diversas escadarias passavam pelas bordas do distrito comercial, ligando a orla inferior com as partes mais altas da cidade. E apesar de todos os seus blocos serem feitos de pedra maciça; por algum motivo, a maioria delas estava fora de lugar, ou, completamente destruídas.
Dificultando, dessa forma, o seu uso..
E por onde quer que a Sacerdotisa da Luz passasse — seja pelas ruas interditadas, ou por dentro das inúmeras charnecas colapsadas — ela podia observar, com os seus olhos prateados; diversos soldados de elite, todos equipados com armaduras pesadas e espadas de energia, lutando, agressivamente, contra milhares de alienígenas.
E além deles, diversos objetos metálicos — semelhantes a cubos e esferas — sobrevoavam a região de maneira independente, reduzindo, gradativamente, o número de organismos vivos que expeliam toxinas no ar.
Seja incendiando as criaturas, disparando rajadas de energia contra os seus exoesqueletos, ou, até mesmo, se autodestruindo próximo a elas.
Raramente, a Representante da Vontade Maior tinha que lidar diretamente com os alienígenas, e quando o fazia, fatiava, com a sua espada de energia, dezenas de criaturas que se lançavam contra a Sacerdotisa.
E os que não eram abatidos por ela, se tornavam alvos fáceis dos soldados humanos, que portavam, orgulhosamente — em seus estandartes e ombreiras — o brasão da Quarta Legião.
E sempre que podiam, comemoravam a presença de sua Imperatriz e, além dela, também celebravam a imagem daquela que vieram resgatar.
Sendo ela, a sagrada Sacerdotisa da Luz.
Enquanto corria, por entre as ruas e vielas do setor comercial, a mulher de cabelos escuros podia observar — com os seus olhos cor-de-rosa — uma série de gravuras bem pintadas, feitas nos murais da cidadela; que contava, de maneira abstrata, parte da história local.
Nelas, havia a descrição de um reino, imponente e poderoso, muito respeitado à sua maneira; que havia sido construído ao redor de uma vasta área montanhosa — repleta de riquezas — e que era governado por um rei sábio e justo.
O reino, que se dividia em várias cidades-estados, era administrado por um seleto número de senhores locais, que haviam sido agraciados pela realeza, com títulos e terras, como recompensa aos seus inúmeros serviços prestados à nação.
Seja na luta contra monstros, estados rivais e, até mesmo, combatendo as forças sobrenaturais, que ameaçavam, constantemente, a estabilidade da região.
Em um desses murais, que exaltava a figura de uma mulher bonita — possuindo cabelos longos e prateados, olhos com pupilas transversais, orelhas pontudas e presas afiadas — a imagem de um rapaz robusto, portando uma armadura mecanizada, e de mãos dadas com a primeira; chamou sua atenção.
Em seguida, após atravessar um outro lance de escadas, e saltar, apressadamente, por sobre uma série de barricadas, a Representante da Vontade Maior se deparou com um vitral, colorido e iluminado — muito chamativo à sua maneira — que decorava a parte lateral de uma antiga loja de armas.
Nele, que remetia a representação de algum tipo de cataclisma, havia a imagem de uma robusta figura masculina em seu centro — portando uma armadura pesada e espada de energia — que lutava, de maneira implacável, contra uma criatura imensa feita de névoa escura.
Sendo ele, a representação máxima de um guerreiro poderoso.
E para aquele estabelecimento, que possuía diversas espadas à mostra — bem como escudos, armaduras e lanças — a sua imagem transmitia uma mistura de nobreza e força, servindo, de certa forma, como a base de sua publicidade.
Um pouco mais à frente, decorando a entrada de uma taverna em ruínas, havia uma placa de madeira — pendurada na parede — que exibia de maneira orgulhosa, a imagem de um grupo de aventureiros ajudando os habitantes locais.
E, por fim, seguindo através de um caminho sinuoso — que levava em direção até o pico da cidade — a Representante da Vontade Maior pôde observar, com as suas pupilas dilatadas, a representação de algum tipo de entidade, no formato de cobra, eternizada numa imensa estátua de mármore.
E nas descrições talhadas em sua base, a seguinte frase podia ser lida: “O Culto da Serpente”.
Quanto mais ela subia, mais o ar se tornava rarefeito, e o barulho dos disparos — e das explosões — que aconteciam na parte mais baixa da cidade, eram ofuscados pelo badalar do sino, vindos diretamente da Catedral, que seguia, até aquele momento, indicando o seu caminho.
Vultos se manifestavam constantemente na frente dela, exibindo, de certa forma, diversos eventos passados que aconteceram ali.
Na primeira projeção, que manifestava uma grande celebração real; era possível observar diversas pessoas comemorando a data da fundação do reino. Na outra, uma vasta passeata religiosa celebrava o nascimento do filho primogênito do rei.
Na terceira, algum tipo de protesto eclodiu dentro das muralhas, e milhares de pessoas — que possuíam algum tipo de traço animalesco — passaram a ser banidas em massa do reino.
E, na última, que projetava uma visão do reino tomado pela tirania, era possível observar, se movendo por entre as ruas e vielas; inúmeros vultos humanos — com os seus rostos cheios de malícia — ateando fogo na cidade inteira.
Em seguida, o cenário mudou abruptamente, e milhares de estruturas voadoras — repletas de tentáculos — apareceram nos céus, e cobriram, com os seus números astronômicos, grande parte das estrelas.
Inundando, a cidadela, no mais completo caos.
— Os portões! Defendam os portões! Os Metamorfos estão tentando derrubar os portões! — dizia um dos inúmeros vultos, em forma humana, enquanto observava, com os seus olhos arregalados; um número expressivo de mutantes, muito bem armados, posicionados na entrada principal da cidadela.
— A Traidora! Eles estão com a Traidora! — declarou um segundo, rugindo de raiva, ao presenciar, milhares de inimigos entrando à força na cidade.
— Chamem os Caçadores! Tragam todos eles aqui! Não deixem os Metamorfos impedirem o ritual! — acrescentou um terceiro, brandindo a sua espada, enquanto protegia, junto aos seus homens, a encosta da colina que conduzia até a Catedral.
— O castelo em chamas! As estrelas não param de cair dos céus! Meu deus, o que é isso? O que são essas coisas? Por favor, alguém me ajude, alguém me salve! Eu não quero morrer! — suplicou um quarto vulto, desesperado, enquanto observava, paralisado de medo, uma horda de criaturas; feitas de metal e de carne retorcida, retalhando os habitantes locais.
De repente, na projeção, uma fenda se abriu acima da catedral, e dela, uma entidade imensa, feita de névoa escura, se manifestou na cidade. Trazendo, junto consigo, milhares de criaturas com formas etéreas.
Gritos de agonia — e de desespero — ecoavam nos ouvidos da Representante da Vontade Maior, e apesar de não poder interagir com nenhuma daquelas sombras, por algum motivo, os espectros pareciam reagir à Sacerdotisa.
E sempre que podiam, a chamavam de herege, de sangue impuro e de filha da traidora. Fazendo a garotinha se encolher a cada insulto.
— Não se importe com o que essas aparições dizem, Sacerdotisa da Luz! — disse a Representante da Vontade Maior, em um tom potente, enquanto disparava nos espectros distorcidos. — Você é a manifestação física de um amor puro e verdadeiro! Orgulhe-se disso, filha de dois heróis!
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