Quatro paredes surgem à minha volta. Quando olho para frente, ao invés de segurar o cadáver do meu antigo eu, estou segurando… Dona?!

    Imediatamente, solto seu corpo, que cai no chão, sem vida. Noto a expressão de desespero em sua face…

    Agacho e começo a cutucá-lo com o indicador.

    — Nossa, — digo com desdém — por um momento até achei que era real. — Espero alguma resposta, nada vem. — Já descobri tudo… — Suspiro. — Meu Deus, para com essa ilusão idiota!

    — Tá bom, tá bom — ecoa a voz de uma mulher.

    De repente, como se estivesse me desligando de um jogo de realidade virtual, o lugar começa a se desfazer.

    E então, tudo fica escuro.

    — Estou impressionada, como descobriu? — Ouço a mesma voz de antes.

    — Se eu disser, você fala desde quando estou aqui? — Não responde. — É, imaginei.

    De repente, estou no chão do escritório de minha mentora. Levanto e vejo os outros quatro Eles estão desacordados no sofá.

    Vou até Eliene.

    Sua pele branca brilha sob a luz do sol. O longo cabelo escuro junto de uma mecha verde e seus lábios finos são as coisas que mais adoro nela.

    Meu corpo pede para que eu toque sua mão, seu rosto, seus lábios… Mas não posso, não depois do que fiz.

    — Ela está bem, não se preocupe.

    Me viro e vejo Dona sentada na poltrona. Porém agora encontro outra mulher sentada no sofá, de chinesinha.

    — Essa é Geila — diz ao estender a mão para apresentá-la. — Uma ceifadora ilusonica rank D que chamei pra me ajudar.

    Fito a mulher que possui uma volunge classe ilusionista. Ela é bonita: seios firmes, cabelo castanho, olhos castanhos…

    Me concentro em seus mínimos movimentos: o pé inquieto, os olhos piscando rápido demais, os tremores disfarçados.

    Só para ter certeza, pergunto:

    — Nossa! Nunca falei com uma ilusionista! — Imito uma criança animada.

    Noto a surpresa de Dona, mas apenas sento ao lado de Geila e continuo:

    — Ei, ei! É verdade que os ilusionistas têm acesso a algumas memórias das pessoas que manipulam? Ouvi boatos, sabe? Mas nunca soube se era verdade.

    — Na verdade, não — responde em tom neutro. — Isso é só um boato. Ilusônicos, como eu, não têm acesso às memórias dos outros.

    “Mentira.”

    — Mas, senhorita Geila, eu…

    — Então, como eles estão? — pergunta Dona, assim interrompendo os questionamentos.

    A ilusônica então fecha os olhos e ajeita a postura — noto suor escorrendo de sua testa.

    — Bem… Eliene está quase descobrindo, Coraline e Maven também não estão muito atrás, mas… — Ela para por um momento, então prossegue: — Harvey não está nem perto.

    — Perfeito — alega minha mestra.

    — Hã? C-como assim, coronel?

    — Hadria, vamos. — Ela então se levanta.

    Um portal surge no escritório.

    — Para onde? — indago, mesmo sabendo a resposta.

    — Despertar a sua volunge, é claro. — Seu olhar vai até para Geila. — Me avise quando todos acordarem, ok?

    — Hã? Ah, sim, senhora.

    Dona me espera e logo entra na passagem dimensional. Caminho até ela, porém antes de entrar, olho diretamente nos olhos da ilusionista, entretanto ela desvia.

    Solto um suspiro involuntário.

    “Ela sabe.”

    Começo a caminhar até ela com passos leves, seu corpo todo estremece. Paro bem na sua frente e deparo com lágrimas brotando em seus olhos.

    Inclino-me e coloco os lábios a poucos centímetros de seu ouvido.

    — Relaxa — cochicho. — Não vou te machucar. — Me afasto e retiro um cílio caído de sua bochecha. — Tinha um cílio no seu rosto.

    — Hã? O quê, um… um cílio?

    — Haha, é, um cílio.

    Viro de costas para Geila e começo a caminhar.

    — Ah, só mais uma coisa,— paro a poucos centímetros da passagem dimensional — se contar pra alguém… — olho por trás do ombro em sua direção — eu te mato.

    E então entro no portal.


    Saio em um campo aberto.

    O sol ilumina a grama alta, as árvores no horizonte são a única coisa que consigo ver adiante.

    — Você demorou.

    Olho para Dona, o longo cabelo ruivo e a gravata são jogados para trás devido à brisa suave.

    — Um dos candidatos acordou quando estava saindo — minto. — Fiquei curioso e perguntei como foi.

    Ela me encara por um tempo, porém não fala nada.

    — Hm… Bom, não importa.

    Minha mentora então abre a palma da mão e o anel em seu dedo começa a brilhar. Uma pequena lona então surge, ela a estende sobre o chão e senta.

    Sorrindo, bate em sua coxa, me chamando.

    — Qual é, não tenho mais doze anos. — Não responde e apenas espera pacientemente. — Ahh, tá bom!

    Caminho até minha mentora e, após deitar, apoio a cabeça em seu colo. Sinto a temperatura aumentar.

    — Isso não te traz lembranças? Haha, lembro de quando foi morar comigo, você…

    — Anda logo!

    — Fufu — ri. — Tá bom, Hadi.

    Dona sempre me chama pelo apelido quando estamos sozinhos, apesar de dizer para não chamar.

    Sua mão vai até meu peito, onde fica meu núcleo. Fecho os olhos e respiro fundo. Uma sensação gélida vai do núcleo até meus braços e pernas, assim indicando a mana ser embutida em meu corpo.

    Até que, de repente, sinto tudo queimar e uma dor imensa toma conta, como se todos os meus nervos se contraíssem de uma só vez.

    Empurro a mão de minha mestra para longe, levanto com dificuldade e ando de um lado para o outro.

    — Dona, acho que não…

    Paro de falar quando a olho: ela está imovel, como se estivesse congelada no tempo.

    “Que merda é essa?”

    Encaro o céu e vejo pássaros sobrevoando em uma lentidão exaustiva. Até o vento que bate contra as árvores está lento em um nível abismal.

    — Será que…

    Saco uma adaga de um dos bolsos secretos do moletom e arremesso em um pássaro. Ao sair do contato direto com meus dedos, ela também fica lenta.

    — Parece que tudo que não toco fica lento — murmuro.

    Pego uma pedra no chão e mantenho contato enquanto a balanço na palma da mão.

    — E tudo que toco volta ao tempo padrão. — Deixo a pedra cair e, assim como a adaga, ela fica lenta. — Hm, aparentemente não paro o tempo, mas sim o deixo lento. — Uma conta começa a se formar em minha mente. — Porra, se estiver certo, praticamente consigo parar o tempo. Isso é…

    De repente, uma dor indescritível se manifesta em meu peito. É como se estivesse sendo rasgado de dentro para fora.

    “Como eu cancelo isso?!”

    Forço a circulação de mana do meu corpo a parar e a dor consequentemente vai embora.

    Logo, outra sensação toma conta: exaustão.

    Como se tivesse corrido a uma semana sem parar, todo o corpo dói, sinto as pernas tremendo, os braços molengas, meus joelhos prestes a desabar…

    Olho para Dona e é nítido sua surpresa ao me ver a mais de 20 metros de distância.

    “Provavelmente pra ela simplesmente desapareci de seu colo e reapareci aqui.”

    — O que aconteceu? Qual sua volunge?!

    — Ela… ela é… — Apoio as mãos nos joelhos e começo a respirar pela boca. — Classe… classe…

    Minha visão embaça e perco todas as minhas forças. Enquanto caio, vejo tudo escurecer. Noto um pássaro com uma adaga cravada em sua pele caindo do céu.

    — Hadria! — A voz distante de Dona é a última coisa que ouço antes de perder a consciência.


    Abro os olhos e vejo que estou deitado em um quarto de hospital. Á minha frente, está um homem de jaleco olhando para um papel nas mãos.

    — Onde… onde eu tô? — Minha voz sai rouca.

    — Ah, sr. Hadria, que bom que acordou. — Ele vem até mim e coloca algo metálico sobre meu peito. — Estamos no andar médico da sede da Ceifa.

    — Dona… onde ela tá?

    — Hã? Ah, quer dizer a coronel ceifadora? Saiu a alguns…

    — Estou bem aqui.

    Olho e vejo minha mentora entrando pela porta do quarto. Tento levantar e, diferente do que esperava, fico de pé sem dificuldade e meu corpo não dói.

    — E então, doutor, o que aconteceu com ele?

    — Bem, acredito que tenha excedido o limite que o corpo podia suportar. — Me sento novamente sobre a cama e o encaro. — Isso é extremamente comum em despertares. Não se preocupe, curei todo o seu corpo.

    — Então… eu tô bem?

    — Isso mesmo. — Sua voz, antes suave e meiga, agora fica séria. — Mas, rapaz, não exceda o limite novamente. Qual sua volunge?

    “Será que devo dizer?”

    Para um despertado — assim é chamado quem possui um núcleo de mana — é estritamente importante manter sua volunge em segredo.

    Ao virar uma maldição, você se torna um ser transmorfo, ou seja: podem se transformar desde a forma de um dragão de três cabeças até um humano.

    Claro, a maioria das maldições preferem se manter em uma forma humanoide. Normalmente usam a aparência que possuíam antes de converterem-se em monstros.

    Então não pode-se dizer sua “arma secreta” tão facilmente, pois quem garante que aquele para quem está contando não é uma maldição?

    — Relaxa, Hadria. — Minha mentora interrompe meus pensamentos. — Ele é um antigo conhecido, pode falar.

    — Classe temporal. — O dr arregala os olhos.

    — T–temporal?! — Ele para por um momento, chocado. — Bom, isso explica muita coisa.

    — Como assim? — indaga minha mestra enquanto senta na cadeira ao lado da minha cama.

    — A classe temporal é conhecida por ser extremamente rara e forte… mas também tem a fama de possuir um preço muito alto. — Um clima pesado recai sobre o quarto, engulo em seco só de lembrar da sensação. — Se não souber usar essa habilidade direito, o usuário pode até…

    — Já chega — corta a mulher ao meu lado, o doutor estremece. — Pode ir.

    Sem disfarçar a pressa, começa a sair do quarto.

    — Espera! — grito, ele para na porta. — O usuário pode até o quê?

    Ele então me encara.

    — Morrer… o usuário pode até morrer.

    E então sai do quarto.

    GEILA:

    Onde ele tá? Onde ele tá? Onde ele tá?!

    Agora, no meu apartamento, estou andando de um lado para o outro enquanto espero alguém da Ceifa.

    Após os candidatos acordarem e deixarem o escritório da coronel, corri e contatei a Ceifa. Disse que precisava falar com o SupraPunhal, mas apenas riram.

    No fim, disseram que mandariam alguém para me ouvir, e se o que eu dissesse fosse importante, passariam para superiores.

    “Eles não fazem ideia, preciso avisá-los!”

    Mas como? Isso não pode ser real, é impossível!

    Plim!

    Ao ouvir a campainha tocar, corro até a porta. Olho pelo olho mágico e vejo um homem de terno. Consigo ver um crachá em seu peito:

    Ceifador: Jorge Omallei.

    “Graças a Deus!”

    Abro a porta.

    — Geila Possem?

    — Sim, entra!

    Puxo-o para dentro e, após me certificar de que ninguém observava no corredor, fecho a porta.

    — Então, senhorita, qual o pro-?! — Uma explosão interrompe sua frase.

    Sou jogada para trás. Zumbidos agonizantes agridem meus tímpanos.

    Abro os olhos e vejo meu apartamento está em chamas. Tento levantar, porém não consigo.

    Olho para minhas pernas e… elas não estão onde deveriam estar. Uma poça de sangue se forma à minha volta.

    Minha visão vai até a cozinha e, em meio a fumaça, enxergo um corpo de terno com a cabeça decepada.

    Medo, é o que preenche todo meu ser.

    Meu coração palpita tão rápido que meu corpo estremece a cada batida. Sinto o sangue ser bombeado freneticamente. A poça abaixo de mim aumenta a cada segundo.

    As chamas se aproximaram, e começo a rastejar até a janela. Porém vejo uma fratura aberta em meu braço.

    Um rastro de sangue fica por onde passo.

    “Estou no quarto andar, então se me jogar… posso sobreviver.”

    Chego até a janela, mas ao tentar abrir, ela emperra.

    — NÃO! NÃO! NÃO!

    Começo a tossir incessavelmente.

    A fumaça vai me matar, e caso não mate, o fogo vai.

    “Não! Ainda não…”

    Com todas as forças, me apoio na janela e começo a bater. Meu braço é rasgado ao meio, pendurado apenas por alguns nervos.

    A multidão na rua me observa. Alguns com celulares gravando, outros desesperados, entretanto noto uma pessoa familiar… alguém que vi a poucas horas.

    “Isso é impossível, como…”

    Minha visão começa a ficar turva, meus sentidos já não funcionam.

    As chamas então me alcançam e, após alguns segundos, sinto o abraço acolhedor da morte.


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