Capítulo 13 - Encontro na Avenida Sete
2º de março de 5997 d.E. – Avenida Sete, Cidade Celestial.
Era manhã, e a avenida de número sete, uma das principais da Cidade Celestial, já fervilhava com o movimento constante de pedestres e carruagens. Conhecida por suas lojas de itens cotidianos, a rua exibia vitrines repletas de vestidos luxuosos, tecidos finos, perfumes raros e uma infinidade de acessórios do dia a dia. Os barbeiros e cabeleireiros também tinham forte presença ali, e ofereciam os seus serviços as centenas de heróis que agora residiam na cidade.
Alice caminhava pela avenida, a mochila bem presa às costas e o saco de moedas guardado com segurança no bolso. Seu olhar curioso percorria as vitrines e os letreiros chamativos, mas ela não se deixava distrair. Na noite anterior, havia se hospedado em uma pequena pousada para moças nos arredores da cidade. O lugar era simples, não muito caro, e mesmo assim confortável.
Ali, ela conheceu algumas garotas que decidiram se manter longe das guildas e da vida de herói. A maioria trabalhava em funções menores: garçonetes, atendentes e vendedoras. Trabalhos estes, que exerceram na sua vida passada antes de chegar em Testfeld, e que decidiram continuar. Alice decidiu seguir esse caminho, a ideia de lutar contra monstros, ou entrar em uma guerra, não era palatável para ela. Então, ela havia se levantado aquela manhã com a ideia de procurar um emprego mundano naquela cidade, até que chegasse a hora de ir para casa.
A arquitetura da avenida possuía um charme inconfundível, com prédios de pedra esculpida e vitrais coloridos que refletiam a luz do sol matinal. O cenário encantava Alice, e a fazia esquecer, por breves momentos, a movimentação intensa ao seu redor. Perdida em pensamentos, não percebeu a aproximação silenciosa de alguém por trás dela. Apenas sentiu o peso de uma mão firme sobre seu ombro.
No mesmo instante, uma tela holográfica surgiu diante de seus olhos.
[Lamento Mudo – Nível Máximo]
(Habilidade Exclusiva de Nível 10 – Classe: Assassino)
Seu coração gelou.
— Você vem comigo… — sussurrou uma voz fria em seu ouvido.
Antes que pudesse reagir, dedos ásperos torceram seu braço para trás, e um puxão violento a fez cambalear. Ela tentou gritar, mas sua voz simplesmente não saiu. Ninguém parecia notar ela ou o homem. A multidão seguia seu fluxo natural, indiferente ao que acontecia no meio da principal avenida da cidade.
O homem a arrastou para um beco estreito, onde a luz mal penetrava. O cheiro de urina e lixo se misturava ao fedor de ferrugem e mofo. Uma nova voz soou, carregada de escárnio:
— Ora, ora… O que temos aqui?
Alice ergueu o olhar e viu um segundo homem surgir da penumbra. Ele não estava sozinho. Outros três capangas o acompanhavam, todos armados com espadas baratas, de lâminas mal cuidadas e cheias de marcas de uso. Mesmo assim, a vantagem era óbvia: eles eram mais fortes, mais experientes… e estavam em maior número.
O líder, um sujeito de dentes amarelados, lambeu os lábios, feliz por encontrar uma presa.
— Seja uma boa garota e entregue a grana…
— É tudo o que eu tenho! — protestou, sua voz havia finalmente voltado. — Tudo que me deram quando cheguei!
O líder riu, um som baixo e desprezível.
— E quem disse que eu me importo? Apenas passe as moedas — disse, ao dar um passo à frente
— Resistir só vai tornar o processo mais doloroso… — acrescentou o homem que a havia arrastado até ali, ao apertar os braços de Alice com mais força.
— Eu… eu não tenho muito — murmurou, ao sentir os dedos do homem apertarem mais seus braços.
— Ah, nós vamos ver isso… — O líder fez um sinal com a mão, e um dos capangas avançou para revistá-la.
Antes que as mãos asquerosas a tocassem, Alice fechou os olhos com medo, e reuniu toda a força que possuía. Em um movimento desesperado, torceu o corpo com violência e puxou os braços, conseguindo se soltar.
Seu agressor deu um passo em falso, surpreso. Ela abriu os olhos e, sem pensar, impulsionou a mão contra o rosto dele, e empurrou para trás com toda a sua força.
Foi então que sentiu o calor.
Um clarão crepitante iluminou o beco, e o cheiro de carne chamuscada se espalhou pelo ar. Alice prendeu a respiração ao ver as chamas se espalharem pelo braço do agressor. Ele gritou e recuou, ao tentar apagar o fogo em sua mão com a roupa.
O líder dos bandidos deu um passo para trás, o rosto meio assustado, porém, logo retornou com sua expressão de superioridade novamente.
— Usar uma habilidade dessas exige treino… — murmurou, impressionado. Então, inclinou a cabeça, um sorriso enviesado surgindo em seus lábios. — Mas também pode ser apenas desespero.
Ele girou a lâmina da espada nos dedos.
— Quando nós, heróis, estamos encurralados, às vezes despertamos nossas habilidades únicas…
Alice ficou calada. Ainda tentava entender o que acabara de acontecer. Ela tinha usado magia?
Antes que pudesse refletir mais, uma nova voz ecoou pela entrada do beco.
— Ei, vocês aí, que gritaria é essa?
Todos se viraram para encarar a silhueta de um jovem parado à entrada do beco. Ele usava um uniforme branco impecável, que contrastava com seus cabelos negros e o sorriso confiante, mais confiante até que o do líder dos bandidos.
— Não tem vergonha de ameaçar uma dama? — Vítor falou de maneira cordial, os olhos ansiosos pela luta.
O líder dos bandidos sorriu para ele, e deu a ordem para os seus capangas. O mais enérgico deles, avançou sem hesitar.
— Cale a boca, ninguém te chamou aqui!
A lâmina desceu com um zumbido e cortou o rosto de Vítor. Foi um corte superficial, mas a gota de sangue que escorreu e manchou o branco de seu uniforme pareceu congelar o agressor.
— Você… você nem se mexeu… — murmurou o capanga, ao arregalar os olhos surpreso.
Vítor passou a ponta dos dedos sobre o corte, e examinou o sangue com um leve interesse antes de erguer o olhar.
— E por que eu deveria desperdiçar esforço desviando de algo tão… patético?
O bandido soltou uma leve gargalhada, ao observar um de seus colegas atacar pelas costas de Vítor.
A lâmina atravessou o peito dele. E não aconteceu nada, nem um gemido de dor, nem uma gota de sangue. Era como se ele não estivesse ali, e seu corpo fosse feito de névoa. O agressor tropeçou para frente, confuso, os olhos arregalados.
Vítor sorriu perante a cena.
— Entendam… vocês só podem me acertar se eu permitir.
Ele bateu palmas, e manchas negras começaram a se espalhar pelo chão e pelas paredes do beco. Da escuridão, mãos esqueléticas de madeira emergiram, e se arrastaram para fora, ao puxar seus corpos. Em questão de segundos, o beco se encheu com uma dezena de marionetes de madeira, vestidas em uniformes napoleônicos azuis e vermelhos impecáveis, cada uma empunhava uma longa espada de aço que brilhava sob a luz fraca.
Os bandidos tentaram reagir. Alguns ergueram as espadas, outros tentaram correr. Nenhum deles teve sucesso. O beco escuro e sujo, se tornou vermelho pelo sangue. Quando tudo terminou, apenas um deles ainda respirava. O líder dos bandidos estava encostado contra a parede, o corpo coberto de feridas abertas. Seus olhos, outrora cheios de arrogância, agora refletiam apenas medo. Vítor se aproximou dele e sussurrou:
— Fez um ótimo trabalho… — murmurou, em um tom jocoso de elogio.
O homem tossiu, cuspindo sangue. Sua voz saiu fraca, mas carregada de ressentimento.
— Tínhamos um trato…
Vítor sorriu.
— Falaste bem. Tínhamos.
Uma das marionetes deu o último golpe de misericórdia, ao cravar sua espada no coração do líder. E logo em seguida, todas elas desapareceram no ar, como poeira jogada ao vento.
Alice assistiu a tudo, paralisada. O cheiro de sangue, os cadáveres espalhados, o horror da cena a atingiram como uma onda sufocante. Seu estômago revirou, e suas mãos tremiam incontrolavelmente.
Vítor se virou para ela, com um sorriso malicioso, e acrescentado um tom de falsa preocupação na voz:
— Está tudo bem? Eles te machucaram? — perguntou, como se a crueldade ao redor fosse nada mais que um cotidiano trivial.
Alice engoliu em seco, ao sentir o gosto amargo do vômito preso na garganta.
— Eu estou bem… Eu… consigo me virar sozinha! — Forçou as palavras, ao tentar manter a compostura.
— Mostre-me suas informações… — ordenou Vítor.
— O quê?
— Não te ensinaram? — Ele suspirou, como se explicasse algo óbvio. — Pegue seu broche e aperte-o com seu polegar.
— Não confio em você.
Vítor apontou para os corpos espalhados pelo chão.
— Se eu quisesse te matar, você já estaria morta… Ou duvida disso?
Alice não respondeu. Apenas obedeceu, embora a contra-gosto. Removeu o broche do bolso, e apertou o centro dele com o polegar direito. Imediatamente, uma grande tela se iluminou na frente dela.
Informações Primárias | |||
Nome | Alice | ||
Guilda | Nenhuma | Classe | Curandeira |
Alcunha | Nenhuma | Nível | 1 |
Pontuação Total | 0 | Experiência Total | 0 |
Posição Global | Sem Ranking | Modo de Jogo | Automático |
Alice arregalou os olhos.
— O que é isso?
— Sua interface de herói. Contém suas informações básicas e pode exibir seus atributos, habilidades e outras funções.
Vítor analisou a tela com interesse.
— Você chegou ontem, não foi?
Alice assentiu, com a cabeça confusa com tantas informações e o decorrer dos eventos.
— Seus poderes de fogo são interessantes… — comentou Vítor, ao desviar o olhar para o corpo chamuscado de um dos bandidos.
— Poder de fogo?
— Sim, você tem habilidades de fogo. Mas sua classe é curandeira… — Ele sorriu, e não parecia surpreso com nenhuma daquelas informações. — Um caso raro.
Alice sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Tudo aquilo era novo demais.
— E por que você se importa?
— Porque gosto de talentos promissores. Porque preciso de alguém com suas habilidades perto de mim.
Vítor deu um passo à frente.
— Venha, coloque sua mão no meu rosto.
Alice deu um passo para trás, o olhar desconfiado.
— Seu pervertido!
— Na ferida! — Ele revirou os olhos. — Você vai curá-la.
Antes que ela pudesse protestar, Vítor segurou delicadamente sua mão e a guiou até o corte em sua bochecha. O calor irradiou de seus dedos no instante em que tocaram a pele dele. Uma luz dourada pulsou brevemente, e a ferida se fechou completamente, como se nunca tivesse existido. Alice recuou de imediato, chocada. Já Vítor sorriu, satisfeito.
— Justamente o que eu preciso.
Ele estendeu a mão, e a cumprimentou.
— Meu nome é Vítor. Sou vice-líder da guilda dos Dragões do Sol, e estou te convidando para ser minha aprendiz.
Alice piscou, atônita.
— O quê?
— Digamos que você tem muito a aprender. E eu tenho muito a ganhar com suas habilidades de cura…
— E se eu recusar? — Alice permaneceu desconfiada, aquele garoto tinha um comportamento estranho, e ela sentia isso.
Vítor deu de ombros.
— Então você fica por conta própria. Mas, considerando o que aconteceu hoje, acha que realmente sobreviverá sozinha?
Ela desviou o olhar, sabia que ele estava certo, precisava de ajuda, precisava de companheiros.
— Então é um sim? Ótimo, me siga. Tenho um mundo inteiramente novo para lhe mostrar…
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