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    6 de março de 5997 d.E. – Fronteira Norte, Território Goblin.

    O grupo de Alice e Vítor não era o primeiro a chegar naquele dia. Dois outros grupos já haviam sido desembarcados na floresta para caçar goblins. A cada hora, um dirigível da cidade de Kamhongshan pousava em uma clareira no meio de uma grande floresta com imensas árvores centenárias, onde a única construção presente era uma estação de ancoragem para os veículos.

    Após o desembarque, os heróis se separavam e iniciavam a caçada, com prioridade em atacar cavernas com hordas. Não era um trabalho particularmente perigoso, mas também não oferecia grandes recompensas em experiência. O local era ideal para aventureiros de baixo nível aprimorarem suas habilidades, e a taxa de acidentes ali era consideravelmente baixa em comparação a outras zonas de caça espalhadas pelo mundo.

    Quando um herói concluía sua caçada, ele voltava e esperava pelo próximo transporte. Sentado próximo à estação de ancoragem, ele aguardava pacientemente até que o dirigível retornasse, com um novo grupo de heróis. No entanto, era essencial manter atenção ao horário. Após as seis da tarde, nenhum dirigível pousava mais, e qualquer um que perdesse a última viagem teria que pernoitar na floresta, e esperar o resgate na manhã seguinte.

    Mais adentro da floresta, próximo a um grande penhasco, um grupo de heróis avançava com cautela. Seguiam uma trilha de pegadas recém-descobertas por um dos membros da equipe, pertencente a classe “caçador”. O grupo estava sobre a liderança de um herói chamado de “Jack, Fogo Atrevido”, um espadachim de nível trinta e um e tenente da guilda dos “Cavaleiros de Inverno”. Jack era considerado um herói experiente, um dos primeiros a chegar em Testfeld, tinha cabelos preto encaracolados e pele escura, era bem musculoso, seus olhos cor de mel já haviam visto muita coisa, antes e depois de ele chegar em Testfeld.

    A missão do grupo era avaliar o potencial de novos recrutas, enquanto também os subia de nível.

    — Chegamos… — murmurou o caçador ao avistar uma pequena entrada escavada na rocha.

    Jack parou ao lado dele, e encarou a passagem estreita por alguns instantes antes de se virar para os demais.

    — Preparem suas armas e tochas. O primeiro grupo entra comigo, o segundo aguarda aqui. Combinado?

    Antes de cruzarem a entrada, Jack estendeu os braços, soltou um longo suspiro e libertou seu poder.

    [Bola de Fogo – VI]

    (Habilidade Simples de Nível 30 – Afinidade: Fogo)

    Ele não evocou uma simples bola de fogo, mas sim uma labareda incandescente O calor foi tão intenso que os companheiros de Jack sentiram gotas de suor escorrerem por suas testas. As chamas lambiam as paredes da entrada, e consumiram qualquer armadilha de madeira ou fios ocultos. Após alguns segundos de espera, Jack concluiu que o caminho estava seguro. Então, um grupo de quatro recrutas mais o tenente entrou pela caverna, com suas armas em uma mão, e as tochas na outra.

    A caverna era profunda, escavada na rocha de maneira rudimentar. As marcas irregulares nas paredes indicavam o trabalho apressado de mãos impacientes, e toras de madeira reforçavam o teto. Quanto mais avançavam, mais forte se tornava o cheiro pútrido de carne em decomposição. Então, o túnel se dividiu em dois. Um deles continuava a exalar um odor horrível, enquanto o outro era ligeiramente mais amplo e melhor estruturado. Jack não hesitou, escolheu o caminho maior.

    — Por que esse é o túnel certo, tenente? — questionou um dos recrutas.

    Jack seguiu em frente, sempre atento às marcas na parede e a qualquer sinal de armadilhas.

    — O cheiro do outro túnel. — Ele apontou com a tocha. — É lá que eles empilham os cadáveres de animais ou dos próprios goblins mortos. Depois, reaproveitam a carne para se alimentar e os ossos para fabricar ferramentas.

    O grupo silenciou por um momento, digerindo aquela informação. Até que, enfim, um dos recrutas quebrou o silêncio:

    — Eles… comem uns aos outros?

    — Nada incomum para uma raça bárbara como essa… — respondeu Jack sem demonstrar surpresa.

    — Nada estranho para uma raça bárbara como essa… 

    — Mas e aqueles goblins daquela cidade?

    — Goblins verdes? Então a única diferença entre eles é a cor da pele?

    Jack soltou um suspiro e explicou:

    — Os goblins vermelhos se separaram da colmeia há milênios. Com o tempo, perderam aquela coloração esverdeada e assumiram um tom avermelhado. Mas não foi só a cor que mudou. Eles desenvolveram um intelecto próximo ao dos humanos, o que permitiu que construíssem suas cidades e avançassem como civilização.

    Ele fez uma breve pausa, e encarou os jovens recrutas antes de concluir:

    — Goblins vermelhos são nossos aliados. Goblins verdes são nossos inimigos. Simples assim…

    Eles avançaram com cautela até uma curva no túnel. Do outro lado, uma intensa luz dourada se espalhava pelo corredor, como se houvesse um grande salão iluminado por tochas logo à frente.

    — Vou matar mais goblins que todos vocês! — exclamou um dos recrutas, empolgado ao ouvir os murmúrios distantes. Seu único pensamento era superar os colegas e ganhar mais experiência.

    Foi um erro.

    No instante em que ele cruzou a esquina, um som cortante preencheu o ar. Seus companheiros mal tiveram tempo de reagir antes de vê-lo ser lançado contra a parede, um virote de besta atravessado em seu peito.

    — Que diabos… — Jack ficou paralisado por um breve momento, incapaz de esconder o choque. Em todas as suas missões, jamais vira nada assim. Goblins verdes não tinham inteligência ou destreza para manejar bestas, pelo menos, era nisso que ele acreditava. Então… quem havia feito aquele disparo?

    Ele cerrou os dentes, o coração acelerado. Se tentasse espiar a esquina, seria o próximo a cair. Precisava pensar rápido.

    Antes que pudesse agir, um som familiar ecoou pelas paredes: uma risada rouca e distorcida.

    — Abaixem-se! — gritou Jack, ao jogar-se no chão e ordenar para os outros o imitarem.

    Dois recrutas obedeceram imediatamente, mas o terceiro ficou paralisado. Seu olhar fixou-se no companheiro caído, ainda com gemidos de dor. O moribundo, com o sangue na boca, esboçou um último sorriso fraco antes de seu corpo ficar inerte.

    Então, foi a vez do outro.

    Pequenos buracos se abriram nas paredes, e revelaram uma dezenas de goblins escondidos. Suas zarabatanas disparam em uníssono. Os dardos envenenados atingiram o recruta indefeso, que caiu de joelhos, a saliva escorria pela boca enquanto seu corpo convulsionava sob o efeito da toxina.

    [Corte do Vento – VI]

    (Habilidade Exclusiva de Nível 30 – Classe: Espadachim)

    Jack reagiu num instante. Girou sua espada em um arco preciso, e ativou a habilidade. Uma lâmina de vento varreu o túnel, e desviou e destruiu vários dardos antes que atingissem o resto do grupo. Sem hesitar, ele se abaixou para erguer o companheiro envenenado e o carregar nos braços.

    — Corram! — ordenou.

    Eles dispararam pelo túnel, sem olhar para trás. Haviam caído numa emboscada, e agora a única opção era fugir. Mas então, ao se aproximarem da encruzilhada de antes, perceberam que a saída estava bloqueada. Um goblin colossal estava de guarda, um pouco menor que o túnel. Sua pele esverdeada era marcada por cicatrizes, e ele empunhava um porrete de madeira feito de um tronco de árvore.

    Um dos recrutas, um caçador experiente, levou a mão ao rosto, e ativou sua habilidade de identificação.

    Goblin Capataz | Inimigo Duas Estrelas

    — Quantas estrelas? — perguntou Jack, enquanto passava o recruta inconsciente para os braços de outro e empunhava sua lâmina.

    — Duas estrelas.

    Jack sorriu.

    — Maravilha, será fácil de derrotar! Corram assim que possível!

    Sem hesitar, lançou-se contra o goblin. Apesar de sua expressão exalar confiança, sua mente estava repleta de dúvidas: “Inimigo de duas estrelas? Por que tem um desses aqui? Essa missão deveria ter apenas criaturas de uma estrela!”

    O impacto da lâmina contra o porrete do monstro ressoou pelo túnel.

    — Mesmo com essa emboscada, vocês continuam muito burros — bradejou, ao se agachar e desviar do ataque inimigo.

    O túnel era apertado demais para o porrete daquele goblin, e Jack era muito mais ágil, com sua pequena espada, conseguia fazer acrobacias perigosas.

    — Sinta a fúria do fogo! — gritou com toda a força, enquanto levantava sua espada para o alto e saltava contra o inimigo.

    [Corte do Fogo – VI]

    (Habilidade Exclusiva de Nível 30 – Classe: Espadachim)

    A espada foi cercada por uma chama viva, tão forte que iluminou o túnel como a luz do sol. O goblin fechou os olhos por um momento e levantou seu porrete para bloquear o golpe. Não foi eficaz. A lâmina cortou a madeira ao meio, e o goblin teve o mesmo destino. A lâmina de fogo desceu de forma transversal, e atingiu o peito do inimigo, e o cortou em dois como papel. O sangue esverdeado nem chegou a sujar Jack, evaporando pelo forte calor da espada.

    — Vamos! — Ele correu na frente do grupo, e estes o seguiram.

    Conseguia ver a entrada do túnel ao longe, e esperava encontrar seus companheiros do segundo grupo. Começou a escutar gritos.

    Gritos de dor e agonia. Alguma coisa havia dado errado. 

    Quando saiu do lado de fora, encarou seu grupo massacrado. Todos mortos, enquanto uma criatura humanoide de pele vermelha, com quatro braços, segurava um de seus companheiros, o último ainda com vida. Levantou sua espada em fúria, e atacou aquele monstro estranho da mesma forma que havia feito com o goblin capataz.

    — Sinta a fúria do fogo! — Jack atacou com toda a sua força, os olhos brilhantes de ódio pelo massacre dos seus companheiros.

    O ataque foi perfeito.

    Mas a criatura nem se moveu.

    Um dos braços livres simplesmente agarrou a espada em pleno ar.

    Jack sentiu o choque percorrer seu corpo. Seus olhos se arregalaram. Como…? Como aquilo era possível?

    Antes que pudesse reagir, a besta girou o punho, e arrancou a espada das mãos de Jack como se ele fosse uma criança armada com um galho inofensivo. Num movimento brutal, o lançou contra as rochas próximas.

    O impacto foi esmagador.

    A dor explodiu por seu corpo, cada osso em intensa agonia. Quando abriu os olhos, viu duas formas diante dele. Demorou um segundo para entender o que eram.

    Cabeças.

    As cabeças dos recrutas que haviam fugido com ele.

    Um arrepio gelado percorreu sua espinha. Por um instante, desejou ter morrido com eles.

    — Ainda vivo? — A voz feminina soou atrás dele, leve e divertida, como se não estivessem cercados por cadáveres.

    Com esforço, Jack se ergueu, os músculos protestando a cada movimento. Virou-se para encarar a dona da voz.

    Era uma jovem.

    Ela vestia roupas de aventureira, como um short de couro, e uma camisa branca de mangas curtas. Jack percebeu no mesmo instante que não era uma heroína. Orelhas de cachorro emergiam de seus cabelos dourados, e uma cauda volumosa balançava atrás dela. Seus olhos azuis brilhavam com uma curiosidade quase infantil.

    — Esse aqui parece forte! E também é super fofo. — Com um sorriso travesso, ela agarrou a cabeça de Jack e pressionou contra o peito. — Legal! Podemos ficar com ele? A chefe vai adorar uma presa tão apetitosa!

    Ela acariciava os cabelos dele como se se segurara um filhote indefeso, enquanto voltava seu olhar para a criatura de quatro braços.

    — Pode ser… Apenas assegure que ele não tenha nenhum defeito.

    A terceira voz veio da floresta.

    Jack ergueu a cabeça, ainda zonzo da pancada. Um novo oponente emergiu das sombras: um jovem de pequena estatura de feições serenas, vestindo um quimono branco. Em sua mão, uma espada de lâmina negra ainda gotejava sangue fresco.

    Jack tentou reagir, mas seu corpo não obedecia mais.

    — Bons sonhos! — a garota sussurrou, ao sorrir e lhe dar um grande beijo na testa.

    Então, a escuridão o engoliu.

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