Capítulo 23 - Dois
Já fazia mais de meia hora desde que Alice e Vítor haviam chegado à área de caça, e o progresso dela era constante. No caminho, encontraram vários goblins capatazes, e, toda vez que isso acontecia, Vítor os imobilizava com suas marionetes, e deixava Alice finalizá-los para obter experiência. Também enfrentaram pequenos grupos de goblins que vagavam fora das cavernas, e eliminaram todos sem dificuldade.
Agora, Alice havia atingido o nível três, acumulando 420 pontos de experiência. Com os dois pontos de atributo ganhos ao subir de nível, seguiu o conselho de Vítor e os investiu inteiramente no ataque. A diferença era notável, se antes precisava de pelo menos uma dúzia de bolas de fogo para derrubar um goblin capataz, agora conseguia abatê-los com seis a oito disparos concentrados.
Vítor observou sua respiração ofegante enquanto ela derrotava mais um inimigo.
— Cansada? — perguntou, sem deixar de analisar a evolução da garota.
— Um pouco… — respondeu Alice, ofegante. — Eles não param de vir…
— Vamos encontrar a caverna dessa horda. Quando destruirmos o ninho, tudo ficará mais calmo.
— Certo! — disse ela, ao se posicionar atrás dele e o seguir pela trilha.
Não demorou muito até que chegassem a um grande paredão de pedra. O local estava estranhamente deserto, nenhum sinal de goblins, nenhum rastro de movimentação recente. Algo não parecia certo, porém ele decidiu continuar.
— Lembra da terceira habilidade que eu lhe ensinei?
Alice assentiu e, sem hesitar, ergueu o braço, e avançou à frente de Vítor.
[Tocha Viva – I]
(Habilidade Simples de Nível 1 – Afinidade: Fogo)
Uma brasa intensa surgiu em sua mão, e uma luz trêmula foi projetada nas paredes úmidas da caverna. Eles avançaram lentamente. A cada passo, um odor forte e acre impregnava o ar, o cheiro de carne podre misturada com pedra molhada. Alice cobriu o nariz com o braço, mas isso pouco ajudou. Chegaram a uma encruzilhada. Dois túneis se estendiam diante deles: um à esquerda, outro à direita. Ambos mergulhavam na escuridão absoluta.
— Qual túnel? — perguntou Alice, hesitante, ainda na dianteira.
— Qual fede mais? — rebateu Vítor, um tom de ironia na voz.
Alice olhou para ele, desconfiada.
— Nós não vamos… — murmurou, ela já sabia a resposta, e a odiava.
— Vamos sim. Pegue o túnel fedido. — A resposta veio com um toque divertido, ele adorava observar as reações da garota.
Alice resmungou baixinho, e obedeceu, sempre com o nariz coberto. O fedor era insuportável, enjoativo, e por mais que tentasse ignorá-lo, não podia evitar uma dúvida crescente sobre a escolha de Vítor.
— E o outro túnel? — perguntou, ao olhar por cima do ombro e certificar-se que Vìtor estava atrás dela.
— Provavelmente uma emboscada. — Vítor respondeu sem hesitar. — Emboscadas goblins são ineficazes contra heróis geralmente, então muitos acham que o caminho certo é o que parece seguro… Só que, no fim, acabam entrando direto na armadilha, mas sem nenhuma consequência
Alice franziu a testa.
— Então, por que esse aqui fede tanto?
— Cadáveres. — Vítor respondeu diretamente. — Goblins não se importam com o cheiro do próprio covil. Quando terminam de comer, simplesmente largam os restos pelo chão.
Ela sentiu o estômago revirar, todavia forçou-se a continuar.
— Se emboscadas goblins são tão inofensivas, por que tanto medo? Podemos acabar com eles…
Por um breve momento, seu rosto empalideceu. Então, ele congelou no lugar.
— Vítor? Tudo bem? — Alice franziu a testa ao perceber sua hesitação.
De repente, ele se virou, os olhos arregalados.
— Temos que voltar. Agora!
Sem esperar resposta, disparou em direção à entrada da caverna.
— O quê? O que aconteceu? — Alice se forçou a acompanhar o ritmo dele, era díficil, Vítor era muito mais rápido.
— Deixei uma marionete escondida de vigia na entrada… e alguém acabou de entrar na caverna.
— Talvez seja outro grupo de heróis.
— Não é. Eu saberia se fosse.
Chegaram novamente à encruzilhada e foram recebidos por uma horda de goblins que os esperava de armas em punho. Os olhos das criaturas brilhavam com malícia na penumbra.
— Alice, agora!
A garota ergueu a mão instintivamente.
— Raio!
[Raio – I]
(Habilidade Simples de Nível 1 – Afinidade: Eletricidade)
Uma descarga elétrica percorreu os goblins, e saltou entre eles como uma corrente em cadeia. As criaturas mais próximas foram fulminadas instantaneamente, enquanto as mais afastadas convulsionavam antes de tombar.
O caminho estava livre.
— Ótimo, aqueles dois pontos de ataque valeram a pena. — Vítor saltou sobre os cadáveres sem perder tempo.
Alice seguiu logo atrás, ainda desconfiada.
— Tem certeza que não é outro grupo de heróis?
— Tenho! — Ele respondeu com convicção, os olhos fixos na saída da caverna. — Mas tem algo estranho… Ele saiu logo após de nós decidirmos voltar…
Alice também estranhou os olhos.
— Saiu?
Vítor apertou o passo.
— Se formos rápidos o bastante, ainda podemos alcançá-lo!
Vítor saiu da fenda no paredão de pedra e imediatamente avistou uma criatura colossal. Um ciclope de pele púrpura, com músculos que pareciam esculpidos em pedra e um único olho dourado.
O monstro segurava uma espada gigantesca, cuja lâmina tinha pelo menos três metros de comprimento, quase a metade da sua própria altura. Um detalhe estranho para um ciclope, já que essas criaturas preferiam esmagar seus inimigos com maças ou golpes brutos.
— Você não é um goblin. — Ele inclinou a cabeça, ao analisar a criatura. — E também não consegue entrar naquela caverna. Então… quem é você, grandalhão?
O ciclope pisou à frente, e o chão tremer.
— Dois! — gritou a criatura, com um tom gutural e feroz.
Vítor piscou com uma atitude curiosa.
— Dois? Seu nome é Dois?
O ciclope apontou sua espada direto para Vítor, como se o desafiasse.
— Dois!
— Ah… você quer lutar. — Um sorriso se formou no rosto de Vítor. — Isso me parece interessante.
— Dois! — O bicho levantou sua espada contra ele, e tentou o acertar.
O ciclope rugiu, levantou sua espada com ambas as mãos e desferiu um golpe poderoso. Vítor saltou para trás, sem nenhum problema para desviar. O impacto da lâmina contra o chão abriu uma pequena rachadura no chão.
Enquanto se afastava, Vítor observava atentamente. Os pensamentos e teorias borbulhando em sua mente:
“Ele está no mesmo estado que eu quando me transformo em Izanamou… Só consegue repetir o nome e nada mais.”
Isso significava que não era ele quem estava na caverna.
“Então quem quer que fosse… continua por perto.”
A presença que sentira antes ainda pairava no ar, oculta, silenciosa. Alguém os observava.
“Provavelmente está avaliando minha força antes de atacar.”
Vítor reprimiu uma risada. Se era um teste, ele também podia brincar.
“Tenho que fingir que sou fraco. Mas não muito.”
— Alice, fique longe, eu lido com ele — ordenou Vítor, a excitação pela batalha expressiva em sua voz.
— Tem certeza que não precisa da minha ajuda? — perguntou apenas por perguntar, sabia que não podia ajudar Vitor em nada contra um inimigo daqueles.
— Apenas impeça os goblins de saírem da caverna. Eu me viro…
Ele voltou o foco para o ciclope. Outro ataque estava a caminho. Vítor observou a espada gigantesca vir em sua direção, então saltou, e pousou com precisão sobre o fio da lâmina, ele se equilibrava com elegância. O ciclope o encarou, furioso com a audácia do herói.
— Dois! — rugiu, ao balançar a espada para derrubá-lo.
Vítor já não estava mais lá. Em um instante, moveu-se com velocidade sobre-humana, e apareceu atrás da criatura. Com um golpe devastador na nuca, fez o ciclope tombar, o rosto dele colidiu com violência contra o paredão de pedra.
— Um inimigo de quatro estrelas? — zombou. — Eu sou um herói cinco estrelas. Você foi fácil demais…
“Cinco estrelas? Estou sendo muito humildade, com meu poder atual devo estar oito ou nove estrelas.”
Ele sorriu ao ver o ciclope se levantar, ainda atordoado. Já esperava por isso. Seu golpe havia sido contido de propósito, não queria terminar a luta tão rápido.
“Tanto faz… É difícil saber quando você não tem uma barra de experiência.”
Por um momento, sentiu vontade de fazer um espetáculo, invocar suas marionetes e exibir toda a extensão de seu poder para amedrontar o observador oculto. Mas não podia se expor tanto. O melhor era manter as aparências.
Sem esforço, agarrou a imensa espada do ciclope como se erguesse uma pena e, com um único golpe, cortou a criatura ao meio.
— Como eu disse, fácil de derrotar…
Satisfeito, Vítor observou o corpo sem vida da criatura. Havia vencido sem revelar a verdadeira natureza de seus poderes e demonstrou informações mínimas ao inimigo.
— Vamos voltar para a clareira, Alice.
— Mas já?
— Nosso treino acabou. Quero chegar a Kamhongshan antes das lojas fecharem. Preciso fazer algumas compras.
Não era verdade. Ele só queria sair dali e juntar mais pistas antes de tomar qualquer decisão precipitada. A desculpa foi apenas conveniente.
— Se você diz…
Sem olhar para trás, deixaram o cadáver do ciclope e seguiram pela trilha em direção à estação de ancoragem, onde aguardariam o próximo dirigível.
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