Índice de Capítulo

    O avião de transporte cortava os céus com o som ritmado de suas quatro hélices. A fuselagem acinzentada se misturava às nuvens escuras, enquanto no interior da baia de carga, Herman Krieger permanecia sentado, o olhar distante, perdido em pensamentos. A seu lado, Mávros, em uma forma felina, dormia tranquilamente sobre um assento, o pelo negro subia e descia ao ritmo de respiração serena dele.

    Um dos tripulantes se aproximou. Vestia um uniforme militar negro, reforçado com uma armadura leve por cima. Seu capacete ocultava todo o rosto, e apenas a boca visível estava visível.

    — Herman, estamos chegando. Pronto para o salto?

    Herman deslizou a mão sobre a cabeça de Mávros, e despertou o pequeno gato com um afago.

    — Chegamos… — sussurrou de maneira baixa, para não assustá-lo.

    Mávros se espreguiçou preguiçosamente antes de saltar do assento. No meio da baia de carga, seu corpo começou a se transformar. Ele cresceu e se expandiu até assumir a forma de uma imensa águia negra, maior que um homem. Ele sacudiu as asas e resmungou:

    — Que missãozinha, hein? Joana não tinha mais ninguém para mandar? Que tal a Sedenta? Yoou? Xerife? Qualquer um! Eu estava tão feliz em Hunterburg! Pegava peixe fresco todos os dias!

    Herman deu de ombros, já acostumado com as reclamações da quimera.

    — Um dia sem peixe não vai te matar.

    — Como pode ter tanta certeza? Meu estômago é refinado! Posso morrer sem o meu companheiro diário!

    — Fico lisonjeado que me considere assim — respondeu Herman, com um toque de sarcasmo.

    — Não estava falando de você! — retrucou Mávros, ao bicar-lhe o ombro de leve.

    Um sinal soou dentro da aeronave, e a porta de carga se abriu com um silvo metálico. O vento gelado invadiu o compartimento. Herman se ergueu, e ajeitou seu casaco negro, e Mávros esticou as asas, pronto para o salto.

    — Segure firme… — instruiu Herman.

    Mávros fincou suas garras em duas alças costuradas nas costas do casaco de Herman.

    — Sua vida está nas minhas garras… — ironizou ele, antes de se lançar no vazio.

    Os dois despencaram dos céus, e o avião desapareceu no horizonte. O vento rugia ao redor deles, e o chão se aproximava mais e mais. Até que, no momento certo, Mávros abriu suas asas poderosas, e transformou a queda livre em um voo preciso.

    Eles deslizaram pelo ar até pousarem no topo de um penhasco, de onde podia-se enxergar toda a floresta. Mávros bateu as asas uma última vez antes de diminuir de tamanho, e assumir uma forma menor, capaz de se empoleirar confortavelmente no braço de Herman.

    — Então, procurar o herói? — indagou ele.

    — Comece a patrulha. Me avise se vir algo suspeito.

    Mávros inclinou a cabeça.

    — E se eu vir um goblin?

    — Estamos em território goblin. É óbvio que haverá goblins por aqui… Apenas ignore e foque na missão.

    — E se eu vir um “Rei Goblin”?

    Herman soltou um longo suspiro, e esfregou o rosto com uma das mãos.

    — Esta é uma área classificada como uma estrela de dificuldade… — Ele lançou um olhar irritado para Mávros. — Não vai ter uma criatura de cinco estrelas aqui.

    — Hm… — Coçou as penas com as garras. — Tenho certeza de que vi um “Rei Goblin” enquanto caíamos.

    — Foi só impressão. Você já se enganou antes.

    Mávros bicou a testa de Herman, ofendido.

    — Aquela vez no Império dos Quatro Reinos não foi culpa minha! Como eu ia saber que aqueles soldados eram de argila? Era tudo uma armadilha para nos enganar!

    Herman cerrou os punhos, e suspirou fundo para conter o ódio que sentiu ao lembrar-se do incidente.

    — Era uma tumba! Uma maldita tumba! — Ele teve que conter o impulso de esganar Mávros ali mesmo. — Você me fez invadir uma tumba amaldiçoada para lutar contra um exército de terracota!

    A águia, claramente satisfeita por ter irritado Herman, bateu as asas e alçou voo.

    — Procurar herói, aqui vou eu!

    — Me avise apenas se encontrar heróis! — gritou Herman, ao observar Mávros desaparecer entre as nuvens.

    Sem perder tempo, ele saltou do penhasco e desceu em meio às árvores, em busca de algum rastro que pudesse levá-lo até os heróis.

    “Essa área é imensa. A menos que esse maluco seja escandaloso, encontrá-lo vai ser como achar uma agulha num palheiro. Que ideia de girico essa da Joana…”

    Continuou caminhando, cada vez mais imerso em seus pensamentos e distraído com a própria frustração. Sem perceber, entrou em uma clareira recém-formada, evidente pelos tocos de árvores espalhados e as marcas das quedas no solo.

    “Acreditar num bilhete dizendo que um herói quer negociar pelo rubi? Isso fede a armadilha… e eu sou a isca.”

    — Três! — gritou uma voz rouca vinda da floresta.

    “Ué? Tem alguém contando? E com essa voz grave? É um fumante?.”

    Herman ergueu o olhar e congelou por um instante. Um gigante de pele laranja, três enormes chifres na cabeça e seis braços avançava na direção dele, com um grande tronco de árvore em cada mão.

    — Três! — repetiu a criatura, com um rosnado gutural.

    Herman suspirou, impaciente.

    — Não tenho tempo pra isso…

    Virou-se para continuar pela trilha, mas mal deu um passo antes de um tronco ser lançado contra ele com força brutal. Num piscar de olhos, desapareceu no ar, e evitou ser esmagado.

    O gigante ficou confuso.

    — Três…?

    Seus olhos percorreram a clareira, mas Herman havia sumido.

    — Irritante e insistente, você sabia? — ecoou a voz de Herman.

    O monstro girou a cabeça, ao tentar localizar a origem do som. Herman reapareceu na sombra de uma das árvores, do outro lado da clareira.

    — Enfim, arrume outro idiota pra lutar.

    Ele se virou novamente, mas outro tronco voou na sua direção. Com um suspiro resignado, Herman sumiu no ar mais uma vez e reapareceu na mesma sombra de antes.

    — Já que insiste tanto…

    Ele abriu o casaco e puxou uma arma, não qualquer arma, mas uma MG.42, modificada para disparar balas abençoadas. Sem hesitação, apertou o gatilho.

    O rugido da metralhadora cortou a floresta como trovão. A enxurrada de projéteis perfurou o corpo do gigante, e rasgou carne e ossos em uma tempestade de balas. A criatura urrou, recuou cambaleante e, por fim, tombou no chão com um baque ensurdecedor.

    Mávros pousou em um dos tocos de árvore, analisando a cena com aparente interesse. Herman guardou a arma de volta no casaco mágico e lançou um olhar irritado para seu companheiro.

    — Mávros, por que não me avisou sobre ele?

    A quimera balançou as asas num gesto despreocupado.

    — Você me disse para avisar apenas sobre heróis. E eu, como uma boa quimera obediente, sigo fielmente as ordens do meu superior.

    Se tivesse um rosto mais expressivo, sem dúvida exibiria um sorriso de pura zombaria.

    — Lembra que disse que havia visto um “Rei Goblin”? — Herman voltou para a trilha recém-encontrada na floresta.

    — Tenho certeza que vi! — Mávros gritou, ao voltar a sobrevoar os céus em patrulha.

    — Acredito em você… — murmurou baixo, ao lançar um último olhar para o gigante morto.

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