Índice de Capítulo

    Presas de Prata rangeu os dentes, mas não disse uma palavra. Recusar significava admitir fraqueza; aceitar era cair em uma armadilha cujo propósito desconhecia.

    — Vou interpretar isso como um “sim”. — Herman apertou o gatilho.

    Os seis disparos cortaram o ar em sucessão, rápidos e certeiros. Presas de Prata bateu o cabo do machado no chão, e ergueu o braço esquerdo. Um escudo de madeira brotou de sua carne como uma extensão natural, e absorveu os impactos. Então, em seguida, o escudo recuou de volta para o braço dele, e os projéteis caíram no chão, sem o ferirem.

    — Agora você tem toda a minha atenção… — Herman guardou a arma no coldre e sacou suas adagas duplas.

    O felino avançou com ferocidade renovada, movendo-se mais rápido que antes, seu machado traçando um arco devastador no ar. Mas Herman já não estava lá. Antes que o golpe pudesse alcançá-lo, ele desapareceu na penumbra, sua forma se esvaindo como névoa. Quando Presas de Prata percebeu, Kingslayer já havia emergido de outra sombra, observando-o com um sorriso discreto.

    — Com certeza não é um oponente habitual, faz muitos anos que não luto contra alguém do meu calibre! — O felino levantou suas mãos para o alto, com o punho fechado.

    — Não posso dizer o mesmo. Nunca tive o prazer de lutar seriamente contra alguém do meu nível.

    — Como sempre, vocês, lacaios de um imperador morto, se acham superiores a nós! — A cada ataque, sua velocidade aumentava, se continuasse nesse ritmo, talvez conseguisse acertar o oponente em algumas muitas tentativas.

    — Não achamos. — A voz de Herman era tranquila, quase entediada. — É uma verdade irrefutável. Dez sempre será menor que um milhão.

    — Estão errados! Em breve, nossa raça atingirá o ápice da evolução! Não… nós já atingimos!

    Herman soltou um riso seco.

    — Palavras sem provas são apenas palavras. Me entretenha com esse seu “ápice”.

    Presas de Prata enfiou a mão no bolso e retirou uma pedra escura, gravada com runas em relevo, havia um grande X de um dos lados da pedra.

    — Sabe o que é isso?

    Os olhos de Herman brilharam por um instante ao reconhecer o objeto.

    — Uma runa mágica de supressão de nível dez. — Ele arqueou a sobrancelha, surpreso. — Me impressiona que um ser mágico como você consiga segurá-la.

    — Este é o nosso ápice.

    — Segurar uma pedra? — A voz de Mávros, que assistia à luta, carregava um tom zombeteiro. Um riso ficou preso em sua garganta. — Que conquista impressionante.

    — Não zombe de mim, águia maldita! — rosnou Presas de Prata, ao cerrar os dentes.

    Herman o encarou, permanecia entediado. A luta estava desbalanceada, e aquele selvagem não representava uma ameaça real. Todavia, algo estava prestes a mudar.

    — Continue, antes que eu perca a paciência e decida erradicar sua existência… e, quem sabe, declarar a extinção da sua espécie.

    Presas de Prata arreganhou os dentes em um sorriso selvagem, seus olhos brilhantes com fanatismo. O desejo de vingança permanecia ardente em seu peito.

    — Testemunhe! Sim, testemunhe o verdadeiro significado da evolução! O ápice absoluto da nossa espécie!

    Com um movimento firme, ele esmagou a runa mágica na palma da mão. A pedra se desfez em pó, e dissolveu-se no ar como cinzas ao vento. Num instante, tudo mudou. A brisa tranquila que agitava a folhagem se transformou em rajadas ferozes, e acima de Herman, uma barreira acinzentada tomou forma, ele havia sido selado com o selvagem em uma improvisada arena de combate.

    Herman observou a mudança, sua expressão se manteve séria e desinteressada, mas seu olhar se aguçou.

    — Deve ser um poder bem impressionante para justificar destruir um artefato tão raro quanto uma runa dessas. — Ele ergueu as adagas, e assumiu uma postura defensiva. 

    Seu tom podia carregar uma carga de arrogância, todavia ele não era tolo, ele sabia que o jogo havia mudado. Agora, aquele selvagem era uma ameaça concreta.

    Presas de Prata avançou como um relâmpago.

    — E agora, como pretende escapar de mim?

    O machado desceu em um golpe avassalador. Pela primeira vez, Herman não se dissolveu nas sombras. Em vez disso, ergueu as adagas e aparou o ataque. O impacto foi brutal. A força sobre-humana do felino o lançou para trás. Seus pés se arrastaram no solo enquanto ele recuperava o equilíbrio.

    Presas de Prata gargalhou.

    — O que foi? Não consegue mais ativar suas habilidades?

    Herman se ergueu lentamente, e girou os ombros, uma dor faiscante em seus músculos.

    — Hmph. Um truque interessante… — disse ele, sua voz carregada de uma curiosidade perigosa.

    Presas de Prata ergueu os punhos, triunfante.

    — Este é o nosso ápice!

    — Ainda não vi nada de incrível — murmurou Herman. 

    Era uma tentativa de desestabilizar o oponente, forçá-lo a revelar sua estratégia e compreender a verdadeira intenção atrás da invocação de uma runa de restrição.

    Presas de Prata bateu no chão com o cabo do machado. Instantaneamente, vinhas irromperam das árvores ao redor, e serpentearam em sua direção. Raízes emergiam do solo como garras famintas. Toda a floresta parecia despertar, moviam-se com um único propósito: esmagá-lo.

    Foi então que Herman compreendeu.

    “Afinidade com madeira… Devia ter percebido antes, quando ele conjurou aquele escudo do próprio braço. Agora é tarde.”

    Ele saltou para trás, e usou suas lâminas como facões, para cortar as vinhas antes que o agarrassem. Era, de certa forma, ineficaz. A vegetação se regenerava e continuava a avançar, sem dar um único segundo de trégua. Galhos se entrelaçavam para barrar sua fuga, troncos torciam-se, e fechavam-se ao seu redor. 

    Em um momento final, parecia estar cercado, e não havia para onde escapar. Girou no ar com precisão calculada, Herman desviou no último instante, ao saltar por cima das centenas de galhos e cair para longe da vegetação viva.

    — Interessante… Parece que seus poderes não foram selados pela runa de supressão — ele comentou, os olhos afiados atentos a cada detalhe em busca de uma brecha ou fraqueza.

    Presas de Prata ergueu uma das mãos, enquanto a outra permanecia firme no cabo do machado. Seu sorriso era o de um predador certo da vitória.

    — Nossa vingança contra a humanidade e tudo que ela representa… está apenas começando. 

    Herman soltou um riso seco, apesar do cansaço que já começava a pesar em seus músculos.

    — Interessante… — murmurou, e então avançou.

    A cada galho que se aproximava, uma lâmina o partia ao meio. Se uma árvore tentava bloqueá-lo, um único golpe certeiro estilhaçava a madeira como vidro. Nada conseguiria detê-lo agora.

    Presas de Prata conjurou seu escudo de madeira instintivamente, mas foi um erro. As adagas de Burain não eram armas comuns, penetraram a defesa sem esforço, rasgando sua proteção como se fosse papel. Ele rangeu os dentes, forçado a erguer o machado para bloquear o golpe seguinte.

    Por um breve instante, a vegetação parou de crescer.

    Herman sorriu.

    — Agora entendi — afirmou, ao pressionar suas adagas contra a lâmina do machado duplo, em um teste de força. — Você não vai mais ativar sua habilidade.

    Presas de Prata rosnou, a frustração era uma tempestade em sua mente, e o deixava mais distraído do que focado. O peso da derrota começava a se insinuar em seus pensamentos. Não podia permitir que aquilo continuasse. A qualquer momento, a barreira de supressão desapareceria, e deixaria vulnerável diante de um inimigo irritado com uma habilidade perigosa e de certa forma, desconhecida. Ele precisava acabar com aquela luta agora.

    Saltou para trás, ainda tinha esperança de recuperar o controle do combate. Levantou o machado, pronto para bater a ponta do cabo no chão e invocar seu poder.

    — Já avisei… — Herman moveu-se com velocidade implacável, e desferiu um golpe de cima para baixo. — Você não vai ativar sua habilidade novamente.

    O golpe atingiu o peito de Presas de Prata, e abriu um corte profundo na armadura. O impacto o fez recuar, os olhos arregalados ao perceber o quão perto esteve da morte. Apenas alguns centímetros, ou a falta de um equipamento de batalha adequado, e suas entranhas teriam sido dilaceradas.

    — Se você se render agora, terei piedade da sua alma — murmurou Herman, erguendo as adagas. — Estou curioso para entender sua habilidade.

    Seu olhar brilhava de um jeito diferente. Até aquele momento, os olhos de Herman variavam entre o desinteresse e uma curiosidade fria. Agora, porém, expressavam algo muito mais sombrio. Desejo de matar. Sede de sangue. Ódio.

    Presas de Prata sentiu um calafrio correr por sua espinha. Seu coração acelerou, e o instinto de sobrevivência rugiu dentro dele. Pela primeira vez, o temor da morte o dominou.

    Ele hesitou por um segundo. Depois, tomou sua decisão.

    — Desfazer! — bradou.

    A barreira acinzentada que envolvia a área desapareceu instantaneamente.

    — Mice! Me ajude!

    Uma pequena figura surgiu ao seu lado: um garoto franzino, de cerca de oito anos, vestindo roupas simples de camponês. Pequenas orelhas de rato despontavam em sua cabeça, e seus grandes olhos vermelhos tremiam de medo.

    Herman observou a cena com desdém.

    — Ainda tem a coragem de pedir ajuda…

    Sua silhueta se fundiu às sombras, e num instante ele ressurgiu ao lado dos dois.

    — Mice agora! Nos tire daqui! — Presas de Prata gritou, a voz desesperada.

    — Ele está muito perto! — respondeu o garoto.

    Sem pensar muito, Presas agarrou Mice e o jogou sobre os ombros, e disparou entre as copas das árvores com saltos ágeis e desesperados entre os galhos. Isso não desanimou Herman, que continuou na perseguição, teleportando-se entre as sombras das árvores. Cada vez que Presas olhava para trás, via que a distância entre eles diminuía.

    — Ative sua habilidade! — ordenou Presas, ainda em pânico.

    — Eu não consigo! Já disse! Ele está muito perto!

    De repente, o solo à frente se rompeu em um vórtice de escuridão, um buraco profundo surgindo do nada.

    — Ali! — Mice apontou.

    Sem hesitar, o selvagem saltou com o garoto nos braços e mergulhou no abismo. Assim que seus corpos desapareceram, o buraco se fechou atrás deles, como se jamais tivesse existido.

    Por um momento, o silêncio dominou a floresta.

    Mávros se aproximou, observando o local onde os inimigos desapareceram.

    — E agora? — perguntou.

    Herman sorriu, os olhos carregados de interesse.

    — Eles me deixaram curioso… Avise Joana que encontrei algo interessante…

    Ele guardou as adagas e olhou para a floresta silenciosa. Ele ainda os encontraria. E, quando isso acontecesse, descobriria exatamente quem eram, e o que estavam planejando.

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