Capítulo 29 - Runa de Supressão
Presas de Prata rangeu os dentes, mas não disse uma palavra. Recusar significava admitir fraqueza; aceitar era cair em uma armadilha cujo propósito desconhecia.
— Vou interpretar isso como um “sim”. — Herman apertou o gatilho.
Os seis disparos cortaram o ar em sucessão, rápidos e certeiros. Presas de Prata bateu o cabo do machado no chão, e ergueu o braço esquerdo. Um escudo de madeira brotou de sua carne como uma extensão natural, e absorveu os impactos. Então, em seguida, o escudo recuou de volta para o braço dele, e os projéteis caíram no chão, sem o ferirem.
— Agora você tem toda a minha atenção… — Herman guardou a arma no coldre e sacou suas adagas duplas.
O felino avançou com ferocidade renovada, movendo-se mais rápido que antes, seu machado traçando um arco devastador no ar. Mas Herman já não estava lá. Antes que o golpe pudesse alcançá-lo, ele desapareceu na penumbra, sua forma se esvaindo como névoa. Quando Presas de Prata percebeu, Kingslayer já havia emergido de outra sombra, observando-o com um sorriso discreto.
— Com certeza não é um oponente habitual, faz muitos anos que não luto contra alguém do meu calibre! — O felino levantou suas mãos para o alto, com o punho fechado.
— Não posso dizer o mesmo. Nunca tive o prazer de lutar seriamente contra alguém do meu nível.
— Como sempre, vocês, lacaios de um imperador morto, se acham superiores a nós! — A cada ataque, sua velocidade aumentava, se continuasse nesse ritmo, talvez conseguisse acertar o oponente em algumas muitas tentativas.
— Não achamos. — A voz de Herman era tranquila, quase entediada. — É uma verdade irrefutável. Dez sempre será menor que um milhão.
— Estão errados! Em breve, nossa raça atingirá o ápice da evolução! Não… nós já atingimos!
Herman soltou um riso seco.
— Palavras sem provas são apenas palavras. Me entretenha com esse seu “ápice”.
Presas de Prata enfiou a mão no bolso e retirou uma pedra escura, gravada com runas em relevo, havia um grande X de um dos lados da pedra.
— Sabe o que é isso?
Os olhos de Herman brilharam por um instante ao reconhecer o objeto.
— Uma runa mágica de supressão de nível dez. — Ele arqueou a sobrancelha, surpreso. — Me impressiona que um ser mágico como você consiga segurá-la.
— Este é o nosso ápice.
— Segurar uma pedra? — A voz de Mávros, que assistia à luta, carregava um tom zombeteiro. Um riso ficou preso em sua garganta. — Que conquista impressionante.
— Não zombe de mim, águia maldita! — rosnou Presas de Prata, ao cerrar os dentes.
Herman o encarou, permanecia entediado. A luta estava desbalanceada, e aquele selvagem não representava uma ameaça real. Todavia, algo estava prestes a mudar.
— Continue, antes que eu perca a paciência e decida erradicar sua existência… e, quem sabe, declarar a extinção da sua espécie.
Presas de Prata arreganhou os dentes em um sorriso selvagem, seus olhos brilhantes com fanatismo. O desejo de vingança permanecia ardente em seu peito.
— Testemunhe! Sim, testemunhe o verdadeiro significado da evolução! O ápice absoluto da nossa espécie!
Com um movimento firme, ele esmagou a runa mágica na palma da mão. A pedra se desfez em pó, e dissolveu-se no ar como cinzas ao vento. Num instante, tudo mudou. A brisa tranquila que agitava a folhagem se transformou em rajadas ferozes, e acima de Herman, uma barreira acinzentada tomou forma, ele havia sido selado com o selvagem em uma improvisada arena de combate.
Herman observou a mudança, sua expressão se manteve séria e desinteressada, mas seu olhar se aguçou.
— Deve ser um poder bem impressionante para justificar destruir um artefato tão raro quanto uma runa dessas. — Ele ergueu as adagas, e assumiu uma postura defensiva.
Seu tom podia carregar uma carga de arrogância, todavia ele não era tolo, ele sabia que o jogo havia mudado. Agora, aquele selvagem era uma ameaça concreta.
Presas de Prata avançou como um relâmpago.
— E agora, como pretende escapar de mim?
O machado desceu em um golpe avassalador. Pela primeira vez, Herman não se dissolveu nas sombras. Em vez disso, ergueu as adagas e aparou o ataque. O impacto foi brutal. A força sobre-humana do felino o lançou para trás. Seus pés se arrastaram no solo enquanto ele recuperava o equilíbrio.
Presas de Prata gargalhou.
— O que foi? Não consegue mais ativar suas habilidades?
Herman se ergueu lentamente, e girou os ombros, uma dor faiscante em seus músculos.
— Hmph. Um truque interessante… — disse ele, sua voz carregada de uma curiosidade perigosa.
Presas de Prata ergueu os punhos, triunfante.
— Este é o nosso ápice!
— Ainda não vi nada de incrível — murmurou Herman.
Era uma tentativa de desestabilizar o oponente, forçá-lo a revelar sua estratégia e compreender a verdadeira intenção atrás da invocação de uma runa de restrição.
Presas de Prata bateu no chão com o cabo do machado. Instantaneamente, vinhas irromperam das árvores ao redor, e serpentearam em sua direção. Raízes emergiam do solo como garras famintas. Toda a floresta parecia despertar, moviam-se com um único propósito: esmagá-lo.
Foi então que Herman compreendeu.
“Afinidade com madeira… Devia ter percebido antes, quando ele conjurou aquele escudo do próprio braço. Agora é tarde.”
Ele saltou para trás, e usou suas lâminas como facões, para cortar as vinhas antes que o agarrassem. Era, de certa forma, ineficaz. A vegetação se regenerava e continuava a avançar, sem dar um único segundo de trégua. Galhos se entrelaçavam para barrar sua fuga, troncos torciam-se, e fechavam-se ao seu redor.
Em um momento final, parecia estar cercado, e não havia para onde escapar. Girou no ar com precisão calculada, Herman desviou no último instante, ao saltar por cima das centenas de galhos e cair para longe da vegetação viva.
— Interessante… Parece que seus poderes não foram selados pela runa de supressão — ele comentou, os olhos afiados atentos a cada detalhe em busca de uma brecha ou fraqueza.
Presas de Prata ergueu uma das mãos, enquanto a outra permanecia firme no cabo do machado. Seu sorriso era o de um predador certo da vitória.
— Nossa vingança contra a humanidade e tudo que ela representa… está apenas começando.
Herman soltou um riso seco, apesar do cansaço que já começava a pesar em seus músculos.
— Interessante… — murmurou, e então avançou.
A cada galho que se aproximava, uma lâmina o partia ao meio. Se uma árvore tentava bloqueá-lo, um único golpe certeiro estilhaçava a madeira como vidro. Nada conseguiria detê-lo agora.
Presas de Prata conjurou seu escudo de madeira instintivamente, mas foi um erro. As adagas de Burain não eram armas comuns, penetraram a defesa sem esforço, rasgando sua proteção como se fosse papel. Ele rangeu os dentes, forçado a erguer o machado para bloquear o golpe seguinte.
Por um breve instante, a vegetação parou de crescer.
Herman sorriu.
— Agora entendi — afirmou, ao pressionar suas adagas contra a lâmina do machado duplo, em um teste de força. — Você não vai mais ativar sua habilidade.
Presas de Prata rosnou, a frustração era uma tempestade em sua mente, e o deixava mais distraído do que focado. O peso da derrota começava a se insinuar em seus pensamentos. Não podia permitir que aquilo continuasse. A qualquer momento, a barreira de supressão desapareceria, e deixaria vulnerável diante de um inimigo irritado com uma habilidade perigosa e de certa forma, desconhecida. Ele precisava acabar com aquela luta agora.
Saltou para trás, ainda tinha esperança de recuperar o controle do combate. Levantou o machado, pronto para bater a ponta do cabo no chão e invocar seu poder.
— Já avisei… — Herman moveu-se com velocidade implacável, e desferiu um golpe de cima para baixo. — Você não vai ativar sua habilidade novamente.
O golpe atingiu o peito de Presas de Prata, e abriu um corte profundo na armadura. O impacto o fez recuar, os olhos arregalados ao perceber o quão perto esteve da morte. Apenas alguns centímetros, ou a falta de um equipamento de batalha adequado, e suas entranhas teriam sido dilaceradas.
— Se você se render agora, terei piedade da sua alma — murmurou Herman, erguendo as adagas. — Estou curioso para entender sua habilidade.
Seu olhar brilhava de um jeito diferente. Até aquele momento, os olhos de Herman variavam entre o desinteresse e uma curiosidade fria. Agora, porém, expressavam algo muito mais sombrio. Desejo de matar. Sede de sangue. Ódio.
Presas de Prata sentiu um calafrio correr por sua espinha. Seu coração acelerou, e o instinto de sobrevivência rugiu dentro dele. Pela primeira vez, o temor da morte o dominou.
Ele hesitou por um segundo. Depois, tomou sua decisão.
— Desfazer! — bradou.
A barreira acinzentada que envolvia a área desapareceu instantaneamente.
— Mice! Me ajude!
Uma pequena figura surgiu ao seu lado: um garoto franzino, de cerca de oito anos, vestindo roupas simples de camponês. Pequenas orelhas de rato despontavam em sua cabeça, e seus grandes olhos vermelhos tremiam de medo.
Herman observou a cena com desdém.
— Ainda tem a coragem de pedir ajuda…
Sua silhueta se fundiu às sombras, e num instante ele ressurgiu ao lado dos dois.
— Mice agora! Nos tire daqui! — Presas de Prata gritou, a voz desesperada.
— Ele está muito perto! — respondeu o garoto.
Sem pensar muito, Presas agarrou Mice e o jogou sobre os ombros, e disparou entre as copas das árvores com saltos ágeis e desesperados entre os galhos. Isso não desanimou Herman, que continuou na perseguição, teleportando-se entre as sombras das árvores. Cada vez que Presas olhava para trás, via que a distância entre eles diminuía.
— Ative sua habilidade! — ordenou Presas, ainda em pânico.
— Eu não consigo! Já disse! Ele está muito perto!
De repente, o solo à frente se rompeu em um vórtice de escuridão, um buraco profundo surgindo do nada.
— Ali! — Mice apontou.
Sem hesitar, o selvagem saltou com o garoto nos braços e mergulhou no abismo. Assim que seus corpos desapareceram, o buraco se fechou atrás deles, como se jamais tivesse existido.
Por um momento, o silêncio dominou a floresta.
Mávros se aproximou, observando o local onde os inimigos desapareceram.
— E agora? — perguntou.
Herman sorriu, os olhos carregados de interesse.
— Eles me deixaram curioso… Avise Joana que encontrei algo interessante…
Ele guardou as adagas e olhou para a floresta silenciosa. Ele ainda os encontraria. E, quando isso acontecesse, descobriria exatamente quem eram, e o que estavam planejando.
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