Capítulo 3 - Chefe Seis Estrelas (Parte II)
Pouco tempo depois, o grupo apareceu, suas silhuetas destacadas contra a luz dos lampiões a gás que carregavam. Eram onze cavaleiros, jovens rapazes aparentando dezesseis ou dezessete anos. Vestiam uniformes militares cinza-escuro, bem ajustados, com botas engraxadas e capas curtas que balançavam suavemente ao ritmo dos cavalos. Na dianteira, os líderes do grupo exibiam um emblema bordado no peito: a silhueta de um lobo uivando para a lua, símbolo de alguma ordem ou patrulha.
Um dos rapazes, montado no cavalo mais robusto e com uma postura que denunciava sua liderança, levantou a mão, e sinalizou ao grupo que reduzisse a marcha. Aproximou-se de Herman, e o cumprimentou em tom amigável:
— Boa noite, senhor! Está perdido? Precisa de ajuda?
Herman manteve-se calmo, os olhos fixos na estrada à frente, ele evitava encarar diretamente o grupo.
— Não se preocupem comigo, valentes soldados da nossa majestade — respondeu, sua voz baixa e controlada, porém que ainda impunha uma certa autoridade. — Apenas um velho que perdeu a hora.
Os jovens trocaram olhares breves, e estranharam a postura do senhor que caminhava sozinho. Embora suas palavras fossem simples e diretas, havia algo em sua postura que os incomodava profundamente. Era o tom controlado demais, a indiferença calculada com que ele os tratava, como se fossem insignificantes.
— Não é seguro andar sozinho por essas partes, senhor… — insistiu o mesmo rapaz, agora com um tom mais firme, embora a preocupação ainda transparecesse. — Há rumores de atividades estranhas por aqui. Bandidos e… outras coisas.
Herman ergueu finalmente o olhar para o grupo, seus olhos capturaram a luz dos lampiões e brilharam na escuridão da noite. Os cavaleiros, que antes o consideravam apenas um velho perdido a noite, ficaram surpresos. Diante deles, o homem parecia muito mais jovem do que haviam imaginado, não mais que quarenta anos.
Mas o que realmente os deixou desconfortáveis foi a estranha e fina aura negra que emanava dele. Era como se cada detalhe em Herman, o olhar fixo, a postura impecável, a tranquilidade fria, gritasse perigo. Apenas o encarar fazia seus instintos clamarem por cautela, como se estivessem diante de uma fera à espreita, pronta para atacar ao menor movimento em falso.
— E quem são vocês? — questionou Herman, sua voz calma e pacífica, porém a expressão de desconfiança no rosto.
— Heróis, senhor… — disse um segundo jovem, ele tentava manter a compostura. Sua voz, levemente trêmula, revelava o nervosismo que ele tentava esconder ao encarar Herman diretamente. — Somos membros da guilda dos Lobos Cinza. Fomos enviados para patrulhar a estrada. Por acaso o senhor não encontrou o outro grupo? Eles deveriam ter cruzado conosco há mais de uma hora…
— Estou nesta estrada desde que o relógio bateu as doze badaladas, e não cruzei com nenhuma alma viva… — afirmou, sua voz firme e sem emoção, como se estivesse narrando um fato incontestável.
O líder do grupo, inquieto, balançou a cabeça em agradecimento.
— Entendido. Isso é tudo, obrigado pela informação. Tenha uma boa noite, senhor, e tome cuidado. — Ele fez um gesto para o grupo se reorganizar e retomar a marcha.
— Espere um minuto… — disse um terceiro cavaleiro. Levou a mão direita ao rosto, e formou um círculo com os dedos sobre o olho, como se fizesse um monóculo. De repente, uma tela holográfica brilhou no ar diante dele.
[Identificar Alvo – II]
(Habilidade Exclusiva de Nível 10 – Classe: Caçador)
A habilidade foi ativada, e após alguns segundos, outra tela apareceu sobre a cabeça de Herman, visível apenas para o usuário da habilidade.
Herman Krieger | Chefe Seis Estrelas
O cavaleiro engoliu em seco, o terror estampado em seu rosto antes mesmo de abrir a boca para alertar os companheiros.
Herman suspirou pesado, claramente não feliz por ser obrigado a lutar novamente naquele noite.
— Vocês realmente deveriam ter continuado seu caminho… — murmurou, ao desembainhar sua espada em um movimento lento. O metal brilhou à luz dos lampiões, e o aura negra, antes suave e calma, se expandiu para todos os lados, e todos sentiram um tremendo medo em seus corações. — Mas sempre tem aquele que é curioso demais. O que suspeita demais… E, por isso, condena a todos.
Antes que alguém pudesse reagir, Herman desapareceu. Não houve som de passos, nem vento para denunciar o movimento. Sua sombra, antes claramente visível no chão, simplesmente sumiu.
Num piscar de olhos, ele surgiu atrás do terceiro jovem, o que ativara a habilidade. Um som seco ecoou, o som de lâmina ao encontrar a carne e os ossos. A cabeça do cavaleiro rolou pelo chão de terra, o cavalo, aterrorizado, relinchou alto, e disparou em direção à floresta com o corpo decapitado ainda preso à sela.
O restante do grupo não se moveu, aterrorizados demais para fazer qualquer coisa. E quando perceberam a verdade, e conseguiram mover seus músculos, já era tarde demais. Herman segurou sua a espada com a mão esquerda e sacou o revólver de seu coldre com a direita livre. Em um movimento mais letal que o primeiro, disparou todas as munições em instantes. E mais seis heróis caíram, todos feridos mortalmente na cabeça.
O líder do grupo, um dos quatro sobreviventes, logo pulou de seu cavalo, e tentou cortar Herman com a sua espada. Herman apenas aparou o golpe com uma só mão, e ainda era sua mão ruim.
— Você é forte… Um desperdício de potencial… — Herman permanecia com o seu tom calmo e sereno, sem levantar a voz, ou emitir um tom de zombaria contra o herói.
— Quem é você? — indagou ele, a raiva e o medo misturada. Antes de esperar a resposta de Herman, tentou um segundo ataque, ao girar a espada no ar como um movimento pomposo.
[Corte de Vento – IV]
(Habilidade Exclusiva de Nível 20 – Classe: Espadachim)
O ar diante do jovem líder se transformou em uma lâmina visível, afiada como uma guilhotina. O projétil estranho avançava com velocidade na direção de Herman. O som do vento uivante sob a força do ataque.
Herman, no entanto, permaneceu imóvel. Seu olhar não demonstrou surpresa nem apreensão. Com um movimento fluido e calculado, ele ergueu sua espada e a posicionou diante de si. A lâmina voadora chocou-se contra a dele com um impacto sem som, e logo se dissipou no ar da mesma maneira que havia surgido. Herman havia bloqueado aquele ataque sem esforço algum, para ele, aquele ataque nada passava de uma brisa leve.
Os joelhos do jovem começaram a tremer. A adrenalina que antes lhe dava coragem agora o abandonava, deixando-o à mercê do terror que se apoderava de seu corpo. Ele cambaleou para trás, e caiu desajeitadamente no chão. A espada escorregou das mãos dele, e o deixou desprotegido.
O ar ao redor parecia diferente, denso e opressor. Uma aura negra emanava de Herman, quase palpável, como uma sombra que parecia crescer e sufocar os que estavam próximos. Para o jovem, aquela presença era como correntes invisíveis, uma sensação terrível, cuja finalidade era imobilizá-lo. Aquele medo sobrenatural que não lhe dava escolha a não ser uma única ideia: fugir, porém, ele teria chances de o fazer?
De repente, um grito ecoou na noite, acompanhado de um rasante poderoso. Uma enorme silhueta alada desceu do céu iluminado pelo luar. A ave monstruosa pousou com um estrondo, caindo sobre um dos sobreviventes do grupo em um golpe brutal. Uma cratera se formou com uma poça de sangue.
Os outros três jovens congelaram em terror, seus rostos desfigurados pelo medo, enquanto observavam a criatura, transformar-se. Suas asas tornaram-se braços musculosos, e suas penas, uma pelagem densa e escura. Agora, diante deles, havia um enorme gorila de olhos ferozes e postura ameaçadora.
Um dos heróis tentou escapar a cavalo, mas a criatura o perseguiu com velocidade e precisão aterradoras. Com um golpe violento, derrubou o cavaleiro e, com um único pisão, esmagou a cabeça do jovem. E logo atacou o último membro da patrulha, com um forte soco que o lançou contra uma árvore.
O líder do grupo, ainda caído no chão, assistiu horrorizado à cena. Seus olhos estavam fixos no massacre, mas foi a aproximação lenta de Herman que congelou seu coração de vez. Cada passo dele parecia carregar um peso sombrio, e o som da espada que se arrastava contra a estrada de pedra martelava em sua cabeça como um momento sem fim.
Parando diante do jovem caído, Herman ergueu a lâmina e apontou-a contra o pescoço dele. Sua voz era fria, sem vida, desprovida de qualquer emoção.
— O que você sabe sobre o Cofre Celestial e o Rubi de Erobern?
O jovem gaguejou, as palavras saíram em um fio de voz trêmulo:
— Q-quem é você?
A expressão de Herman não mudou, mas o tom de sua voz se tornou um pouco mais gentil.
— Você não está em posição de fazer perguntas. Responda as minhas, e talvez eu lhe conceda o favor de ter as suas respondidas. — Ele pressionou a lâmina contra o pescoço do rapaz, e uma única gota de sangue desceu pela pele.
Desesperado, o jovem cedeu.
— O Cofre Celestial… é onde guardam vários artefatos lendários… — Ele engoliu em seco, as palavras saindo com dificuldade. — Mas apenas os líderes das vinte guildas têm acesso… Eu nunca entrei lá…
— Obrigado pelas respostas… — respondeu Herman, ao esboçar um pequeno sorriso, quase imperceptível, e acenar com a cabeça, satisfeito. Virou-se, e guardou a espada de volta na bainha.
— Você… você não vai me matar?
Herman inclinou levemente a cabeça, como se ponderasse a pergunta, e então respondeu, com uma serenidade desconcertante:
— Retribuirei a generosidade da vossa resposta com a vossa vida.
— E quem é você? — questionou o herói, desconcertado ao ser poupado.
— Você pode me chamar de Kingslayer… — Herman fez uma pequena reverência, e assobiou para a besta símia que averiguava se os heróis estavam mesmo mortos.
Mávros se transformou em sua forma animal de cavalo, e Herman subiu nele. E logo ambos desapareceram juntos na escuridão da noite. O herói sobrevivente ficou lá, caído, deixado para trás, sozinho, em meio os cadáveres de seus companheiros.
— Acha mesmo uma boa ideia deixar um sobrevivente para trás? — Mávros questionou, após eles tomarem uma certa distância.
— Erobern manda, quem tem juízo obedece. — Herman se inclinou para trás, e observou as poucas estrelas que brilhavam no céu em meio as nuvens.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.