Capítulo 33 - Rooster
Eurus observou, atônito, a demonstração de poder de Luna. Ver uma árvore colossal surgir do absoluto vazio e despencar sobre seu mestre era algo que desafiava sua compreensão. Como aquilo era possível? E ainda mais, o que significava aquelas explosões?
Sua mente se encheu de perguntas. Teria algo a ver com o canto que a outra adversária, Rooster, havia emitido? Ainda não tinha certeza, porém sabia de uma coisa: se continuasse distraído com teorias, logo perderia o combate.
Rooster era uma oponente incomum. Diferente de qualquer inimigo que Eurus já enfrentara, ela usava suas asas como armas. Suas penas eram afiadas e incrivelmente resistentes, interceptando seus ataques com uma precisão assustadora. Agora entendia por que seu corte de vento não havia causado nenhum dano real nela.
Além disso, suas pernas terminavam em enormes garras, afiadas como lâminas. Rooster se movia com agilidade para uma criatura híbrida como ela. Não demonstrava dificuldade para saltar e planar por curtas distâncias, e conseguia correr bem rápido. Naquela situação, era impossível para Eurus se afastar o suficiente para respirar ou recuperar o fôlego. Ela não lhe dava trégua.
— Desista, garoto! — intimidou ela, ao lançar um forte golpe duplo, com ambas as suas asas.
Eurus ergueu a espada a tempo de bloquear, contudo, a força do impacto ainda o lançou para trás. Cada vez que Rooster atacava ou defendia, as penas dela brilhavam em um tom metálico antes de voltarem ao vermelho vibrante de sempre.
Em um movimento astuto e sem perder tempo, Eurus apostou em um truque. Movimentou-se de um lado para o outro, em uma tentativa de confundir a adversária sobre a direção do próximo ataque. Então, em vez de um corte horizontal previsível, desferiu uma lâmina de vento de baixo para cima.
— O que querem de nós? — perguntou Eurus, ao aproveitar a pequena trégua o momento para recuperar o fôlego.
— Muito esperto, garoto. Qual o seu nível? — Rooster saltou para trás, e retornou para sua forma humana. Os olhos amarelos entretidos com o inimigo.
— Depois que vocês jogaram aqueles goblins contra nós, subi três níveis de uma vez. Eles eram bastante patéticos. — Eurus forçou um tom confiante, e tentava parecer mais forte do que realmente era.
— E como sabe que fomos nós? — Ela saltou para um galho acima da cabeça de Eurus, balançando as pernas casualmente.
— Quem mais seria? Sequestraram nosso companheiro… — Ele fez uma breve pausa ao perceber como havia acabado de se referir a Vítor.
— Quem? Capturamos tantos de vocês. São bem úteis, sabia? — Rooster sorriu de lado, um brilho sádico nos olhos. — Apenas uma pequena retribuição pelo que os seus fizeram conosco no passado
— Eu nem quem você é, nunca fiz mal a ninguém. Por que sou julgado como um vilão? Vim aqui para salvar esse mundo — Eurus respondeu, meio atônito pela resposta da garota.
Todavia, algo ainda o deixava incomodado. Aquela luta era diferente. Não se parecia com as batalhas que ele já havia travado contra goblins, gosmas deformadas, diabretes ou outros monstros de nível baixo.
Rooster não era um monstro.
Ela parecia humana. Tão humana quanto ele. Linda, de certa forma. Fascinante.
Exceto pela forma de ave.
Mas… ela ainda era humana, certo?
Rooster o encarou, o rosto tenso, incomodada pela declaração de Eurus.
— Mataram nosso povo, e ainda não se acham errados? O que fizemos? Quais foram nossos crimes? Por que não podemos viver em paz?
Ela saltou, e transformou-se em sua forma híbrida antes de cair. Suas asas se expandiram, ela planou no ar, e então veio o canto.
O som foi cortante, ensurdecedor.
Eurus cambaleou para trás, as mãos sobre os ouvidos com força. A dor latejante em seus tímpanos. Se não tivesse uma reação tão rápida, estaria surdo agora.
Ele desviou o olhar para Adrian. Seu mestre permanência em uma luta frenética e desigual contra Luna, a híbrida de coelho. Flores explosivas detonavam ao seu redor, e sempre o forçavam a recuar, sem encontrar nenhuma forma segura de se aproximar e conseguir dar o golpe final. Adrian começava a ceder, os ferimentos e o cansaço pesavam cada vez mais sobre seu corpo.
Luna ergueu o braço. Assim como antes, um imenso tronco de árvore brotou de sua mão como mágica. O tronco caiu para frente, como uma árvore derrubada por um lenhador. A explosão foi bem maior que a anterior, e várias partes do penhasco atrás deles começaram a desabar.
A entrada da caverna já havia sido obstruída, e agora o terreno estava cheio de crateras, e as árvores caídas pela floresta. Por pouco, Adrian não foi atingido pela explosão, apesar de ferido, ainda possuía agilidade para desviar da onda de choque. Porém, esse novo ataque lhe deu um sinal de alerta. Ele finalmente entendeu quem era a verdadeira ameaça.
— O canto dela! — gritou ele para seu aprendiz. — Impeça o canto da ave!
Uma flor explodiu a centímetros de seu rosto, e os estilhaços cortaram sua bochecha.
Não havia tempo para hesitar. Se aquilo continuasse, Adrian perderia.
Eurus entendeu imediatamente o comando e a estratégia recomendada pelo seu mestre, e se posicionou novamente em posição de luta. Se preparou com um suspiro, e reuniu a coragem e a confiança, pronto para iniciar aquele ataque astuto novamente. Ele saltou de um lado para o outro, para tentar confundir Rooster.
Ela ergueu as asas em posição defensiva, e olhou para ele com um certo desafio.
— Acha que o mesmo truque vai funcionar duas vezes? Subestima minhas habilidades.
Eurus sorriu com aquela provocação.
— Será?
Ele vibrou a espada, em antecipação a habilidade, e a apontou para o chão.
[Corte de Vento – IV]
(Habilidade Exclusiva de Nível 20 – Classe: Espadachim)
A habilidade não visava Rooster.
O projétil de vento afiado atingiu o solo, e uma nuvem de poeira e fragmentos de terra se levantou, e obstruiu a visão dela. Rooster piscou por um instante para se proteger da poeira.
E quando abriu os olhos…
Eurus não estava mais lá.
Ele surgia por cima dela, impulsionado pelo próprio ataque.
— Sempre um passo à frente!
A espada, erguida para o alto, se fundiu com o ar, e a lâmina se mudou para uma aparência transparente, com apenas o contorno sendo visível por uma pequena aura branca brilhante. A lâmina se alongou, e se tornou uma com a atmosfera ao redor de Eurus.
[Lâmina de Vento – IV]
(Habilidade Exclusiva de Nível 20 – Classe: Espadachim)
A lâmina desceu como um martelo.
Rooster cruzou as asas para bloquear o impacto. A resistência de aço das suas penas conseguiu bloquear o gume, então o corte não a atravessou, entretanto, a força do golpe a arremessou pelo ar.
Eurus não hesitou.
Saltou atrás dela, sem deixar de aproveitar a brecha.
— Sequência de Quinze Lâminas!
Sua espada brilhou. E um combo de ataques começava.
[Sequência de Quinze Lâminas – IV]
(Habilidade Exclusiva de Nível 20 – Classe: Espadachim)
Um corte após do outro, cada estocada com intenção mortal.
Rooster se esforçava para tentar bloquear cada golpe, todavia era difícil, o ataque inicial de Eurus desestabilizara ela. E suas penas não conseguiam se defender de todos os ataques.
Quando o combo cessou, Rooster estava bastante ferida, com vários cortes na barriga. Ela retornou para sua forma humana, e cuspiu uma quantidade considerável de sangue. Seu quimono branco, estava todo cortado e rasgado.
— Já me diverti o bastante com você — disse ela, a voz meio fraca.
Transformou apenas a parte superior de seu corpo. O grande bico e os olhos amarelos, e preparou-se para um grande canto. O barulho foi enorme, que obrigou tanto Adrian quanto Luna, que estavam atrás dela e um tanto quanto longe, a taparem seus ouvidos para não serem afetados pelo golpe.
Eurus não se moveu.
Eurus permaneceu imóvel diante de Rooster, a lâmina de vento permanecia vibrante ao redor de sua espada.
Atrás dele, as folhas, as árvores, tudo tremia sob o efeito do canto da selvagem. Contudo, ele era uma exceção a regra. Ao seu redor, um pequeno círculo de silêncio permanecia intacto, impenetrável.
Rooster tentou continuar, e forçava a voz ao máximo a manter o ataque, contudo seus pulmões queimavam. Sua garganta estava seca, exaurida pelo esforço brutal.
Engasgou.
O canto cessou.
Ela ofegou, os olhos arregalados, confusos.
— Como…? Como…? — repetiu, a mente entrou em total desespero.
Aquilo não podia estar acontecendo.
Ela havia perdido?
Seus joelhos falharam, e ela desabou no chão, sem forças sequer para erguer as asas.
Eurus não reagiu a nada. Apenas mantinha um singelo sorriso no rosto.
Então, seu sorriso sumiu.
Seus olhos se arregalaram, e ele demonstrou reação pela primeira vez. Era como uma pessoa sem ar, que havia prendido a respiração. Seu corpo cedeu, e ele caiu de joelhos, ofegante, usando a espada como apoio para não desmoronar por completo.
— Como você…? Como não foi afetado…? Meu canto não surtiu efeito em você? — Rooster sussurrou, a voz fraca, e o encarou de sua posição caída.
Eurus ergueu o olhar e respondeu, com um leve tom de ironia na voz:
— O som não pode atravessar o vácuo.
Eurus havia tido uma estratégia brilhante para evitar a habilidade.
Ele havia manipulado o ar ao seu redor, criando uma barreira protetora. Ao criar essa barreira selada, na qual o ar não podia sair ou entrar, ele impediu que as ondas sonoras se propagassem, tornando-se imune ao poder vocal da híbrida. No entanto, essa estratégia exigira uma concentração extrema. E pior, quando o oxigênio dentro da bolha se esgotou, ele foi forçado a prender a respiração, e aguentar o máximo que pôde para evitar abrir uma brecha.
Mesmo exausto, e um pouco sem fôlego, ele podia lutar, diferente de sua adversária. Ele se aproximou a passos lentos, quase cambaleantes, e levantou sua espada contra a adversária
Rooster tentou reagir, mas não havia força alguma em seu corpo.
Num golpe preciso, Eurus cravou sua espada no ombro da garota, e a prendeu ao chão.
Ela soltou um grito abafado, e mordeu o lábio para conter a dor. Sangue escorreu pelo tecido já rasgado de seu quimono.
Eurus arfou, exausto. Não somente pela batalha, mas pela pressão imensa de manter o controle do ar enquanto lutava. Seu corpo ainda sentia os efeitos pela falta de oxigênio de antes.
Ele caiu sentado ao lado de sua inimiga caída, e recuperou o fôlego.
Rooster apenas gemeu, os olhos fixos no céu, derrotada.
Já Eurus virou sua atenção para a luta de Adrian e alertou:
— Mestre, eu consegui a minha parte! Estou confiando totalmente em você!
Adrian desviou a atenção dos ataques de flores explosivas incessantes de Luna por um instante. Seus olhos se fixaram em Rooster, agora subjugada.
Seu semblante se iluminou com confiança.
Do outro lado, Luna arregalou os olhos, incrédula.
Adrian sorriu.
E então, pela primeira vez naquele duelo, ergueu sua espada para o ataque.
A desvantagem havia acabado.
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