Índice de Capítulo

    Ninguém os notou ali. A fortaleza estava quase deserta, com poucos guardas presentes, e os que patrulhavam ignoraram os uniformes do Exército de Libertação, confundindo-os com trajes de alguma guilda de heróis. Estavam despreocupados; para eles, o Império da Glória Eterna já havia caído, e as calamidades eram uma realidade distante, que só apareceria em três anos, no ano seis mil. Mal sabiam que o Exército de Libertação nunca estivera tão ativo.

    De repente, um alarme soou à distância, o toque repetido e insistente de um sino. Em instantes, os guardas começaram a correr em todas as direções. Vítor avistou uma valquíria e a abordou:

    — O que está acontecendo? — perguntou, mantendo uma expressão calma e desinteressada, sem chamar atenção.

    — Encontraram a capitã Alexandra desacordada na ala norte. Parece que algum prisioneiro a atacou. Ela mencionou um homem com uma magia que invoca livros. Se o vir, mantenha distância e avise a guarda celestial — respondeu à valquíria, antes de sair em disparada de volta ao seu posto.

    Vítor refletiu por um momento e seguiu seu caminho, com Lótus caminhando logo atrás.

    — O Escriba te recrutou? — perguntou ela, tentando puxar conversa.

    — Podemos dizer que sim — Vítor sorriu contidamente, enquanto adentravam uma nova ala da prisão.

    — É raro vê-lo fora da biblioteca. Se ele te recrutou pessoalmente, você deve ter dons especiais — comentou Lótus, soltando um suspiro ao analisar o herói e sua resposta evasiva. — Quem você está procurando?

    — Uma heroína chamada Lília. Preciso descobrir como ela manteve suas memórias após o fim de um ciclo.

    Vítor encostou a mão na parede de pedra, e uma névoa a percorreu, investigando cada cela em busca de qualquer sinal de Lília.

    — Nada aqui. Vamos para a próxima.

    — Talvez ela já tenha despertado. Estas celas não são feitas para manter prisioneiros conscientes por muito tempo. Ela pode estar em qualquer lugar.

    — Você parece saber muito sobre o funcionamento da Cidade Celestial para uma ninfa — comentou Vítor, suspeitando.

    — O suficiente para acreditar que uma heroína acordada seria enviada para o saguão dos heróis e depois para alguma outra guilda.

    — Ela pode ser uma valquíria — a respondeu em tom zombeteiro.

    Lótus não falou nada, apenas soltou um contido sorriso na resposta dele.

    — Gostei de você, é inteligente. — Vítor caminhou até outro corredor, porém teve uma pequena surpresa.

    As celas desse corredor estavam abertas, e uma valquíria estava sentada na frente de uma delas. Vestia um uniforme parecido com o de Alexandra, com trajes verdes elegantes, e uma armadura bem fina, quase ornamental.

    — Encontrei… — exclamou.

    — Precisa de alguma coisa? — A valquíria virou o olhar para ele, sem entender o que ele fazia ali.

    — Diga para a sua prisioneira que ela tem visitas. — Vìtor se preparou, e a névoa começou a percorrer o chão, imperceptível a alguém não focado nela.

    — É amigo dela? — Ela o perguntou de volta, sem perceber o movimento dele.

    — Não sei se posso dizer isso, mas eu a conheço.

    Lótus permaneceu parada ao lado dele, de braços cruzados, apenas escutando a conversa, desviou um pouco o olhar para baixo e notou a névoa pelo chão. A exibição daquele poder a deixou com mais dúvidas sobre a verdadeira natureza de Vítor.

    — E então? — Vítor colocou a mão no queixo. — Posso vê-la?

    — Ainda não acordou da contenção, seria perigoso acordá-la. — A valquíria notou aquele uniforme familiar, ainda incapaz de reconhecê-lo.

    — Uma pena…

    Vítor cerrou o punho, e a névoa o respondeu imediatamente. Uma mão gigante se materializou e absorveu a Valquíria. Foi em um instante, de forma limpa, sem derrubar uma única gota de sangue e nenhum grito ecoado pelos pavilhões. Lótus o encarou com certo desdém, e Vítor retribuiu com uma piscada de olho.

    Os dois caminharam até a cela, de porta destrancada como todas as outras. Abriram a porta, e lá estava Lilia, deitada em uma cama estofada com palha, em um sono profundo.

    — Acordar ou não acordar, eis a questão… — Vítor se sentou na beira da cama, removeu o ovo do bolso e o balançou no ar. E pensou no potencial destrutivo da pequena calamidade.

    — Quais seriam os problemas colaterais de acordá-la? — Lótus questionou ao entrar na cela apertada.

    — Problemas de visão, fraqueza muscular, dificuldade de fala, e qualquer outra coisa semelhante. Ela está em hibernação, assim digamos.

    Ele a balançou um pouco, talvez ela estivesse nos estágios finais da hibernação, já que ela havia apagado ao mesmo tempo que ele. Porém, Vítor havia acordado antes.

    — Apenas seja rápido, temos que ativar o “Olho do Tigre” antes que o grupo principal chegue ao cofre.

    — Tenha calma, tudo ao seu tempo, sei o que estou fazendo. — Vìtor sorriu de forma desdenhosa para ela.

    — Não parece. — Lótus saiu e deixou Vítor sozinho com Lilia, e esperou do lado de fora.

    Vítor pegou o ovo e o colocou contra a testa de Lilia, e sentiu a criatura no ovo se contorcer quando a casca tocou a pele gelada da garota. Os olhos dela se abriram fracamente, ainda se acostumando com o ambiente.

    — Sempre a tempo — sussurrou Vìtor.

    — Você? — gritou ela com esforço, ainda sem forças.

    — Sim, eu. — Em um instante ele moldou a névoa em uma lâmina contínua e a apontou para o pescoço dela. — Acho bom ir me contando tudo o que sabe.

    Ela tentou o empurrar para o lado, todavia, não teve disposição nem mesmo para levantar os braços.

    — O que quer de mim? — soluçou, com algumas lágrimas nos olhos.

    — Tudo o que sabe sobre o último ciclo. — A névoa tocou o pescoço dela, e uma pequena gota de sangue escorreu.

    — Último ciclo? Do que está falando?

    “Ela não tem ideia do que aconteceu, isso é bom, mesmo assim devo ter cautela”, Vítor pensou, se afastou e dispersou a névoa.

    — Não quero te machucar, nem preciso, enquanto se manter longe do meu caminho, não tenho interesse nenhum em você. Apenas me fale o que aconteceu da última vez que nos encontramos.

    — Nós lutamos…

    — Aonde? — Vítor permaneceu sem confiança nas palavras delas, e continuou sentado, com a névoa pronta para qualquer movimento brusco.

    — Não se faça de desentendido, me mate logo e acabe com isso. — Ela recuperou as forças e se levantou da cama.

    — Então, como você sobreviveu? Como está aqui?

    A resposta de Lilia foi interrompida por passos apressados do corredor. Vítor, alarmado pelo barulho, olhou pela porta o que estava acontecendo. Viu então a valquíria Alexandra, no corredor, com um punhado de outras guardas. Ela estava com o rosto sangrando por debaixo do capacete em estilo helênico. Existia uma marca retangular na sua armadura, na altura do peito, do tamanho de um livro, o metal havia se retorcido, como se algo quente encostara nele.

    No primeiro segundo que Vítor desviou o olhar de Lilia, a garota já tentou fugir. Quando se virou, era tarde demais. Lilia já estava a centímetros dele. Ela puxou o ovo negro da mão de Vitor e o lançou contra o rosto dele.

    O cheiro era terrível, era uma mistura de enxofre com o odor de carne podre. Vítor sentiu náuseas quando sentiu o líquido pegajoso escorrer pela sua bochecha. Lilia tentou usar a oportunidade para correr para fora da cela. Caiu no chão, tropeçara na perna estendida de Vítor, que a olhava furioso enquanto limpava o rosto com a mão.

    — Isso não vai ficar assim… — Ele gritou ao se aproximar dela caída, cego pela raiva e nojo de ter o ovo esmagado em seu rosto, ele não titubeou para tomar sua próxima ação.

    Sobre os olhares das valquírias e de Lótus, que estavam no início do corredor, Vítor levantou a lâmina de névoa e desferiu o golpe final contra Lilia.

    Ele limpou o sangue que escorreu pelo seu uniforme negro, principalmente em seus sapatos que se encharcaram na poça vermelha de sangue. As valquírias o olharam assustadas pela brutalidade que ele havia usado contra a garota.

    — Foi mal… — falou ao dissolver a lâmina, e soltar mais uma risada de desdém — Perdi a cabeça… e parece que ela também.

    Ele caminhou até o início do corredor, a adrenalina da ansiedade pela batalha corria em suas veias, acompanhada por um largo sorriso de orelha a orelha.

    — Você está preso — anunciou Alexandra, sua voz fria e sem emoção, já acostumada com atitudes semelhantes por parte de outros supostos heróis convocados da Terra.

    — Pela autoridade de quem? Da deusa? — gargalhou, e desviou o olhar para Lótus, que mantinha uma aparência estóica. —  Deveria reconhecer a quem sirvo só pelo uniforme.

    Ela cuspiu no chão, acompanhada pelos rostos de desprezo das colegas valquírias.

    — Mal acordou e já se juntou a eles… 

    — Essa é a diferença entre nós, humanos, e vocês. — Ele ergueu as mãos, e a névoa se espalhou pelo ambiente, como uma extensão de sua própria vontade, cobrindo as paredes e o teto. — Nós temos o livre-arbítrio de escolher nossos mestres. Mas os verdadeiros mestres não controlam apenas seu próprio destino… eles moldam o destino de outros. E eu reivindico o meu destino. Não o entregarei a ninguém.

    A névoa ao redor pareceu responder às palavras de Vítor, retorcendo-se como se estivesse viva, sua cor mudando de negro profundo para um tom acinzentado, pulsando com padrões efêmeros que lembravam rostos e formas humanas, emergindo e se dissipando como sombras de almas perdidas.

    — Que assim seja… “Caminhada Temporal.” — murmurou Alexandra, e em um instante, desapareceu.

    Vítor já esperava por isso. Ele tinha projetado a névoa estrategicamente para se defender do ataque inevitável. Ao seu lado, Lótus se preparava para a batalha. Vinhas espinhosas se enrolavam ao redor de seus braços, e um pólen denso e brilhante emanava das flores aos seus pés, prontos para agir a qualquer momento.


    Lótus
    AfiliaçãoExército de LibertaçãoRaçaNinfa
    AlcunhaTécnica Especial“Jardim Selvagem”
    Jardim Selvagem
    Capacidade OfensivaACapacidade DefensivaA
    AlcanceFResistênciaA
    VersatilidadeCVelocidadeC

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