Capítulo 40 - Um último duelo
Entrei pelo corredor estreito, onde as paredes de pedra gotejavam com a umidade típica do subterrâneo. O cheiro de mofo misturado a sangue era nauseante. Depois de alguns passos, finalmente encontrei o que procurava.
Vítor estava sentado no chão, o olhar perdido em seus próprios pensamentos.
— Situação desagradável, não? — comentei, encostando-me às barras.
— Escriba? O que está fazendo aqui? — Ele se levantou num salto, visivelmente surpreso com minha presença.
— Libertar você. Agora, afaste-se da porta. — E então chutei a grade de ferro. Ela se entortou com o impacto e foi lançada contra a parede do outro lado. Vítor mal teve tempo de sair do caminho.
— Ei! — exclamou, entre ofendido e irritado. — Eu não preciso de ajuda, meu plano estava indo perfeitamente bem.
— Você chama isso de “perfeitamente bem”? — suspirei.
— Eu chamo de investigação interna. — Ele ajeitou o casaco sujo sobre os ombros. — E você acaba de sabotá-la.
Ergui uma sobrancelha, sem disfarçar a desaprovação.
— A operação está encerrada. O Conselho decidiu. A missão em Testfeld foi cancelada, e nós três devemos retornar imediatamente.
— O quê? Agora que estamos mais próximos do que nunca de alcançar nosso objetivo? — Ele cruzou os braços, indignado. — E quem votou sem a nossa presença?
— Cinco votos a favor, duas abstenções. Só você e Erobern estavam ausentes.
— Você participou?
— À distância. — Virei-me em direção à saída. — Vamos, não temos tempo a perder.
— Essa operação levou anos para ser planejada. Não vou sair de mãos vazias. Recuso. — E voltou a se sentar no mesmo lugar.
— Não seja teimoso. Você jogou essa missão no lixo. — Apoiei-me na parede e o encarei com firmeza. — A verdade é que falhamos, todos nós. Não estávamos prontos para algo dessa escala. Mas que isso nos sirva de lição para a próxima vez.
— Eu não vou embora enquanto Testfeld não estiver de joelhos.
— É mesmo tão arrogante a ponto de não admitir o fracasso? Você falhou quarenta e duas vezes. Tivemos que reiniciar o ciclo, e ninguém reclamou.
— E agora que finalmente as coisas estão dando certo, querem cancelar tudo?
— Vamos logo. Não me obrigue a te transformar em um cubo e te arrastar daqui. Seria um trabalho enorme, e sinceramente, não tô com paciência.
— Quem é você? — perguntou uma voz feminina vinda da cela em frente à de Vítor.
Virei-me, confuso, e vi uma jovem elfa que nos observava.
— Ninguém importante. Cuide da sua vida. — respondi, ríspido.
Foi então que ouvi um som gutural às minhas costas, seguido pelo ruído pesado de uma gota caindo no chão.
— Você não fez isso… — levei a mão à testa, já sentindo a dor de cabeça que viria.
Quando olhei de volta para Vítor, ele havia assumido a forma de Izanamou, mesmo naquele espaço apertado. Seus seis braços surgiram num estalo grotesco, e as doze mãos estavam todas voltadas para o meu pescoço.
— Ah, então é assim? Quer mesmo que eu te transforme em um cubo? Ótimo. — Afastei-me da cela e assumi posição de combate.
— Inazumou! — gritou ele, enquanto o exoesqueleto branco brilhava como um farol em noite de tempestade.
— Vítor! Eu te odeio! — gritei de volta, em um tom brincalhão, enquanto envolvia meu corpo com energia arcana, e me preparei para bloquear o ataque.
O que se seguiu foi uma explosão colossal, acompanhada por um calor abrasador. Não tive escolha senão manter minha proteção arcana ativa, um único instante de vacilo teria sido fatal.
Quando abri os olhos, estava no centro de uma cratera. A terra ao redor derretida, as chamas sobre o solo calcinado.
Girei o pescoço para tentar encontrar onde estava Vítor, ele havia sumido da minha vista. Fiquei preocupado por um instante em ter de persegui-lo, mas ele logo apareceu.
— Inazamou! — O som ecoou no ar.
Olhei para cima, e caía sobre mim, com todas suas espadas prontas para me cortar.
— Não seja idiota. — Levantei a palma da minha mão, e bloqueie o golpe sem muito esforço.
A cabeça do monstro me encarou com certa surpresa.
— Estou lutando com toda minha força, não se esqueça que eu tenho acesso ao sistema de Testfeld. Não luto como um humano.
Agarrei uma das lâminas, e a parti ao meio ao segura-lá com força.
— Seja um bom garoto, e aceite que perdeu. Não tenho tempo para suas futilidades infantis, ainda tenho que libertar Erobern.
A lâmina estalou ao se partir em dois, como se fosse de vidro sob meus dedos. Golpe após golpe, corte após corte, eu bloqueava todos eles como se brincasse com uma criança, e quebrava lâmina após lâmina. Até que Vítor ficou sem suas armas brancas, totalmente dependente dos seus membros.
— Agora, o que acha de uma luta justa? — Sorri para ele, satisfeito com a minha demonstração de força.
— Izanamou!
Preparei-me para meu próximo ataque. Um ataque devastador que iria acabar com aquela luta naquele instante.
— Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Dois…
Antes que pudesse concluir a frase, algo invisível atingiu meu estômago com força brutal. O tempo havia congelado. Era o esperado para a técnica do segundo caminho, o caminho do tempo. Porém, isso acontecera antes de eu conseguir ativa-lá. Algo havia sido mais rápido do que eu.
Vítor já não estava onde deveria estar. Quando girei os olhos, ele estava atrás de mim — imóvel, preciso, com as doze mãos apontadas para pontos vitais distintos do meu corpo.
Ele havia sido mais rápido do que minha técnica. Mais rápido do que os próprios Caminhos.
Instintivamente, levantei os braços à frente do corpo e concentrei toda minha energia defensiva. Era a única coisa que podia fazer.
— Inazamou! — gritava ele, golpeando com fúria após cada ataque.
Foram dezenas, centenas, incontáveis investidas. Cada uma direcionada a uma fraqueza distinta, cada impacto mais veloz e pesado que o anterior.
Eu tentava resistir, mal conseguia acompanhar sua velocidade, fazia o melhor que eu podia. Não esperava tamanha força dele, era como se ele estivesse brincando comigo anteriormente.
E então, finalmente, ele parou.
Consegui recuar, ofegante. Meus braços tremiam, o corpo inteiro latejava. O chão sob meus pés derretia em calor residual.
Do lado de fora, menos de um segundo havia se passado.
Mas, no tempo suspenso… eu havia lutado por quase uma hora.
— Não seja idiota! — exclamei, ofegante, tentando manter a compostura. — Pare com essa teimosia, isso não é uma ordem minha, é uma ordem do conselho!
Ele não respondeu. Apenas me encarou em silêncio. Apesar da carapaça de Izanamou que cobria seu verdadeiro rosto, eu sentia os olhos dele, ardentes em raiva, orgulho ferido e convicção cega.
Foi então que um estrondo rasgou o ar.
Me virei instintivamente.
No horizonte, uma imensa coluna de fogo se erguia da floresta distante, e subia em espiral até os céus.
Reconheci a técnica na hora.
— Canal — murmurei, atônito, e voltei meu olhar para Vítor. — O que você fez? Você ensinou o Canal a alguém?
Ele deu de ombros, indiferente. Porém, eu podia sentir uma certa satisfação e orgulho nele.
— Izanamou.
Meu sangue gelou.
Agora eu tinha outro problema nas mãos. Um problema muito maior.
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