Capítulo 41 - Ódio
Saltei para fora da cratera sem hesitar; Vítor havia se tornado um problema secundário. Corri em disparada rumo ao centro da coluna de fogo, que começava a se dissipar lentamente. A floresta ao meu redor estava em chamas, consumida pelo incêndio voraz. O cenário era desolador.
De um lado, uma montanha antiga havia sido transformada em uma enorme cratera, sua massa evaporada no ar. Do outro, a coluna de fogo consumia toda a vegetação num raio de quase um quilômetro.
Envolvi meu corpo novamente em energia arcana para resistir ao calor e me aproximar. Cada passo exigia mais esforço que o anterior, enquanto os ventos fortes tentavam me repelir, e tornava a aproximação um desafio gradual.
Quando finalmente cheguei ao epicentro, avistei uma garota ruiva em pé, de olhos fechados, paralisada no meio do turbilhão. O calor era tão intenso que a terra sob os pés dela começava a ceder, e afundar lentamente.
Suspirei fundo, e reuniu o último fôlego que me restava, e avancei com um impulso decisivo.
A agarrei nos braços, e no instante em que a toquei, a coluna de fogo desapareceu como se nunca tivesse existido.
Para minha surpresa, ela não apresentava ferimentos visíveis. Canal era uma técnica conhecida por dilacerar o corpo de quem a utilizasse. Ainda assim, apesar de desacordada, ela parecia estar perfeitamente bem.
Acariciei seu rosto e a reconheci: Alice. As palavras de Erobern ecoaram na minha mente, Vítor era uma causa perdida. Ele jamais nos guiaria à vitória. Quem faria isso era aquela garota nos meus braços. Mas tudo isso já era passado, irrelevante agora. A operação em Testfeld fora abortada. Restava apenas uma coisa: recuar e, talvez, planejar uma nova expedição no futuro.
— Izanamou… — Vítor apareceu atrás de mim, suas quatro grandes asas de mariposa abertas em uma sombra ameaçadora.
— Você podia tê-la matado — afirmei, e o encarei de volta com desaprovação. — Ela não estava pronta para lidar com um poder desses…
Ele levou a mão ao queixo, e o coçou como se fizesse pouco caso da situação.
— No fim das contas, isso não importa. Ela não importa. Nada em Testfeld importa.
Apontando a mão para a jugular dela, preparei-me para o golpe final. Exatamente como eu esperava, Vítor se moveu para me impedir. Mas, ao olhar para ele, vi que congelara no ar ao perceber minha verdadeira intenção.
— Mas você se importa. — Soltei uma grande gargalhada ao perceber a veracidade da minha tese. — Vítor, Vítor, agora entendo por que fracassou tanto, no final, você estava tentando proteger ela? É sério isso?
— Izanamou! — gritou, cheio de raiva.
— Não adianta negar… — balancei a cabeça. — Quantas vezes tivemos que avisar? Eles são lixo, descartáveis. Humanos de segunda categoria, uma espécie fraca, ainda presa nos primeiros estágios da civilização. Nós somos os verdadeiros herdeiros da humanidade, escolhidos para unificar toda a espécie espalhada pela galáxia num único império. Um governante único para nos guiar rumo à verdadeira grandeza!
— Izanamou! — Ele avançou contra mim, seu ódio crescente.
— Livre-se das fraquezas que te prendem à mortalidade — afirmei, e cravei minhas mãos em um golpe limpo contra o coração de Alice.
— Thomas! — A carapaça de Izanamou se partiu ao meio, e revelou o rosto de Vítor. — Você e todo o conselho… não têm esse direito!
Joguei o corpo dela contra ele e, pela primeira vez na vida, vi uma lágrima verdadeira escorrer pelo rosto dele.
Sua mão brilhou, uma faísca elétrica a percorreu. Não consegui reagir a tempo; o soco atingiu meu rosto com força brutal. Senti um formigamento agudo enquanto era lançado para longe.
— Esqueça ela. Esqueça esse mundo — disse, ao me levantar com dificuldade, o rosto ainda dormente pelo impacto. — Se continuar assim, não terei escolha senão afastá-lo do conselho e recomendar que nunca mais volte a Testfeld. É isso que quer?
— Você não tem esse direito… — A eletricidade agora o envolvia, e pulsava como uma bobina de Tesla.
— Vamos, pare com isso. Aceite a decisão do conselho. — Sua teimosia começava a me irritar profundamente.
— Quem decidiu isso? Aquele covarde do Samuel?
— Não fale assim do seu irmão. Ele foi o único que tentou argumentar contra o fim da operação. No fim, foi convencido pela maioria.
— Vou matar todos vocês! — Ele cerrou os punhos e avançou contra a mim.
— Merda! — foram minhas últimas palavras antes do golpe.
Mal consegui reagir, mas por sorte levantei a palma da mão e a encostei na cabeça dele. Num instante, ele desapareceu no ar, e no lugar onde estivera caiu um cubo transparente.
— Surprise, surprise… — murmurei com dificuldade para respirar. E então olhei para baixo, no local do golpe.
A situação era crítica: um buraco do tamanho da minha mão abria-se na costela direita, expondo metade do meu pulmão. Não fora fatal por dois motivos: Vítor acertara o lado oposto ao coração, e a eletricidade empregada no golpe havia cicatrizado instantaneamente o ferimento.
Fiquei caído no chão, segurava o cubo de Vítor enquanto meus olhos encaravam o corpo imóvel de Alice.
— Precisava mesmo fazer isso? Por causa de uma garota que mal sabe o que você fez por ela? — perguntei, e balançei o cubo.
Eu estava sem forças para conseguir voltar sozinho para a Joia da Coroa. Tudo o que podia fazer era esperar pela ajuda.
Após uma espera curta, mas que pareceu uma eternidade com a dor escruciante no tórax e a dificuldade de respirar com um único pulmão funcional, escutei o barulho de uma aeronave.
— Escriba? — falou uma voz familiar. — O que aconteceu? Você está ferido.
Herman se aproximou rapidamente, seguido por Mavrós em sua forma de águia. Com esforço, levantei-me e caminhei até o avião que aterrissava na clareira recém-aberta, marcada pelo rastro do tornado de fogo. Me aproximei dele, fazia o melhor para não gemer de dor. Coloquei a mão do bolso do casaco, e retirei um revólver militar de ação simples, municiado com um tambor para doze munições, e revestida com uma fina camada prateada reluzente.
— Erobern agradece seus serviços, mas eles não são mais necessários. — Apontei a arma para a cabeça de Herman e atirei, num disparo limpo.
O corpo dele tombou ao chão; mal teve tempo de compreender o que acontecia.
— Thomas? Que isso? Do nada? — Mavrós me encarou, confuso.
— O conselho decidiu encerrar nossas operações em Testfeld. Estamos indo embora. Ele ia morrer de qualquer jeito, só fui gentil em poupá-lo do testemunho da desgraça. — Entrei no avião, e sem hesitar, atirei no restante tripulação, que mal teve tempo de reagir.
— Vamos ativar a bomba do juízo final? — perguntou Mavrós, ao pousar no meu ombro enquanto eu empurrava o corpo do piloto e me acomodava na cabine.
— Sim. Não podemos deixar rastros da nossa presença, nem de nenhuma tecnologia considerada fora de época para este mundo.
— Mas o que aconteceu? Que ferimento é esse?
— Vítor… — respondi, ao soltar um gemido de dor. Mavrós ficou em silêncio.
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