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    Empurrei ofegante as grandes portas de carvalho que guardavam o salão do trono. O ambiente continuava exatamente como sempre: sombrio, solene, iluminado apenas pelo brilho gélido das tochas de fogo azul presas às paredes de pedra negra. Encarei a tapeçaria na parede, sempre a achei bonita, mas, ao mesmo tempo, cafona. Erobern só tinha a encomendado para tentar fingir uma falsa profecia, e dar maior legitimidade ao Império. No final, não serviu de muita coisa.

    Aproximei-me do esqueleto sentado no trono. Algo faltava, a coroa do Imperador não estava ao lado do trono.

    — Procurando isso? — uma voz feminina ecoou atrás de mim.

    Virei-me. Marechal Joana, a segunda em comando da hierarquia militar, girava a coroa entre os dedos.

    — Marechal Joana. O que está fazendo aqui? — perguntei, a exaustão evidente na minha voz.

    — Antes disso… o que você fez? — Ela fixou os olhos no meu ferimento, a desconfiança emm seus olhos era evidente.

    — Vítor resistiu. Não se preocupe, agora a situação está sob controle. Agora, me entregue a coroa.

    — Erobern sabe disso?

    — Preciso da coroa para informá-lo.

    Ela não respondeu de imediato. Os olhos dela varreram o salão e depois voltaram para mim, com frieza.

    — Escriba, você está preso por alta traição ao Império da Glória Eterna. — Ela apontou para mim, enquanto uma tropa de guardas e soldados invadia o salão do trono.

    — Alta traição? — Eu ri bem alto, aquela acusação era estúpida e sem fundamentos. — Muito bem, deixe-me contar uma coisa. Erobern não é a autoridade máxima nesse mundo, existe um grupo acima de nós, grupo este que decidiu democraticamente o fim das nossas operações em Testfeld, e a retirada total das nossas forças e tecnologias.

    — E quanto a nós?

    — Fracassaram, e o fracasso é punido.

    Cada frase minha era um esforço adicional. Eu precisava chegar até Erobern para que ele me curasse. Vítor havia usado toda a sua força para selar minhas habilidades regenerativas.

    Girei lentamente a cabeça em direção aos soldados. Havia hesitação em seus olhos. Eles não sabiam se deviam me atacar ou baixar as armas. Nenhum deles queria ser o primeiro a me atacar.

    — Apenas me dê a coroa — insisti. — Deixe-me libertar Erobern.

    — Só morta. — Ela me encarou de volta com nojo.

    — Seu desejo… é uma ordem. — Fiz uma reverência teatral e abri lentamente as mãos.

    Do chão diante de mim, uma figura humanoide feita inteiramente de papel emergiu como uma sombra silenciosa. 

    — Alexandria, traga-me a coroa — ordenei a silhueta, e me sentei nos degraus à frente do trono.

    Um por um, os soldados caíam no chão, mortalmente feridos. Até que só restou Joana, a armadura branca brilhava meio azulada com a luz das tochas. Ela ergueu o escudo e bloqueou com sucesso o primeiro ataque de Alexandria, e revidou com um rápido contra-ataque com sua espada de uma mão que atravessou o corpo da entidade como se cortasse vento. Foi totalmente inútil contra Alexandria.

    Enquanto Joana frustrava-se pela falta de sucesso, Alexandria atacou. Um de seus braços de papel girou como um chicote e acertou Joana no tórax. O impacto amassou a armadura e a jogou alguns passos para trás. Ela cambaleou, ofegante, mas ainda de pé.

    — Desista disso, isso é fútil… — Eu tentei convencer ela uma última vez. Eu começava a perder minha consciência aos poucos, e não tinha muito tempo antes de cair no chão.

     — Traidor! — gritou em fúria, e golpeou Alexandria com a ponta do escudo. O impacto foi forte o suficiente para arremessar a figura de papel contra a parede de pedra.

    — Você é a traidora aqui, indo contra as ordens do conselho, e da autoridade de um membro dele. 

    Coloquei a mão no parte arrancada do meu pulmão. Não havia sangramento externo, entretanto, algo estava errado. Eu podia sentir a dor pulsante dentro de mim, cada respiração era uma faca cravada no peito. Provavelmente uma hemorragia interna. 

    — Conselho? Do que você está falando? — Ela estava perdida sobre o assunto, afinal, nunca nós revelamos nossas verdadeiras intenções sobre Testfeld.

    — O Conselho dos Sete. A verdadeira autoridade sobre a Unidade Imperial de Assuntos Externos. Os sucessores da figura esquecida do Imperador das Sombras. A contraparte oculta do Imperador da Luz, agora representado pelo Parlamento Imperial.

    — Não temos um parlamento. — Ela avançou, espada em punho, a lâmina tremia com sua raiva. — Está delirando ou enlouqueceu de vez?

    — Do verdadeiro Império da Glória Eterna. — Eu tentei dar uma risada, mas em vez disso, apenas sangue escorreu da minha boca. — Forjado a partir do sangue de milhares, destinado a governar toda a humanidade espalhada pela galáxia. Esse é o nosso destino, essa é a nossa missão.

    — E o que Testfeld tem a ver com isso? — A espada dela agora estava a centímetros de mim.

    Eu tossia sangue, sem conseguir conter minha risada de desprezo.

    — Durante nossas pesquisas, encontramos registros do Império Fundador. Descobrimos que Testfeld foi um campo de experimentos genéticos. Humanos cruzados com bestas… híbridos projetados para transcender os limites da carne. Tentativas de criar magia. Vocês não passam de descendentes de um lixo descartado para ser esquecido.

    — Erobern nunca faria isso conosco! Ele nos libertará!

    — Talvez. Mas se tiver que escolher entre vocês e o meu povo, você realmente acredita que ele escolherá Testfeld? — sorri, fraco, e zombei com o pouco fôlego que restava. — A missão fracassou. Vamos recuar para a Fortaleza Imperial, reorganizar, adquirir experiência, e quem sabe, tentar de novo no futuro.

    — Tentar de novo? E quanto a nós? E quanto ao nosso povo? Vai nos abandonar à própria sorte? Nos deixar nas mãos da Deusa?

    — A Testfeld que você conhece acabou. Ordenei para Mávros ativar a Bomba do Juízo Final. Se tiver sorte, talvez você esteja viva no próximo ciclo.

    — Você é um traidor, e acima de tudo, um mentiroso! Por que fez isso? Matou Vítor, matou Herman, e agora, o que mais quer? Acabar com tudo o que Erobern criou nesses seis mil anos?

    — Essa não é a minha vontade, é a vontade do conselho.

    Meu corpo finalmente cedeu. Desabei no chão frio do salão. Virei a cabeça para ela, e exibi um último sorriso:

    — Não está esquecendo de nada? 

    Joana me encarou com puro ódio nos olhos. E então sua expressão mudou. Quando entendeu minhas palavras, já era tarde demais.

    Virou-se instintivamente, só para ser atingida por Alexandria. O golpe foi direto. A coroa escorregou das mãos dela, caiu no chão, e rolou para longe, infelizmente, fora do meu alcance.

    Minha visão começou a se turvar. Inclinei a cabeça, e encarei o esqueleto sentado no trono uma última vez. Sua postura imóvel me chamava a atenção, e eu podia ver o verdadeiro Erobern, de carne e osso, sentado ali, como se observasse a cena com um sorriso invisível. Para ele, aquela nossa luta era só mais um capítulo de uma história insignificante para o todo maior.

    Então, o mundo pareceu parar. O mandibular dele se moveu para baixo, e eu observei algo que me fez duvidar se eu ainda estava consciente. Uma fina névoa negra começou a sair de sua boca, e preencher toda a sala do trono.

    — Erobern, vive… — falou me uma voz grave.

    Essas foram as últimas palavras que ouvi antes de perder a consciência.

    Mas eu estava feliz, eu estava contente comigo mesmo.

    Minha missão havia sido cumprida.

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