Capítulo 43 - Próxima Missão
Abri os olhos com dificuldade, eu odiava aquela sensação. De acordar sem ter dormido, de não saber o que acontecera durante todo o tempo que eu estava desacordado. Sentia o calor suave das cobertas, o cheiro úmido de café no ar, e o som abafado de conversas alegres vindo do lado de fora do quarto. Eu já sabia onde estava.
Em casa.
Ergui os olhos. Mávros, em sua forma de águia, repousava em um poleiro preso ao teto. Observava-me com aquela típica curiosidade silenciosa.
— Então, acordou? — disse ele, descendo em um voo contido até pousar na beirada da cama.
— Vítor está bem?
— Mal abre os olhos e já se preocupa com quem te deixou de cama?
— É o meu dever… — respondi, deixando escapar um sorriso cansado, mas sincero.
Toquei o local onde fora ferido. Nada. Nem cicatriz. Estava inteiro — um pouco fraco, sim, mas com todos os membros no lugar e a consciência de volta.
— Vamos lá, me atualize… — falei, enquanto me apoiava com esforço na cabeceira da cama para me sentar.
— Você ficou cinco dias imperiais desacordado. Vítor recebeu uma advertência oficial por ter te ferido e está suspenso de qualquer expedição até segunda ordem.
— E Testfeld? Você fez o que pedi?
— Sim. O mundo foi selado em estase temporal. Tempo suficiente para prepararmos um novo plano de invasão.
— Me parece adequado.
— Espere aqui. Vou chamar Andrew.
— Não que eu tenha como sair daqui… — retruquei, com um sorriso zombeteiro.
Ele voou pela janela aberta, e me deixou sozinho no quarto.
Soltei um longo suspiro de alívio, tudo havia acabado bem. Tínhamos mais tempo para planejar uma infiltração de verdade, um novo plano de ataque.
Meu olhar caiu sobre a garrafa de plástico em cima do criado-mudo. Pelo cheiro, já sabia o que havia ali. Três xícaras a cercavam, duas delas sujas. Alguém esteve ao meu lado enquanto eu dormia.
Estendi o braço, tentei alcançar a garrafa, e quase caí da cama.
— Ei! Você ainda está de repouso — falou uma voz feminina atrás de mim.
A porta se abriu, e revelou uma mulher de cabelos brancos e olhos vermelhos. Ela vestia o tradicional uniforme imperial feminino, composto por um vestido até os joelhos, e o típico casaco negro.
— Lefkó, não preciso das suas condolências — resmunguei para ela, e tentei novamente pegar a garrafa. Meus braços não conseguiam alcançá-la de jeito nenhum.
— Não tente bancar o independente. Vítor te deixou num estado deplorável, sem metade do corpo. — Ela pegou a garrafa, encheu uma das xícaras e me entregou.
— Não exagere, não foi tão feio assim — retruquei, ao aceitar a bebida. O sabor do café me trouxe de volta ao presente, forte e familiar.
— Não se preocupe, ele foi punido de acordo. — Um rapaz entrou na sala, tinha a mesma idade que eu, mas era ligeiramente mais baixo, e também bem magro e franzino.
— Príncipe Andrew. — A mulher fez uma reverência para o rapaz.
— Lefkó, poderia nos deixar a sós por um instante.
A mulher nem respondeu, apenas saiu do quarto e fechou a porta atrás dela.
Um silêncio mortal se seguiu na sala.
— Vamos desembucha. — Eu já o conhecia muito bem, podia ver através de suas expressões. Algo o preocupava de verdade.
— Você sabe por que falhamos em Testfeld?
— Vítor é péssimo em seguir ordens e vive tentando improvisar planos mirabolantes — respondi, sem pensar duas vezes. — Isso até funcionou durante a guerra contra os revolucionários, mas não em Testfeld. Ele é afobado, imprudente, negligente. E ainda tem o agravante de ter se envolvido emocionalmente com uma nativa.
— Você a matou na frente dele? — Andrew se sentou na cadeira à frente da cama, e deixou escapar um sorriso satisfeito. Como se quisesse ter presenciado a cena pessoalmente.
— Foi necessário. Isso vai deixá-lo mais forte.
— Acha que a culpa foi toda dele? — Andrew me encarou diretamente nos olhos.
Balancei a cabeça.
— Não.
Ele suspirou fundo, frustrado. Em seguida, se levantou e deu um soco contido na parede.
— Eu detesto perder. É um sentimento miserável. Tínhamos tudo nas mãos: plano, estrutura, recursos. E deixamos escapar como amadores. Tínhamos uma estratégia com enorme potencial, e simplesmente a ignoramos.
— Quando voltarmos, eu mesmo vou supervisionar a operação. Cuidarei de cada detalhe, do planejamento à execução — afirmei, não apenas para ele, mas também para mim.
A sensação de derrota também não me agradava.
— Não vamos voltar — respondeu com um suspiro nervoso.
— O quê? — Eu tentei levantar da cama para o esganar com minhas próprias mãos, todavia, eu ainda estava sem forças
— Testfeld agora é prioridade secundária. Decidimos redirecionar todos os esforços para o próximo sistema estelar.
— Daolong? — indaguei, ao me lembrar vagamente de reuniões passadas.
— Exatamente. Assim que estiver recuperado, você partirá com Lefkó para lá.
— Se tivermos acesso aos recursos de Daolong, não iremos precisar nos preocupar nunca mais com o combustível da frota.
— Testfeld foi um fracasso completo, o que garante que Daolong não será? Além de que temos mais experiência em um mundo como Testfeld do que um mundo como Daolong.
— Eu vou enviar você. “Sozinho”. — Ele deixou uma grande ênfase na última palavra. — Apenas você e Lefkó, sem ninguém para atrapalhar. Nenhum plano mirabolante para interferir no resultado.
— Obrigado pela confiança — respondi com sarcasmo.
Alguém bateu na porta naquele exato momento.
— Entre… — disse Andrew, sem desviar os olhos de mim.
A porta se abriu com um rangido discreto, revelando Vítor. Seu rosto estava pálido, os olhos fundos, marcados por olheiras profundas. Parecia não dormir há dias.
— Caramba — exclamei, surpreso. — Eu tô de cama, e você parece pior que eu!
— Você! Eu vou matar você! — gritou, e ele avançou contra mim um passo. Sua voz era diferente de antes. Não era raiva, era tristeza.
Andrew agiu antes e o segurou pelo braço, e o impediu de se aproximar.
— Ei! Atacar um doente não é nada justo! — respondi, ao tentar aliviar o clima com um tom brincalhão.
Mas Vítor não respondeu. Simplesmente começou a chorar. Um choro silencioso, feio, pesado. As lágrimas escorriam sem controle, e mancharam rosto já desfigurado pelo cansaço e pelo luto..
— Você não tinha o direito…
Eu entendia a dor dele em partes. Contudo, ele sabia das consequências, e mesmo assim decidiu ignorá-las.
— Eu fiz o que precisava ser feito — respondi, com firmeza contida. — Foi o melhor para todos nós. Sinto muito por você, de verdade. Mas você precisa seguir em frente. Testfeld está em estase temporal. Você… ainda pode vê-la.
— Prove o seu valor — disse Andrew, com a voz seca e firme. Puxou Vítor pela gola e o encarou de perto. — Precisamos parar com essas brigas infantis. O conselho deve agir como uma mente única. Sete corpos, uma só vontade. Esse é o nosso lema. Não podemos tolerar tentativa de assassinato entre membros.
— Também não é pra tanto — acrescentei, tentando aliviar a tensão.
— Vítor, depois converso com você. Você está deixando as emoções o dominar. — Ele o abraçou com carinho.
Vítor concordou com a cabeça, e saiu do quarto.
— Não achei que isso fosse o afetar tanto… — suspirei com um bocejo.
— Nenhum de nós achou — respondeu Andrew, com o olhar distante. — Samuel está tentando consolá-lo, mas não consegue. Nem mesmo ele.
— Não sei o motivo de tanto luto. Tecnicamente ela continua viva.
— Sim, enquanto mantivermos Testfeld em estase temporal, nenhuma das nossas ações terá efeito no curso natural do tempo.
— Ainda vamos voltar?
— Com toda certeza, Testfeld é uma joia bruta, só precisamos lapida-lá. Primeiro vamos focar no agora, estudar melhor nossas próprias limitações, adquirir novos recursos essenciais para nossa máquina de guerra.
— Parece um bom plano.
— E fique com isso. — Ele retirou um baralho do bolso, e colocou sobre o criado mudo.
— Sério? Vai me dar o seu baralho?
— Faça um bom uso. — Ele saiu da sala, e eu fiquei sozinho novamente.
Com certa dificuldade, me estiquei para pegar o baralho.
Testfeld, tantas perguntas deixadas para trás sem respostas, tantas aventuras não vivenciadas, não escritas. Eu ainda queria voltar para lá, eu sabia que ainda tinha muito a ser feito, mas eu devia me focar na minha próxima missão, no meu próximo destino.
Daolong, uma nova terra, um novo mundo.
Apenas mais um passo em direção a minha verdadeira missão.
O Império da Glória Eterna, o sonho de toda a humanidade sobre uma única bandeira, nunca estará morto por uma pequena derrota, pelo contrário, ele se fortalece, se torna mais forte.
Testfeld, irei me lembrar de você, E, quando a hora chegar, todas as dívidas serão cobradas. Cada gota de suor, cada fio de sangue derramado será honrado. E nesse momento singelo, não haverá mais perguntas sem respostas, apenas a verdade.
Não haverá mais dúvidas sobre quem é o verdadeiro Imperador da Glória Eterna.
Avisar aqui que minha próxima novel deve sair em breve. Mais detalhes no meu servidor do discord: https://discord.gg/WM9sWGZJ9B
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