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    Vítor caminhava a passos lentos. Preso em seus próprios pensamentos. O barulho da batalha lentamente se tornava apenas um ruído a distância. Conforme ele se aproximava do cofre celestial, mais forte ficava a sensação de estar sendo observado. Olhos o encaravam através da densa neblina, os lacaios de ‘Judas Imortal’ apenas esperavam o momento certo para atacá-lo.

    Então, no horizonte enevoado, uma silhueta emergiu diante dele, indistinta à primeira vista, mas inegavelmente colossal. À medida que seus contornos ganhavam definição, revelaram a forma de um imenso felino alado, sua presença tão imponente quanto terrível. As asas se desdobravam, e revelavam uma envergadura monstruosa que ofuscava qualquer construção da cidade celestial.

    — Aí está você, velho amigo… — suspirou Vítor, enquanto se aproximava da calamidade.

    O felino alado emitiu um som baixo, algo entre um ronronar profundo e um rugido abafado. Seus olhos se revelaram em meio a névoa, e encararam o rosto de Vítor. Seus dentes brilharam, e a criatura abaixou sua cabeça para permitir que Vítor tocasse o maxilar dela em uma pequena carícia.

    — Quantas almas você coletou nesta brincadeira, hein? — indagou Vítor, enquanto começava a escalar pela cabeça do ‘Olho do Tigre’. — Competir por almas com ‘Judas’ não é nada fácil… tive sorte desta vez. 

    Agora, no topo da cabeça do ‘Olho do Tigre’, ele podia sentir sob seus pés a textura da pele escamosa da criatura, uma superfície áspera e dura, como a de um réptil.  Ele estendeu a mão, e a colocou sobre o centro da testa da calamidade, onde um círculo ritualístico estava gravado. Seus olhos se tornaram brancos no exato momento em que ele começou a recitar murmúrios incompreensíveis a nós.

    A fera rugiu, e girou a cabeça em todas as direções bruscamente, em uma tentativa fútil de expulsar Vitor de lá. Como montado em um touro de rodeio, ele se manteve firme. O círculo ritualístico brilhou intensamente em um tom de roxo sobrenatural, e a calamidade começou a se desintegrar. Como poeira ao vento, o imenso felino alado se dissolvia no ar, deixando apenas fragmentos de sua existência para trás.

    Em questão de instantes, não havia mais sinal do ‘Olho do Tigre’. Vítor perdeu o apoio e despencou, e aterrissou meio enfraquecido no chão. Ele não era mais o mesmo, algo havia mudado dentro dele durante o ritual para destruir o “Olho do Tigre’.

    Ele sentiu as costas se moverem de maneira inquietante, como se algo estivesse despertando sob sua pele. Suas costelas se expandiram, os músculos do rosto se retorceram em formas impossíveis. No entanto, não havia dor, nem medo, apenas uma estranha serenidade. Era como se ele estivesse sendo esculpido por mãos invisíveis, moldado para se tornar algo superior à humanidade.


    Zoe e Sedenta se encaravam em um silêncio profundo, como se o tempo tivesse parado ao redor delas. Os heróis sobreviventes as observavam à distância, tensos, aguardando para ver quem quebraria o impasse.

    — Pois bem… — disse Sedenta, dando um passo à frente. Sua voz era firme, quase cortante. — Eu lhe fiz uma pergunta: onde está Vítor?

    — E eu lhe fiz outra: por que quer saber? — retrucou Zoe, avançando até ficar frente a frente com Sedenta. Sua postura era desafiadora, apesar da diferença de altura. — E quem é você?

    Sedenta, mais alta e imponente, forçava Zoe a erguer o olhar para encará-la, cujos olhos verdes transmitiam uma ligeira emoção de inveja. Elas estavam tão próximas, que conseguiam escutar a respiração de sua adversária.

    — O que está acontecendo aqui? — questionou Uriel, ao aproximar-se do grupo. Sua lança ainda pingava sangue fresco, um lembrete silencioso da batalha recente.

    — Não se intrometa, garoto — respondeu Sedenta, com um tom frio, sem sequer lançar um olhar em sua direção.

    — O que disse? — Uriel vociferou, sua voz carregada de fúria. Ser chamado de “garoto” feriu mais que qualquer golpe.

    Sedenta desviou o olhar de Zoe, e sorriu ao ver o rosto bravo de Uriel.

    — Tão sentimental… — murmurou ela, lambendo os lábios com um gesto deliberado. — Você seria uma refeição interessante, herói… em outra circunstância.

    A insinuação de Sedenta fez o sangue de Uriel gelar por um instante. Não havia nada metafórico em suas palavras, especialmente agora, quando duas presas longas e afiadas se revelaram enquanto ela passava a língua pelos lábios.

    Um rugido ensurdecedor ecoou, rompendo a tensão crescente. O som, carregado de dor, vinha de longe, oculto pela névoa cinzenta que agora se tornava ainda mais densa.

    — Então ele conseguiu… — proferiu Sedenta em um tom alegre ao virar o olhar em direção à origem do som, tentando enxergar através da espessa neblina que se formava mais uma vez.

    — Quem? — indagou Uriel, confuso, sem entender o que o rugido significava.

    — Vítor… — respondeu ela, com um tom quase admirado. — Ele matou o ‘Olho do Tigre’. Agora só falta Judas… e esse vai ser o mais difícil.

    Antes que pudessem questioná-la novamente, Sedenta começou a se afastar, caminhando para dentro da névoa cada vez mais espessa. Sua silhueta desapareceu como um fantasma.

    — Vejo vocês em outra ocasião, heróis… — disse, e suas palavras ecoaram no ar.

    — Espere! Você não respondeu! — gritou Zoe, ao tentar segui-la, mas a neblina parecia viva, engolindo tudo ao redor. Em poucos passos, Sedenta havia sumido completamente, e Zoe mal podia enxergar a própria frente.

    — Ela foi embora… Isso só piora as coisas — suspirou Otaviano, a frustração estampada em sua voz.

    — Quem era ela? — perguntou Uriel, agora se dirigindo ao restante do grupo.

    — Ela… ela me protegeu… — murmurou Amélia entre soluços, seu rosto ainda molhado de lágrimas.

    — E o restante do grupo? — insistiu Uriel, ignorando o estado dela, impaciente por respostas.

    — Mortos… — respondeu Amélia, antes de começar a chorar mais intensamente. — Estão todos mortos…

    Um silêncio sombrio caiu sobre o grupo.

    — Então… sobraram nós seis. Ótimo. Exatamente o que eu queria! — explodiu Uriel, atirando a lança ao chão com raiva. — Que começo maravilhoso! Uma semana… UMA SEMANA nessa porcaria de Isekai, e estamos assim! Que ódio! — Com um grito de frustração, ele socou o chão, como se pudesse descontar sua ira no mundo que os cercava.

    — Ela disse algo sobre o grande templo dos deuses… uma luta no templo com alguém chamado Judas — murmurou Amélia, sua voz entrecortada por soluços e uma gagueira trêmula.

    — Temos que ir para lá — afirmou Zoe. — Judas é a calamidade que vamos enfrentar.

    Uriel soltou uma gargalhada amarga ao ouvir a sugestão.

    — Tudo o que me resta é essa imprestável aqui… — gesticulou em direção a Amélia, sem se importar com a ofensa. — Só quero sobreviver até o próximo grupo chegar em fevereiro, reconstruir os Dragões do Sol, e mais nada. Não vou me jogar em outra batalha suicida!

    — O que foi? Está com medo? — provocou Otaviano, com um tom insidioso e um sorriso malicioso. — O último adversário foi tão difícil assim?

    — Eu não tenho medo, ouviu? — gritou Uriel, com o orgulho ferido, e se virou agressivo para Otaviano. Sua expressão era de pura indignação. — Quer saber? Vamos para o grande templo, sim! Vou matar esse tal de Judas e provar que ninguém, NINGUÉM, é mais forte do que eu!

    Ele apontou para si mesmo, como se reafirmasse seu valor.

    — Afinal, eu sou o herói número um. Eu e apenas eu! — exclamou, sua voz carregada de ego e determinação, enquanto encarava o grupo com um olhar desafiador.

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