Capítulo Extra 49 - Dezesseis Caminhos para o Paraíso
Izanamou manteve seus olhos fixos em mim, sua postura misturava imponência e ameaça. Suas asas estavam abertas, e as espadas de ossos em suas mãos giravam com uma precisão quase hipnótica, cada movimento emitia um som cortante no ar. De repente, ela saltou da cratera, por um instante, pensei que seu ataque seria direcionado contra mim, não era o caso, e logo percebi que o alvo era outro.
Herman mal teve tempo de reagir. Com um reflexo impecável, ele se lançou para trás, em uma acrobacia perfeita que o colocou fora do alcance imediato de Izanamou.
— Izanamou! — Ela apontou diretamente para Herman, e moveu os dedos como se o desafiasse.
— O que ela quer? — Herman gritou para mim, sem entender as ações de Izanamou.
— A ampulheta! Proteja-a com sua vida! — ordenei. Era isso que ela queria, o artefato lendário, a ampulheta de cronos.
Herman, em resposta, desapareceu em um borrão de sombras, como se tivesse se fundido à própria escuridão ao nosso redor. Ele reaparecia e desaparecia em intervalos imprevisíveis, em uma bizarra ilusão de múltiplos Herman atacando de todos os ângulos.
Izanamou, no entanto, não se moveu. Sua cabeça seguia os movimentos com lentidão, sua boca parada e estática.
— Izanamou… — murmurou ao coçar o queixo com uma das mãos livres, como se estivesse deliberando algo trivial.
Ela esticou os braços no ar, e agarrou a cabeça de Herman que saltava entre suas sombras. Herman tentou reagir, mas foi tarde demais. As mãos de Izanamou, embora desprovidas de carne, eram incrivelmente fortes e precisas. Ela o segurou com uma força esmagadora, como se estivesse prendendo um inseto.
— Izanamou! — Ela sorriu em triunfo, e puxou a ampulheta do bolso de Herman.
Um sorriso de triunfo curvou seus lábios pálidos enquanto ela puxava a ampulheta do bolso de Herman. Sua mão esquelética segurava o artefato com cuidado quase reverente. Para minha surpresa, ela soltou Herman com suavidade, deixando-o cair no chão sem nenhum gesto de agressividade adicional. Algo estava errado.
Antes que eu pudesse reagir, uma voz reverberou pelo céu:
— Super Hiper Mega Blaster Ultra Laser!
Era a assinatura sonora inconfundível da habilidade especial de Yoou, e uma explosão de luz laranja cortou os céus; Izanamou colocou as mãos na frente do rosto, em uma clara tentativa de se proteger da intensa claridade. E esse comportamento me deixou ainda mais inculcado, se ela não tinha olhos, por que se proteger da claridade daquele golpe?
— Te peguei! — Maria surgiu por de trás de Izanamou, e conjurou suas correntes da miséria contra a besta.
Ela puxou as correntes com toda sua força, e forçou Izanamou a se ajoelhar, enquanto recebia toda a rajada do ataque de Yoou. O ataque cessou, e o inimigo ainda estava intacto, imóvel, e ainda sem nenhum arranhão. Izanamou começou a gargalhar. Sua risada era rouca, cortante, e cheia de desprezo, como se fossemos uma diversão passageira.
Com um movimento brusco, Izanamou puxou as correntes para frente, e Maria se desequilibrou para frente. Ela estava agora no alcance de Izanamou, a criatura soltou um leve sorriso e aproximou as mãos dela, e não a atacou. Izanamou simplesmente acariciou o rosto dela, em um movimento estranho.
Assustada, Maria pulou para trás, e sem perceber soltou as correntes que prendiam Izanamou. A criatura ainda estava vulnerável, e eu não podia perder essa chance, tinha que fazer algo, naquele momento, antes que ela se recuperasse.
— Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Sete: Fogo! — Girei os meus braços, e uma enorme bola de fogo saiu dos meus dedos.
Eu sabia que não seria o suficiente para destruir Izanamou, meu objetivo era apenas a desestabilizar um pouco. Nem isso consegui, Izanamou podia ser gigante, contudo, seus movimentos eram rápidos, muito rápidos. Ela saltou por cima do meu poder, e caiu de frente para mim.
— Qual o plano? — questionou Maria para mim, ao se levantar atônita, ela colocou a mão na bochecha e ainda podia sentir o toque de Izanamou em sua pele.
— Vão embora, levem o resto dos artefatos, eu irei cuidar dela — afirmei, ainda com o gosto do sangue na boca.
— Escriba, você está bem? — questionou ela para mim.
Izanamou se aproximava, em passos lentos, suas lâminas giravam ameaçadoramente, em ritmo cadenciado, prontas para me cortar.
— Nunca me senti mais vivo! — Agarrei as lâminas giratórias com minhas mãos nuas, para minha sorte, elas foram incapazes de me cortar. E eu não recuei. Não podia recuar.
Uma aura escura envolveu minha mão. A energia negra fluía, e subia pelas espadas de Izanamou, envoltas agora em uma névoa quase tangível.
Do outro lado da luta, Herman nos observava em silêncio, e logo percebeu a extensão do meu verdadeiro poder. Ele gritou para todos os outros:
— Ele vai ativar! Corram! Agora!
Izanamou emitia uma expressão de felicidade pela sua boca, enquanto forçava todo o peso nas lâminas contra mim. Ela ainda segurava sua força, e eu sabia disso. Cada golpe, cada movimento dela exalava um controle cuidadoso, como se estivesse brincando comigo, sem a intenção de me matar. Mas se ela resolvesse lutar de verdade, eu não teria chance.
— Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Quatro: Morte!
A aura negra ao meu redor explodiu de uma só vez, espalhou-se como uma onda de choque devastadora. O chão tremeu, a poeira e os fragmentos de pedra foram arremessados para todos os lados, e um silêncio momentâneo tomou conta do campo, apenas para ser substituído pelo som estrondoso da energia consumindo tudo ao seu redor. Eu flutuava no ar, logo acima de toda a fumaça, parecia que finalmente tudo havia acabado.
— Ei, Escriba! Poderia ter nos matado! — reclamou Yoou em voz alta, ao agitar as mãos para afastar a fumaça negra que ainda pairava ao seu redor.
Maria levantou-se do chão com dificuldade, a poeira cobria seu rosto, os olhos esmeralda escondidos atrás do cabelo prateado caído. Herman ao lado dela, a ajudava a ficar de pé.
— Izanamou… pensei que tivesse sido selada com os poderes de meu pai — disse Maria, a voz carregada de incredulidade e um toque de medo.
Herman cruzou os braços, e acariciou o fio de seu bigode, sua expressão pensativa demonstrava que ele pensava em algo.
— Se ela está aqui, isso significa que…
— Não… — interrompi antes que ele pudesse concluir o raciocínio. — Erobern continua preso no Reino das Sombras. — Fiz uma pausa, ao avaliar a situação. — Essa não é a Izanamou original, é uma cópia. A verdadeira teria nos matado imediatamente.
A fumaça começou a dissipar-se, e. quando esta finalmente se foi por completo, tudo o que restava era uma cratera no local da expansão do meu poder, mas nenhum sinal da criatura.
— Você a matou? — questionou Yoou, sua voz carregando uma mistura de esperança e dúvida.
— Gostaria… — murmurei, ainda sentindo o peso da batalha em meus músculos. — Mas não. Ainda posso sentir a presença dela… Ela…
Minha voz morreu enquanto minha mente se fixava em uma sensação inquietante. Arregalei os olhos ao perceber algo atrás de mim. Meus sentidos espirituais eram aguçados, minha “sensibilidade psíquica” deveria ter percebido aquilo se aproximar antes. Minha reação foi imediata:
— Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Dois: Tempo!
Tudo congelou. O vento cessou, os sons desapareceram, e um silêncio envolveu o campo de batalha. O mundo se tornara uma pintura estática, intocável. Virei meu corpo lentamente, e lá estava ela, Izanamou, logo atrás de mim.
Suas asas enormes, que lembravam as de uma mariposa, estavam vivas, adornadas com padrões que imitavam olhos. As doze espadas de ossos em cada uma das mãos pairavam a centímetros do meu pescoço, imóveis. Por pouco, meu pescoço não rolou no chão.
O cansaço começou a pesar em meus músculos e na mente. Havia muito tempo desde que conjurei essa técnica, e eu não estava preparado para o esforço colossal necessário para mantê-la ativa.
— Agora você já era… — murmurei para mim mesmo. Minha voz, embora confiante, soava como um eco inútil no vazio. Eu sabia que ela não poderia ouvir, ou pelo menos era o que acreditava.
Estendi a mão e aproximei minha palma do peito da criatura. Eu estava pronto para invocar o Caminho Número Quatro: Morte. Mas, quando meu olhar cruzou o rosto dela, algo me fez hesitar.
Sua boca se moveu.
Era quase imperceptível, mas estava lá. Um sorriso. Mesmo dentro do tempo parado, Izanamou ergueu um canto de seus lábios em um gesto carregado de provocação e triunfo. Meu foco desapareceu, e o segundo caminho começou a escapar do meu controle.
— Não… — sussurrei, mas era tarde demais.
O tempo retomou seu fluxo. Em um piscar de olhos, me vi ao lado de Herman e Maria. Para eles, tudo parecia normal. Nada havia mudado. Mas para mim, aquele instante foi uma eternidade carregada de um peso esmagador.
— Aquela coisa… está em outro nível… — murmurei, minha voz carregada de dor e incredulidade.
Levei a mão ao estômago. Uma dor imensa tomou conta do meu corpo, como se tivesse sido golpeado centenas de vezes. Mas… como? Quando? Eu não me lembrava de ser atingido.
A dúvida tomou conta de mim. Será que…? Não, era impensável. Izanamou não poderia ter manipulado o tempo junto comigo. Era algo fora do alcance até mesmo de Erobern. E se ela pudesse… por que não me matar de uma vez?
Meu corpo fraquejou, e eu cuspi uma quantidade preocupante de sangue. Não havia tempo para respostas. Não agora.
— Vão embora! Agora! — ordenei para o resto do grupo.
— Escriba? O que aconteceu — Maria se aproximou de mim, sua voz carregada de preocupação.
— Eu disse para irem embora! — insisti, ofegante. — Se eu não conseguir derrotar Izanamou, ninguém aqui pode. Ninguém… exceto a Marechal Joana ou… ou Erobern. — As palavras saíram intervaladas enquanto mais sangue escorria de minha boca.
Eu me forcei a ficar de pé, o ferimento não parecia mortal, mas era suficiente para me deixar desabilitado. Eu só precisava de um pouco de tempo para me curar.
— Então é aqui que está rolando a festa? — A voz de Sedenta ecoou atrás de mim, no tom de sua usual irreverência.
— Sempre atrasada… — Herman lançou um olhar furioso na direção dela, sua frustração evidente.
— Fiz novos amigos no caminho. Não é minha culpa. — Sedenta deu de ombros, o sorriso zombeteiro em seus lábios que sempre ampliavam a irritação de Herman.
— E quanto à sua missão? — Herman rebateu, sem olhar para ela.
— Ah, o garoto? Estava indo direto para o ‘Olho do Tigre’. Deve estar morto a essas alturas. — Ela falou com uma leveza perturbadora, antes de apontar para o céu, onde Izanamou pairava como uma sombra ameaçadora. — E quem é essa peça rara aqui?
— Deixem isso comigo. Vou ativar minha projeção astral… É a única forma de derrotar Izanamou… — A cada palavra, eu cuspia mais sangue.
— Está levando uma surra, Escriba? — Sedenta provocou, rindo baixinho da minha situação.
— Alexandria, manifeste-se! — gritei, ao ignorar a provocação, enquanto papéis saim da manga do meu uniforme, e eram levados pelo vento.
Projeção astral, um dos dez sentidos espirituais, considerados por muitos a técnica mais difícil de controlar e aperfeiçoar. Consiste totalmente na habilidade de separar uma parte de sua consciência do seu corpo, e transformá-la em algo sólido ou etéreo, vária da capacidade mental de cada um.
Essas partes da consciência são chamadas de guardiões, e cada um tem uma personalidade única e aparência única, moldada pelos pensamentos e desejos de seu criador. Alexandria é o nome da minha guardiã, e também o nome da minha habilidade única.
Os papéis lançados ao ar começaram a se unir, peça por peça, e se moldaram na figura de uma guerreira andrógina de dois metros de altura. Sua silhueta era delineada por camadas de papel impecavelmente sobrepostas. Alexandria não tinha rosto, apenas a presença imponente de sua armadura feita inteiramente de papel. Em suas mãos, nada além de um livro negro como a própria noite.
— Alexandria, a seu dispor… — sua voz soou firme e respeitosa, enquanto ela assumia posição de batalha, e se colocar entre nós e Izanamou.
Izanamou, contudo, não demonstrou surpresa. Pelo contrário, com um movimento sutil, pousou no chão. As doze espadas que empunhava desapareceram como por mágica, substituídas por uma névoa negra que saiu de sua boca e começou a se condensar no chão diante dela.
— Impossível… —- falou Maria, surpresa pelo que víamos ser criado na frente de nossos olhos
— Uma calamidade capaz de controlar uma projeção astral… — Até mesmo Sedenta ficou sem palavras.
A névoa começou a ganhar forma, e transformou-se em algo que lembrava um boneco de soldado de madeira. Era do mesmo tamanho de Alexandria, armado com uma espada fina que reluzia ao toque do sol. Sua armadura carregava a mesma tonalidade sombria da névoa que o formou.
— Wächter, a seu dispor. — declarou ele com um tom robótico. Mas, por trás da monotonia, era impossível ignorar o desprezo e a zombaria que transbordavam de suas palavras.
— Por que Izanamou teria um guardião? — Yoou questionou para todos, tentando encontrar sentido naqueles eventos.
— Agora entendo… — Comecei a rir pela minha própria tolice.
— Ele está bem? — Sedenta sussurrou no ouvido de Maria ao ouvir minha reação ao que acontecia. A princesa olhou de volta para ela com um rosto atordoado e sem respostas.
— Wächter, me diga, quem é o seu mestre? — Herman se aproximou do guardião, sem medo. Ele havia entendido o mesmo que eu.
O guardião ficou em silêncio por um tempo, até falar algo que mexeu com todos nós.
— Meu mestre é Vítor…
Todos, exceto eu e Herman, ficaram boquiabertos ao ouvir aquele nome. Era o nome do garoto, o novo recruta do Exército de Libertação.
— O quê? Mas isso não faz sentido! — exclamou Yoou, ao apontar para o Guardião incrédulo. — Como o Guardião de Vítor se manifestou diante de Izanamou?
A criatura sorriu, desta vez com um tom distinto, em um tom de felicidade por termos entendido finalmente o enigma.
— Como eu suspeitava… Não estamos lutando contra Izanamou… Na verdade, estamos lutando contra Vítor.
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