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    Vitor atacou com a intensidade de um trovão, a sua dúzia de lâminas em um ataque sincronizado e uníssono. Apesar de todo o empenho colocado naquele golpe, a Deusa desviou de cada ataque sem sofrer um único arranhão. Ela era mais rápida que a forma ascendida de Vítor, e parecia antecipar cada avanço com perfeição.

    Eles pulavam pelos destroços flutuantes do veleiro celestial partido, e uma delicada dança acrobática no ar. Vítor sempre na ofensiva, enquanto a Deusa permanecia na defensiva o tempo todo, até que em um momento isso mudou.

    A Deusa tomou distância, e girou os braços, enquanto Vítor apenas a observou.

    — Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Cinco: Vento!  — gritou ela, em anúncio ao seu primeiro ataque na luta.

    Uma forte lufada de ar tomou os céus, e as madeiras flutuantes da ‘Grande Árvore Mãe de Todas as Coisas’ tomavam o céu. As valquírias planavam ao redor do campo de batalha, e assistiam à luta, divididas entre a hesitação e o desejo de intervir. Porém, eu já havia decidido por elas.

    — Um duelo justo é um duelo justo. — Minha voz ecoou enquanto eu surgia atrás de uma delas, a que claramente parecia ser a líder. Antes que ela pudesse reagir, ergui a mão. — Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Nove: Eletricidade!

    O relâmpago a matou na hora. Meu poder estava cinco vezes maior do que durante meu combate contra o que acreditava ser Izanamou. Fazia muito tempo que eu não utilizava mais do que dez por cento da minha força verdadeira, e agora, aquela sensação familiar de adrenalina e supremacia me preenchia. O êxtase de esmagar os mais fracos, de sentir o desejo primal de lutar ardia dentro de mim. Era indescritível. Era puro. Era maravilhoso.

    Enquanto isso, Vítor continuava seu duelo feroz contra a Deusa. A cada golpe, ele percebia o ar ao seu redor se tornar mais denso. Foi nesse ambiente sufocante que ele cometeu um pequeno descuido. A dor veio como um relâmpago, intensa e paralisante. Um de seus seis braços foi decepado, não por lâminas, mas pelo próprio vento, que cortava como milhares de lâminas invisíveis, afiadas e implacáveis.

    — Izanamou… — murmurou ele, surpreso com o ataque inesperado. Contudo, sua forma ascendida rapidamente iniciou o processo de regeneração, e um  novo braço começou a surgir no lugar do membro decepado.

    A Deusa apenas observou a cena, e logo decidiu sua estratégia de combate. Ataques convencionais seriam inúteis contra um inimigo com tamanha capacidade regenerativa. Sem perder tempo, ergueu os braços ao céu e canalizou sua energia para o próximo golpe.

    — Dezesseis Caminhos para o Paraíso, Caminho Número Sete: Fogo! Módulo Inferno!

    Uma esfera de fogo azul surgiu em suas mãos, condensada como uma poderosa luz ofuscante e com uma energia avassaladora. Ela a lançou em direção a Vítor, e desta vez o ataque era diferente, impossível de ser evitado. A esfera colidiu com seu corpo, e o envolveu em chamas sobrenaturais. Ele gritou em dor ao sentir o corpo queimar. Quando o fogo cessou, Vítor ainda estava de pé, mas algo estava errado.

    Ele olhou para o lugar onde antes estava seu braço decepado, e percebeu o pior, sua regeneração havia sido interrompida. O fogo azul havia corroído não apenas sua carne, mas também sua capacidade de cura.

    — Boa sorte em tentar se curar agora… — declarou a Deusa com um sorriso frio, ao lançar outra esfera de fogo azul em sua direção.

    Desta vez, Vítor apenas sorriu, sem tentar desviar do projétil. A bola de fogo o engoliu completamente. E quando o fogo dissipou, ele havia desaparecido no ar.

    — Fugindo, é? — murmurou a Deusa, ao examinar os destroços flutuantes do veleiro celestial, os olhos atentos em busca de qualquer movimento.

    — Izanamou! — Vítor surgiu atrás dela em um movimento veloz, as lâminas brilhantes contra a luz do sol em suas mãos. Ele desferiu um golpe com todo o seu vigor, mas, para sua frustração, as lâminas deslizaram inutilmente pela pele da Deusa, incapazes de sequer arranhá-la.

    A Deusa sorriu, um gesto repleto de superioridade. Sem hesitar, desferiu um golpe no rosto de Vítor, com força suficiente para quebrar a imponente carapaça de Izanamou que o envolvia. O exoesqueleto começou a se desfazer em fragmentos, caindo como pó ao redor dele, até revelar seu corpo humano por baixo.

    — Você…! — exclamou a Deusa, surpresa ao reconhecer o rosto de Vítor.

    — Sim, sou eu… — respondeu ele com tranquilidade, enquanto removia os pedaços restantes da carapaça como se fossem roupas rasgadas. — Mas, para ser honesto, estou sem paciência para uma luta séria. Tenho objetivos maiores para alcançar. Então, se não se importar…

    A névoa negra ressurgiu ao redor de Vítor, e moldou-se como uma nova e imponente armadura. Seu olhar se transformou em abismos de pura escuridão, enquanto a antiga forma de Izanamou era consumida, dando lugar a uma entidade ainda mais temível. Com um movimento firme, ele esticou o braço, e atravessou o peito da Deusa. O sangue divino escorreu, gotejou sobre a Ampulheta de Cronos, e a tingiu com um brilho vermelho cintilante.

    Por um breve instante, tudo parecia estar indo conforme o planejado. Estávamos a um passo de retornar ao quadragésimo primeiro ciclo, de encerrar a missão com sucesso. Mas eu estava terrivelmente enganado.

    A Deusa não demonstrou dor ou medo. Pelo contrário, ela sorriu, um sorriso frio e enigmático que transbordava poder e desdém. Antes que Vítor pudesse reagir, ela agarrou a Ampulheta em sua mão e, com um movimento rápido e inesperado, usou o artefato para golpeá-lo violentamente no rosto.

    Foi nesse momento que tudo mudou. Eu senti o mundo paralisar, o tecido do tempo se torcer e reverter. O sangue ascendido de Vítor misturou-se ao sangue da Deusa, e caíu na Ampulheta. O artefato começou a pulsar, sua coloração alternativa entre um laranja incandescente e um vermelho profundo, até finalmente assumir um tom de escuridão absoluta.

    O mundo ao nosso redor desabou em trevas. O som foi substituído por um silêncio opressor, e eu já sabia o que aconteceria em sequência. Sem pensar, transformei meu corpo em papel para escapar da explosão subsequente.

    Quando recobrei os sentidos, tudo havia desaparecido. Não restava nada além de um vazio absoluto, uma vastidão negra sem início ou fim. O silêncio era tão profundo que parecia esmagar minha própria existência. A realidade, como eu conhecia, havia sido apagada.

    E então, tão rápido quanto desapareceu, a realidade foi reconstruída. Senti o aroma fresco da grama molhada sob meus pés, o ar puro preenchendo meus pulmões. À distância, avistei a gigantesca estátua guardiã na entrada do porto da Joia da Coroa.

    Eu estava no topo de uma colina, no coração do majestoso parque imperial, que ocupava uma das ilhas adjacentes ao arquipélago onde a cidade se erguia. Sob a sombra de uma árvore frondosa, uma figura estava sentada, e segurava uma pequena xícara de chá. Parecia me aguardar pacientemente.

    — Escriba… Como foram as coisas? — perguntou a figura, com uma voz doce e inconfundível que reconheci de imediato.

    — Erobern… O que aconteceu? — indaguei, ainda tentando processar a sequência caótica de eventos.

    — Imprevistos… — respondeu ele, em um tom sereno, e ao mesmo tempo carregado de mistério.

    Me aproximei dele, e como previ, não havia um rosto, ele era apenas uma silhueta.

    — Você deveria saber de tudo, não é? — falou, em um tom amigável e despreocupado.

    — Estamos de volta ao ciclo quarenta e um? — questionei para ele, ao me sentar ao seu lado.

    — Não, infelizmente minha ideia não saiu como planejado… Não esperava que o sangue ascendido de Vítor contaminasse a ampulheta. — Ele suspirou, como quem lamenta um erro inevitável, e deu mais um gole no chá.

    — Onde estamos? — Continuei a fazer perguntas.

    — Ciclo zero… 

    — Que maravilha… — Soltei uma pequena gargalhada de nervoso. — E agora, o que faremos?

    — Esperamos… Assim como sempre fizemos, mas dessa vez, sinto que será diferente…

    — O que você vê?

    — Vejo uma garota ruiva… — Ele soltou um longo suspiro e se levantou. — Não é Vítor que nos guiará a vitória, é Alice…

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