Índice de Capítulo

    — Próximo… — gritou uma voz feminina aguda da sala número dezessete, na frente da fila na qual Alice estava.

    A vez de Alice finalmente chegou, surpreendentemente rápido, e ela entrou na sala. Era um ambiente relativamente pequeno, e lembrava de certa forma um consultório médico, todavia com suas próprias peculiaridades. Do lado direito da sala, uma mulher de cabelos loiros longos e orelhas pontudas estava sentada atrás de uma mesa de carvalho adornada e muito bem trabalhada. 

    Sobre a mesa, havia uma pilha organizada de papéis e, ao lado, um grande pacote de broches dourados entalhados com coroas minuciosamente detalhadas. No centro da mesa, uma esfera negra capturava a atenção de qualquer um que a olhasse; dentro dela, um líquido viscoso meio acinzentado movia-se de maneira não natural, como se tivesse vida própria.

    — Sente-se — ordenou a mulher, sua voz firme e sem paciência para qualquer tipo de demora. Assim que Alice obedeceu, a mulher pegou uma folha de papel e colocou uma caneta de pena sobre ela. Sem que ela a tocasse, a caneta começou a escrever sozinha, e deslizava pelo papel com movimentos precisos. — Meu nome é Elisen, sou uma elfa do ‘Reino do Leste’. Não faça nenhuma pergunta; eu realmente não tenho tempo para explicações. Apenas coloque sua mão sobre a esfera.

    Ainda assustada e um pouco hesitante, ela estendeu a mão, seus dedos trêmulos aproximaram-se da superfície fria da esfera. Assim que sua pele tocou o objeto, o líquido em seu interior começou a se mover de forma caótica, como se tivesse sido despertado. A caneta que escrevia sozinha acelerou seu ritmo, em resposta à energia da esfera.

    — Ótimo, pode tirar a mão. — disse Elisen ao segurar o papel que a caneta havia preenchido e deixa-lá de lado. — Vamos ver… Seu nome é Alice, dezessete anos. Correto?

    Alice confirmou com um aceno de cabeça, sua curiosidade crescia a cada instante.

    — Vai querer mudar o seu nome?

    — Não? — respondeu meio desorientada.

    — Então, seja bem-vinda a Testfeld. Sua classe foi definida como “Curandeira”. Este é o seu broche. — Elisen retirou um dos broches do pacote e o entregou a Alice. — Ele serve como chave de acesso à sua interface de usuário. Na sala ao lado, vão lhe fornecer roupas, um saco de moedas e outros itens essenciais para sua estadia.

    — Só isso? — perguntou Alice, incrédula com a simplicidade do processo.

    — Por enquanto, sim. Meu papel é apenas registrar os novos recrutas e arquivar seus dados para futuras consultas no banco de dados do panteão. — Elisen continuou, ao estender o papel e indicar um número. — Seu ID de usuário é 13-0009-3456.

    Alice segurou o pequeno broche em suas mãos, uma mistura de dúvida e confusão estampada em seu rosto.

    — E o que eu faço com isso? — perguntou, ao examinar o objeto reluzente mais de perto.

    — Primeira regra: não o perca. O restante será explicado pelos heróis instrutores. — Elisen suspirou, seu tom de voz monótono e levemente entediado. Ela segurou a folha com os dados de Alice e os colocou em uma pasta na gaveta da mesa. — Agora, por favor, prossiga pela porta atrás de mim. Tenho uma longa fila de recrutas para atender hoje.

    Alice abriu a porta e a assim que a fechou, ouviu o grito abafado e impaciente da elfa chamar a próxima pessoa da fila. Ela apertou o broche dourado contra o peito, respirou fundo e deu um passo à frente, tentava reunir a confiança para continuar naquela jornada.

    Ao entrar, deparou-se com um salão espaçoso, muito maior que a sala anterior. Parecia um imenso pavilhão de exposições, com fileiras intermináveis de estandes. A maioria parecia funcionar como lojas, e exibiam os mais variados itens: armas reluzentes, poções coloridas, armaduras brilhantes e até mesmo artefatos mágicos cujos propósitos eram difíceis de adivinhar sem algum conhecimento prévio.

    — Heróis novatos, prossigam por aqui para receberem seus itens iniciais! — bradou um homem vestido com uma armadura de placas prateadas, sua voz firme cortava o som da multidão que preenchia o ambiente. Ele gesticulava com eficiência, e orientava o fluxo de recém-chegados pelas várias seções do pavilhão.

    Alice olhou ao redor, incerta de qual direção seguir. As placas de madeira suspensas no alto ofereciam alguma orientação, cada uma indicava uma seção específica para as diferentes classes de heróis. Após hesitar por alguns segundos, ela decidiu seguir a placa que dizia “Curandeiros”.

    A área dedicada aos curandeiros tinha um ar bem mais tranquilo e calmo, e estava visivelmente mais vazio que as outras áreas. Havia um grande estande no centro, e destacava-se dos demais, era adornado por uma placa escrita em letras douradas: “Curandeiros – Itens Iniciais”.

    Alice se aproximou lentamente. Atrás do balcão, um homem de aparência calma, com barba grisalha bem aparada, vestia uma túnica adornada com o símbolo de uma lua e uma estrela vermelha. Ele conversava de maneira descontraída com uma mulher em pé, apoiada sobre o balcão, também de aparência mais madura, vestida com um uniforme semelhante ao dele, porém menos trabalhado e sem tantos detalhes. Diferente dos demais heróis, que eram visivelmente jovens, os dois pareciam ter uma idade bem mais avançada, com os seus quarenta a cinquenta anos.

    — Ah, mais uma novata — disse o homem ao notar a aproximação de Alice. Ele encerrou sua conversa com a mulher ao seu lado e voltou sua atenção completamente para ela. Ele exibia um sorriso acolhedor e amigável. — Bem-vinda, curandeira. Primeiro dia, certo?

    Alice assentiu, e permanecia a segurar o broche dourado com firmeza na mão direita, como se aquilo pudesse ajudá-la a enfrentar o medo do desconhecido.

    — Muito bem, deixe-me explicar o básico. — Ele se levantou com calma, e revelou sua altura impressionante de quase dois metros. Com movimentos tranquilos, ele puxou um pequeno baú de madeira debaixo do balcão e o colocou na superfície diante dela. — Aqui estão seus itens iniciais.

    Alice abriu o baú, e encontrou um conjunto de objetos organizados: quatro mudas de roupas completas, uma capa cinza simples, mas funcional, um saco de moedas de prata e ouro, e uma pequena bolsa de couro vazia, provavelmente destinada a poções.

    — Meu nome é Andreas de Carlos, capitão da guilda ‘Aurora Sagrada’. É um prazer conhecê-la, senhorita… — Ele empurrou o baú em sua direção antes de acrescentar com uma piscadela amistosa: — Há um vestiário atrás do estande, caso queira trocar de roupa. Seria ideal vestir algo mais apropriado antes de iniciar o evento de introdução. Suas roupas destoam bastante da nossa época, além de… quebrar um pouco o clima, concorda?

    Alice olhou para ele, surpresa com a informalidade da última frase, mas não pôde deixar de perceber a lógica no que ele dizia.

    — Eh… Pode ser… — respondeu, sua voz hesitante refletia o desconforto que sentia ao pensar em trocar seu uniforme escolar, algo tão familiar, por roupas completamente novas e de um mundo tão diferente.

    Ela abaixou os olhos, e encarou o uniforme que ainda vestia. As linhas simples e a gravata escolar eram um lembrete estranho do passado que parecia ser tão distante, e de alguma forma estranha, irrelevante. Ela respirou fundo mais uma vez, e pegou o baú com ambas as mãos e olhou para Andreas mais uma vez.

    — Vou… dar uma olhada no vestiário, então.

    — Antes de ir ao Anfiteatro dos Heróis, uma última dica… — disse Andreas, cruzando os braços e inclinando-se levemente, como se esperasse um sinal de atenção.

    — Sim? — respondeu Alice, curiosa.

    — Os itens iniciais incluem cinquenta moedas de prata e dez moedas de ouro. Uma pernoite em uma hospedaria ou taberna na Cidade Celestial custa, em média, dez moedas de prata. Ou seja, você tem cinco dias para arranjar um emprego antes de acabar nas ruas.

    Alice piscou, surpresa pela franqueza da informação. 

    — E as moedas de ouro?

    — Uma moeda de ouro para uma refeição.

    — O que? Uma moeda de ouro para uma refeição?! — repetiu ela, assustada.

    Andreas soltou uma gargalhada curta, mas sem malícia. 

    — A Cidade Celestial parece cara, mas os salários aqui em cima compensam. Ainda mais com o sistema de missões e recompensas.

    — Aqui em cima? ‘Cidade Celestial’? Onde estamos? — Alice perguntou, ainda mais confusa.

    — A Cidade Celestial é a capital dos heróis. Uma cidade flutuante entre as nuvens. Depois da apresentação de introdução, passe pelo mirante. A vista para o mundo lá embaixo é… espetacular. — Ele fez um gesto amplo com a mão, como se quisesse destacar a grandiosidade do lugar. — Agora, não perca mais tempo. Vista-se e vá para o anfiteatro. Há muitas coisas incríveis para explorar aqui!

    — O senhor é da Terra?

    — Sim, sou. E como deve saber, todos estamos sob o juramento das Três Leis de Testfeld. Não posso contar muito mais que isso. Mas acredite em mim, este lugar é igual à Terra, a única diferença é o nosso acesso a poderes que estavam apenas em nossa imaginação… — Com um estalo de dedos, um pequeno galho brotou magicamente da ponta de seu dedo indicador, crescendo e ganhando folhas verdes diante dos olhos incrédulos de Alice.

    Ainda hesitante, Alice caminhou até o vestiário, um pouco atrapalhada pelo peso do baú. Respirou fundo, permitindo que o ar preenchesse seus pulmões, e sentiu uma inesperada onda de determinação surgir. Pela primeira vez naquele mundo desconhecido, um vislumbre de confiança tomou conta de seu coração. Ela iria enfrentar qualquer coisa, e entender o que realmente estava acontecendo ali.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota