Capítulo 14 – Sede dos Dragões do Sol
Vítor guiou Alice pela cidade a passos largos, e a forçava a se apressar para não ficar para trás. O peso da mochila tornava sua movimentação ainda mais difícil, mas ela se recusou a aceitar a oferta de Vítor para carregá-la, temia que fosse algum tipo de truque.
Chegaram em uma parte nova da cidade, com largas avenidas pavimentadas, ladeadas por imponentes árvores floridas que lançavam uma agradável fragrância no ar. Pessoas bem-vestidas caminhavam tranquilamente, muitas delas sorriam ao avistarem Vítor, especialmente ao reconhecerem o uniforme branco que ele usava. Carruagens bem ornamentadas trafegavam pelas ruas de paralelepípedos, puxadas por cavalos de pelagens brilhantes e bem cuidadas. Sentinelas da guilda dos Vinte Portões patrulhavam a área, suas armaduras prateadas reluzentes sob a luz do sol.
Uma praça colossal se estendia diante deles, seus jardins exuberantes exibiam flores raras de todas as partes do mundo. No centro do jardim, erguia-se um imenso palácio de arquitetura grego-romana, sua estrutura imponente dominava a paisagem. O mármore branco das colunas refletia a luz do dia, e conferia à construção uma aura quase divina.
De tudo aquilo, o que mais chamou a atenção de Alice foram as construções ao redor da praça. Vinte fortalezas colossais, cercadas por profundos fossos, estavam construídas em um padrão circular.
— Onde estamos? — perguntou Alice, fascinada pela grandiosidade do lugar.
Vítor lançou-lhe um olhar rápido antes de seguir em frente.
— A Grande Praça. É aqui que fica a sede da minha guilda.
Sem diminuir o ritmo, ele atravessou uma ponte de pedra que cruzava o fosso de uma das fortalezas. Alice hesitou por um instante antes de segui-lo. A estrutura à sua frente era imponente, com muralhas de pedra branca, e grandes vidraças coloridas Na entrada principal, entalhado em um escudo dourado, havia um brasão: um dragão majestoso devorando o sol.
Ao cruzarem os portões, Alice se viu em um espaçoso e bem iluminado, semelhante a um saguão de um hotel, ou de uma empresa. O chão de mármore polido refletia os raios do sol, e havia belos canteiros de flores nas paredes, com uma fonte esculpida na rocha.
Na entrada do salão principal, uma garota estava sentada atrás de uma mesa, com um livro de couro em mãos. Ela ergueu os olhos ao notar a chegada de Vítor e estranhou o comportamento dele, ainda mais com uma companhia, nada típico.
— Bem-vinda à Ordem dos Dragões do Sol, também conhecida como a guilda número um de toda Testfeld — anunciou Vítor, a voz carregada de orgulho. Então, virou-se para a garota na entrada. — Não é mesmo, Rebeca?
A jovem soltou um murmúrio irritado e soltou o livro.
— Seja bem-vindo, Vítor… — disse, com um tom de tédio exagerado. E então sua atenção foi direcionada para Alice. — E quem é essa? Outra nova acompanhante do Uriel?
Alice estranhou o uso de palavras de Rebeca, mas antes que pudesse responder, Vítor se adiantou.
— Não. Essa é minha nova aprendiz, Alice.
Rebeca esboçou surpresa, e então riu baixinho.
— Aprendiz? Zoe vai arrancar sua cabeça.
Vítor deu de ombros, um sorriso despreocupado nos lábios.
— Talvez. Mas estou disposto a correr esse risco.
Seu tom leve contrastava com a firmeza de sua próxima ordem:
— A classe dela é curandeira. Arranje uniformes de treino para ela e acomode-a na Ala Feminina C.
Rebeca estreitou os olhos, percebendo algo incomum na escolha.
— Tem certeza? — questionou, hesitante. — Normalmente, recrutas de baixo nível são acomodadas na Ala B. Se preferir, posso colocá-la na A, com as outras…
— Quero Uriel bem longe dela — interrompeu Vítor, seu olhar cravado no de Rebeca.
O salão pareceu ficar mais silencioso. A recepcionista analisou o rosto de Vítor por um instante, então voltou-se para uma lista na mesa.
— Entendido… Ala C, então. Vou providenciar tudo.
Virou-se, acenou para uma mulher de meia-idade do outro lado do salão e repassou as ordens de maneira objetiva:
— Alice, classe curandeira. Alojamento na Ala C. Uniforme de recruta e roupas de treino.
Antes que a mulher pudesse partir, Vítor acrescentou:
— Reserve também um treino no pátio às dez.
Rebeca confirmou com um aceno, mas antes que pudesse anotar, Vítor lançou um sorriso irônico para um dos guardas na entrada:
— E se ela se atrasar… pode matar.
Ele riu, e o guarda esboçou um sorriso discreto. Alice, no entanto, não conseguiu decidir se aquilo era apenas uma piada ou um aviso velado, talvez fosse ambos.
— No pátio, às dez. Entendeu? — Ele encarou Alice com a voz rígida, e a garota assentiu. — Qualquer coisa, peça ajuda para uma das camareiras. Elas são pagas para isso.
Sem esperar resposta, ele se afastou, um sorriso satisfeito no rosto. Tudo havia saído exatamente como planejado.
Caminhou pelos corredores do castelo, os passos ecoando suavemente nas paredes de pedra. Então, uma voz familiar o fez parar.
— Vítor? — O tom carregava uma pitada de deboche. — Você não tinha um barbeiro para ir?
Vitor passou a mão pelo cabelo.
— Imprevistos…
— Ah, é assim que você chama aquela garota? — Uriel se aproximou, pousando uma mão pesada sobre o ombro de Vítor. Seu sorriso traiçoeiro indicava que não perderia a oportunidade de provocar. — Penso aqui… como será que Zoe vai reagir quando souber dos seus encontros?
Vítor parou. Seu maxilar travou por um instante, e seus punhos se fecharam. Sentiu a névoa correr por seu pulso, pronta para se manifestar a qualquer momento.
— Não somos iguais… — sua voz saiu baixa, carregada de ameaça.
Uriel apenas riu, balançando a cabeça.
— Somos sim. — Ele estreitou os olhos, divertindo-se com a raiva de Vítor. — E é exatamente por isso que fiz de você meu vice-líder. Somos duas faces da mesma moeda… dois loucos por poder, sedentos por um lugar no topo. — Ele se inclinou levemente para frente, o tom quase confidente. — A única diferença é que eu não tenho medo de mostrar quem realmente sou.
Vítor sentiu um gosto amargo na boca. A mera ideia de ser comparado a Uriel lhe enojava. Ele era superior. Superior a todos eles. Um dia, fariam questão de reconhecer isso.
— Não toque nela… ou eu mesmo me encarrego de te matar.
Uriel sorriu, satisfeito.
— Tão protetor… — Ele se virou para o lado e bateu no ombro de Lucciola, que observava a cena em silêncio. — Não é engraçado?
O capitão dos Dragões do Sol ergueu os olhos lentamente, seus movimentos arrastados. As olheiras fundas denunciavam as longas noites sem descanso.
— É sim, Uriel… — respondeu, sua voz carregada de tédio.
Vítor inspirou, ao tentar manter a calma, estava farto daquela conversa. Ele se aproximou um passo, e pressionou o dedo contra o peito de Uriel de forma deliberadamente intimidadora.
— Não toque nela. E lembre-se da ilustração de Natã para o rei Davi.
Uriel piscou, confuso.
— Quem diabos é Natã?
Vítor soltou um riso curto e virou-se para ir embora.
— Leia um livro. Talvez descubra.
Uriel acompanhou-o com o olhar, antes de erguer a voz com escárnio:
— Eu também te amo, Vítor!
Lucciola, que observava a conversa, comentou para Uriel, desconfiado daquele comportamento repentino de Vítor:
— Ele estava assim de mau humor hoje de manhã?
Uriel cruzou os braços, um sorriso divertido ainda nos lábios.
— Não, até que estava de bom humor… — Seus olhos brilharam com malícia. — Deve ter sido um “imprevisto” bem irritante para ele estar assim agora.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.