Índice de Capítulo

    Vítor estava sentado no pátio de treinamento, ele observa o treinamento dos outros recrutas, enquanto esperava por Alice. Os recrutas treinavam de diversas formas, variando conforme a classe deles, alguns atacavam alvos de madeira, enquanto outros duelavam entre si. Além dos membros da Ordem dos Dragões do Sol, havia também aqueles que, apesar de não pertencerem à ordem, pagavam para receber treinamento ou aguardavam por uma vaga na guilda.

    Em Testfeld, os heróis são classificados em três categorias principais. Os de terceira classe são, em sua maioria, desertores ou renegados, fugitivos da lei e da justiça. Já os heróis de segunda classe, apesar de ainda manterem esse título, não desempenham um papel ativo na sociedade, e optam por empregos de baixo risco e prestígio. Eles frequentemente são novatos sem esperança ou ambições, e em pouco tempo descobrem as punições por tal comportamento. No topo da hierarquia estão os heróis de primeira classe, guerreiros que participam ativamente de batalhas, caçam monstros e buscam constantemente o aprimoramento de suas habilidades.

    Além dessas três classes, há uma quarta categoria não oficial: os membros de guildas. Como o próprio nome sugere, são heróis afiliados a uma das vinte guildas existentes. Cada guilda tem um limite máximo de cem integrantes, embora algumas prefiram manter um número ainda menor, como os Imortais, que contam com apenas quatro membros. Pertencer a uma guilda é um privilégio reservado a poucos e traz consigo inúmeras vantagens, como descontos em itens e acesso facilitado as missões de alto valor.

    — Pensei que nunca chegaria… — disse Vítor ao ver Alice se aproximar timidamente.

    Ela vestia um uniforme de treino cinza, composto por uma camisa e uma calça simples, porém resistentes e confortáveis. Seu coração estava inquieto. Sentia-se arrastada para algo que nunca desejou: tornar-se uma heroína em um mundo desconhecido. Nunca imaginou que isso poderia acontecer com ela, renascer em uma nova realidade e, agora, ser treinada por alguém estranho, cujos propósitos e verdadeiras intenções permaneciam um mistério.

    Ainda assim, havia algo em Vítor que lhe transmitia uma estranha sensação de segurança. Apesar da aura intimidadora que o cercava, havia nela também um traço fraternal, como se ele realmente se importasse com ela. Pelo menos, era isso que Alice queria acreditar.

    — O que você quer de mim? — perguntou Alice, a desconfiança ainda estampada em seu rosto, intensificada ao olhar ao redor do pátio de treinamento.

    — Ajuda mútua… — respondeu ao se levantar. — Você me ajuda com as suas habilidades de cura, e eu te ajudo com minhas habilidades de batalha.

    — O que exatamente estamos fazendo aqui? — questionou, ao olhar ao redor e ver os outros heróis treinarem.

    — Vamos despertar suas habilidades. Seu nível atual é um… Você é fraca, mas posso te ensinar algumas habilidades básicas.

    Alice franziu a testa.

    — E qual é o seu nível?

    — Zero.

    Ela piscou, surpresa.

    — Como assim, zero? Como alguém pode ser nível zero?

    Vítor cruzou os braços, explicando com calma:

    — Você está neste mundo no modo automático. Isso significa que depende de níveis para se fortalecer. Além disso, seus golpes são executados automaticamente pelo seu corpo. Mesmo sem nunca ter segurado uma espada na vida, alguém pode se tornar um espadachim habilidoso em um único dia, se aprender as habilidades certas. É como se seu corpo lutasse por você.

    Alice refletiu por um instante antes de perguntar:

    — E o que isso tem a ver com seu nível zero?

    — Estou no modo manual. Cada movimento que faço é controlado pelo meu próprio corpo. Preciso aprender a segurar uma espada, entender seu peso, distribuir a força corretamente. Para a maioria, isso seria uma grande desvantagem.

    — Então por que escolheu o modo manual?

    Vítor esboçou um pequeno sorriso.

    — Porque meus ataques não seguem padrões previsíveis como os do modo automático. Simples assim. Além disso, posso aprender novas técnicas e habilidades quando quiser, sem ser limitado por níveis ou qualquer outra barreira.

    — Entendo… — disse Alice, ao mesmo tempo, esboçava uma expressão de confusão em seu rosto, sem realmente entender o que Vitor queria dizer.

    — Para os fracos, o modo manual seria uma grande desvantagem, para mim, é a minha melhor arma.

    Sem esperar resposta, ele conduziu Alice até uma das baias de treino.

    — No seu nível atual, você só pode aprender três habilidades. Se tentar aprender uma quarta, esquecerá uma das anteriores.

    — Mas… eu não conheço nenhuma.

    — Eu sei. — Vítor assentiu. — Hoje, vou te ensinar duas habilidades simples: Bola de Fogo e Raio.

    — Isso não parece combinar com a minha classe de curandeira

    — São habilidades genéricas de afinidade — explicou Vítor. — Provavelmente, sua Bola de Fogo será mais forte que seu Raio, mas a longo prazo, o Raio é uma das habilidades mais poderosas entre as básicas. Além disso, é bem fácil de aprender.

    — E como exatamente você quer que eu faça isso? — Alice questionou, lançando um olhar desconfiado para o alvo de madeira à distância.

    — Você se lembra de como colocou fogo no braço daquele cara hoje de manhã?

    — O quê? Não! — respondeu, confusa.

    Vítor suspirou, ao coçar o cabelo.

    — Provavelmente estava tão nervosa que nem percebeu.

    — Então… o que faço agora?

    — Deixe-me pensar… — Vítor começou a andar ao redor dela, com uma das mãos no queixo. Após alguns segundos de pensamento, estendeu a mão. — Me dê sua mão.

    Alice hesitou, mas obedeceu. Vítor se posicionou atrás dela e ergueu seu braço direito com delicadeza.

    — Quero que imagine algo com muita pressão… uma chaleira fervendo, um cano de vapor estourando, qualquer coisa do tipo.

    — Hm… uma chaleira, tudo bem… — Alice fechou os olhos, tentando visualizar a cena.

    — Agora imagine o vapor escapando com força, explosivo e incontrolável. Sinta essa pressão dentro de você, acumulando-se até precisar de um ponto de escape. Esse ponto de escape é a sua mão. Entendeu?

    Alice assentiu, a imagem se formou em sua mente. Uma chaleira no fogão de sua casa, ela sentada ao lado de sua mãe, ambas conversavam, enquanto esperavam o chá ferver. Escutou o barulho da chaleira, e uma singela lágrima caiu do rosto dela, o coração pesado ao lembrar-se de sua família. Vítor sentiu a lágrima cair no braço dele, deu um suspiro meio irritado, e continuou a guiá-la no mesmo tom amigável:

    — Muito bem. Agora, canalize toda essa sensação para sua mão de uma única vez e diga: Bola de Fogo.

    Ela respirou fundo, ao sentir um calor crescente na palma de sua mão. Inspirou uma última vez e gritou:

    — Bola de Fogo!

    [Bola de Fogo – I]

    (Habilidade Simples de Nível 1 – Afinidade: Fogo)

    Uma pequena esfera flamejante se formou em sua palma e disparou para frente. No entanto, sua trajetória foi curta, e apagou-se no ar antes mesmo de chegar perto do alvo. Alice olhou para a própria mão, incrédula.

    — Isso… isso realmente saiu de mim?

    Vítor deu de ombros, mas não conseguiu esconder um sutil sorriso de orgulho.

    — Melhor que nada.

    Alice suspirou, desapontada.

    — Isso foi patético…

    Vítor cruzou os braços, e tentou lançar um elogio para animá-la. 

    — Para alguém que nunca lançou uma habilidade antes, foi um bom começo.

    — Mas nem sequer chegou perto…

    — E o que esperava? Uma explosão capaz de incendiar o campo inteiro?

    Ela olhou para baixo, e se sentiu ainda mais patética. Vítor percebeu a expressão dela, e logo comentou:

    — Vou te contar algo interessante… Existe uma habilidade chamada Canal. Alguns dos heróis mais poderosos da história já a usaram, mas foi banida por ser perigosa demais. Essa habilidade permite sacrificar uma parte do próprio corpo para obter um aumento temporário de poder.

    Alice engoliu em seco, a história lhe deixou com mais dúvidas do que certezas.

    — Como assim, sacrificar?

    — Se você usar o Canal e logo depois uma habilidade básica, como Bola de Fogo, você poderia… digamos, ao custo de um olho, talvez incendiar um bairro inteiro. Se sacrificasse um braço, talvez uma cidade. E se estivesse realmente desesperada… oferecer sua própria vida para erradicar uma calamidade.

    — Calamidade? Você está falando daquelas coisas que Erobern invoca para nos forçar a lutar?

    — Pode-se dizer que sim. — Vítor respondeu casual. — Pronta para tentar de novo?

    Ele colocou a mão no braço de Alice e a reposicionou exatamente como antes.

    — Você já lutou contra uma dessas coisas?

    Vítor hesitou por um instante antes de sorrir de lado, como se lembrasse de bons momentos.

    — Pode-se dizer que sim…

    — Como assim?

    Vítor substituiu a feição amigável por um tom mais sério, um frio percorreu a espinha de Alice.

    — Perguntas simples nem sempre têm respostas simples. — E no instante seguinte, ele retornou ao tom cordial de um professor. — Vamos continuar, sim? Ainda quero te ensinar a habilidade Raio hoje.

    Alice concordou com um aceno de cabeça, mas não estava satisfeita. Sentia que Vítor escondia algo por trás daquela fachada despreocupada.

    Ela ergueu a mão e gritou novamente:

    — Bola de Fogo! 

    Uma esfera de chamas surgiu na mão dela e voou no ar. Dessa vez, o projétil percorreu uma distância maior antes de se dissipar no ar.

    — Outra vez, vamos… — ordenou Vítor, ao cruzar os braços e se afastar um pouco.

    Alice cerrou os punhos e se preparou.

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