Capítulo 17 – Treinamento (Parte III)
Alice e Vítor estavam novamente no pátio, diante do mesmo alvo de madeira desgastado.. Depois do almoço, Alice sentia suas energias revigoradas, e o cansaço do treino matinal já parecia uma lembrança distante. Vítor a observou com atenção.
— Antes de eu te ensinar a próxima habilidade, quero testar algo. — Ele inclinou levemente a cabeça. — Quero ver uma Bola de Fogo, mas, desta vez, acerte o alvo.
Alice assentiu, ainda sem muita confiança nas suas habilidades.
— Tudo bem… Bola de Fogo!
Ao invocar a habilidade, levou o braço para trás e fez o movimento de arremesso. A esfera flamejante se formou rapidamente em sua mão. Apesar de a potência não ser tão forte quanto a última, a trajetória desse projétil era muito melhor. A esfera percorreu o ar sem fazer curvas e errou o alvo de madeira por alguns centímetros.
Vítor cruzou os braços e suspirou, caminhando até um toco de madeira abandonado no pátio antes de se sentar.
— Ótimo. Agora, de novo…
Alice observou um pouco irritada ao vê-lo acomodado, enquanto ela parecia gastar sua energia naquele exercício. Se Vítor era tudo aquilo, então ele deveria ter uma habilidade muito forte, certo?
— Você poderia demonstrar para mim…? — perguntou, meio sem jeito, mas com intenções ocultas.
Vítor riu, e apoiou um cotovelo no joelho.
— Eu não sei essa habilidade.
Alice girou a cabeça, confusa pela sinceridade de Vítor.
— E mesmo assim quer me ensinar?
— Todas as habilidades seguem um princípio semelhante de aprendizado. Eu apenas não gasto tempo com as básicas… Prefiro me concentrar em técnicas mais poderosas.
— Mais poderosas como o quê?
Vítor sorriu de canto.
— Você viu no beco.
O arrepio que percorreu a espinha de Alice foi involuntário. As lembranças daquela manhã voltaram à sua mente, os bonecos de madeira surgindo das manchas negras na parede, os bandidos morrendo na sua frente.
— Mestre das Marionetes. Esse é o nome da minha técnica — murmurou Vítor, o sorriso no rosto conforme Alice demonstrava uma aparência assustada. — Minha classe é necromante. Uso cadáveres como extensão da minha vontade, dobrando-os para me servirem.
Alice abriu a boca para responder, mas hesitou, as cenas ainda vívidas na sua mente.
— Isso é…
— Assustador? Bizarro? Repugnante? — completou ele com sarcasmo. — Talvez. Mas também é poderoso. E é por isso que gosto tanto dela…
Soltou um longo suspiro, e pensou sobre a sua mentira. Ele não era um necromante. Essa era apenas uma fachada para encobrir seu verdadeiro poder. Sua verdadeira classe, ‘Senhor da Névoa’. Mas revelar esse segredo antes da hora arruinaria seus planos.
— E então? — A voz dela quebrou o silêncio.
Vítor balançou a cabeça, e afastou os pensamentos, devia focar-se no agora.
— De novo… — ordenou, a expressão de frieza habitual havia retornado.
— Bola de Fogo! — Ela girou os braços, os olhos focados no alvo.
Com um movimento preciso, ela lançou a habilidade. Dessa vez, a esfera flamejante atravessou o ar sem curvas, e colidiu contra o alvo de madeira com tanta força que o fez tombar no chão.
Vítor arqueou uma sobrancelha, surpreso. Um sorriso satisfeito surgiu em seu rosto.
— Impressionante. — Ele se levantou, ao se aproximar dela. — Acho que já está pronta para a próxima habilidade… Raio.
— É só gritar Raio também? — perguntou Alice, com um toque de ironia na voz.
— Sim. Em níveis mais altos, você poderá conjurá-la com um pensamento, um estalar de dedos ou um simples movimento de mãos. Mas, por enquanto, vamos nos concentrar das conjurações verbais.
— Raio! — gritou ela, ao estender a mão com determinação, assim como quando conjurou Bola de Fogo instantes antes.
Nada aconteceu.
Vítor soltou um longo suspiro, observando a cena com uma mistura de tédio e frustração. O rosto de Alice estava tão vermelho quanto seu cabelo.
— Acho que ia ser simples assim… — afirmou ele, e estalou os dedos. Uma mancha negra surgiu ao lado do alvo caído, e uma marionete saltou da sombra. Em silêncio, a criatura ergueu o alvo de volta à posição e desapareceu no ar como poeira.
— E-eu… sinto muito… — balbuciou Alice.
— Tanto faz. — Vítor se aproximou e segurou a mão dela, posicionando-se atrás. — Quero que imagine algo caindo do céu. Algo veloz, atingindo o alvo com força. Consegue visualizar?
— Sim… — murmurou ela, ao fechar os olhos.
— Ótimo. Agora, veja esse objeto cortando o ar e colidindo contra o solo. Consegue sentir o impacto?
Ela assentiu com a cabeça, ainda com o olho fechado.
— Então diga. — A voz de Vítor soou firme.
— Raio!
[Raio – I]
(Habilidade Simples de Nível 1 – Afinidade: Eletricidade)
Um clarão cegante surgiu como mágica, seguido por um estrondo muito alto. A terra explodiu a poucos metros deles, poeira e detritos foram lançados no ar. No chão, uma pequena cratera do tamanho de uma bola de tênis marcava o ponto de impacto. O barulho repentino fez Alice se assustar. No susto, ela perdeu o equilíbrio e caiu para trás, e arrastou Vítor junto ao chão.
Agora, ela estava por cima dele, as mãos pressionadas contra o peito do rapaz. Seu rosto corou no mesmo instante, enquanto Vítor, estoico, sequer reagiu, exceto com uma reclamação:
— Sai de cima…
— M-mil desculpas! — Alice saltou para trás, completamente envergonhada. — Eu me assustei… não esperava que fosse tão alto… e-e… — gaguejou, tentando se recompor.
— Só não faça de novo… — Vítor resmungou, e olhou para o próprio uniforme branco coberto de terra. Ele o balançou irritado. — Impossível manter esse maldito uniforme limpo por um dia sequer!
Antes que Alice pudesse dizer algo, uma sombra negra ondulou sobre o tecido sujo. Em um instante, o uniforme estava impecável, sem um único grão de poeira. Alice estranhou aquilo, mas decidiu não se pronunciar sobre.
— E então? — Ele cruzou os braços. — Faça de novo, e de novo, e mais uma vez! Até você acertar o alvo.
— Não era bem o que eu esperava dessa habilidade…
— Realmente, isso não é exatamente um raio. — Ele voltou a se sentar no toco de madeira. — É só uma explosão momentânea de eletricidade no ar. Mas, se treinar o bastante, poderá invocar um verdadeiro relâmpago do céu para fritar seus inimigos.
Os olhos de Alice brilharam.
— Um raio de verdade?
— Sim. Não vai causar tanto dano… Quem liga, é algo bem legal de se fazer. — Vítor colocou as mãos sobre a cabeça e alongou as costas.
Ela sorriu. O pensamento de invocar um raio real era animador.
— Certo… De novo!
Ela ainda tinha a tarde inteira para praticar.
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