Capítulo 18 – Kamhongshan (Parte I)
6 de março de 5997 d.E. – Kamhongshan, Território Goblin.
Passaram-se três dias desde que Alice havia sido recrutada como aprendiz de Vítor. Nesse curto período, treinou todos os dias, até aprimorar suas habilidades Raio e Bola de Fogo para sua primeira missão.
Além do treinamento, também aprendeu mais sobre aquele herói. Vítor era o vice-líder da guilda número um no ranking global e ocupava a nona posição entre os heróis em atividade. No entanto, pelos relatos que ouvira, sua colocação era enganosa. Embora estivesse em nono lugar na pontuação oficial, muitos o consideravam o terceiro mais poderoso do mundo, superado apenas por Uriel, o líder de sua guilda, e por Dante, o chefe da segunda guilda mais bem ranqueada.
Durante esse tempo, Alice também conheceu Zoe, a namorada de Vítor. O contato entre elas foi breve, limitado a um aperto de mãos educado e um beijo na bochecha. Zoe era a quarta colocada no ranking oficial e exalava confiança, seu olhar sempre carregado de orgulho. Para sua surpresa, ela foi incrivelmente simpática, apesar das muitas fofocas que circulavam sobre Alice ter se tornado aprendiz de Vítor. Diferente do que a garota temia, Zoe parecia estar completamente tranquila quanto a isso.
Alice estava deitada na cama da sua cabine, os pensamentos perdidos na sua casa, o olhar bondoso de sua mãe, o aperto na bochecha de seu pai. Eram sentimentos maravilhosos, e que pareciam tão distantes para ela. Voltou a realidade quando escutou uma batida na porta da cabine.
— Alice, estamos chegando — disse Vítor atrás da porta. — Arrume suas coisas, estaremos desembarcando em breve.
Alice se levantou da cama, ainda sonolenta. Estavam a bordo de um barco celeste, e viajavam em direção à cidade de Kamhongshan, no continente leste. Quando ouviu esse nome pela primeira vez, ela tentou repeti-lo, sem sucesso. Era um nome estranho, que parecia travar sua língua. Curiosa, perguntou a Vítor de que língua se tratava e recebeu uma resposta que a deixou ainda mais confusa: era a língua dos goblins. Sim, Kamhongshan era a capital do território goblin.
Eles haviam embarcado no entardecer anterior, e desde então, Alice não conseguia parar de pensar para onde estavam indo. Uma cidade goblin? Tudo o que sabia sobre goblins era o que lendas e histórias da Terra: criaturas gananciosas, bárbaras e incivilizadas, obcecadas por ouro. Goblins saqueavam vilarejos, sequestravam donzelas e se multiplicavam rapidamente, com suas hordas espalhando o terror pelo mundo civilizado.
A ideia de uma cidade goblin, ainda mais uma capital, a deixava intrigada. Como seria um assentamento desses monstros? Sabia estarem ali para uma missão de caça a goblins, mas isso significava que atacariam a cidade?
Além de Vítor e Alice, um grande grupo de outros heróis acompanhava a expedição. Alguns eram membros de uma equipe de treino para aspirantes a integrar a guilda dos Lobos Cinzentos, enquanto outros eram aventureiros independentes, sem afiliação. No geral, eram considerados de nível baixo, com exceção dos veteranos instrutores da guilda e de um herói de alto nível que trazia consigo um novo aprendiz. Independentemente da origem, todos tinham um único objetivo: exterminar goblins.
Essa era uma missão de ranqueamento baixo, classificada com apenas uma estrela no quadro geral. Era considerada adequada para heróis de nível dez ou superior. Mas Alice ainda estava no nível um. Com exceção os treinos no pátio da guilda, nunca havia participado de uma batalha real, até mesmo na luta no beco, ela não havia contribuído muito. Ainda assim, Vítor não parecia preocupado. Ele garantiu que aquela missão seria perfeita para que ela ganhasse experiência e subisse de nível rapidamente.
Abriu a porta da cabine, e pegou sua bolsa de couro. Era a mesma que havia ganhado no pavilhão como seus itens iniciais. Ao sair, encontrou Vítor encostado na parede de madeira, em uma expressão de tédio com os braços cruzados.
— Pronta? — perguntou ele. — Já dá para ver as colunas de fumaça de Kamhongshan no horizonte. Devemos chegar em poucos minutos.
— Sim, pronta.
Vítor virou-se e deu uma olhada para dentro da cabine.
— Tem certeza de que não esqueceu nada? — Sua voz soou quase paternal, carregada de preocupação.
— Não tenho muitas coisas para esquecer.
Ele deu de ombros e começou a subir as escadas para o convés. Alice o seguiu, e sentiu o calor suave do sol da manhã em sua pele ao chegar ao deque superior. Os outros heróis já estavam no convés, todos conversavam animados, as risadas eram mais frequentes que as caras fechadas.
Do outro lado do deque, uma figura interessante estava sentada, e observava a paisagem com uma expressão serena. Embora ainda jovem, aparentava ser um pouco mais velho que a maioria dos heróis a bordo. Seus cabelos escuros, levemente desarrumados, combinavam com o quimono preto com uma grande faixa vermelha que vestia. Uma espada curta de uma mão repousava em sua bainha, presa à cintura. Sua postura era relaxada, sem traço algum de nervosismo ou inquietação.
Seu nome era Adrian, também conhecido como “O Vento do Oriente”. Entre os heróis, ele possuía o de nível mais alto naquela embarcação, nível 39, já que, tecnicamente, Vítor possuía nível 0. Mais do que isso, Adrian era um dos Nove Solitários, um seleto grupo de heróis extraordinariamente poderosos que não pertenciam a nenhuma guilda fixa.
O único motivo para ele estar ali era seu novo aprendiz, um espadachim de nível 17. Assim como Vítor, Adrian participava daquela missão com um propósito de aumentar o nível de seu pupilo através do combate contra os goblins.
Ele a encarou de volta, e Alice desviou o olhar, não queria parecer esquisita. Respirou fundo, tentando se concentrar no ar fresco, mas não havia ar fresco. O ar era espesso e poluído, repleto de fuligem, lembrando-a da atmosfera sufocante de sua cidade natal.
De repente, os burburinhos ao redor aumentaram. Haviam chegado. A cidade já era visível no horizonte. Alice esperava encontrar algo rudimentar, talvez uma vila de madeira e tendas, semelhante às descrições que ouvira sobre os assentamentos goblins. Mas o que viu a deixou boquiaberta.
No horizonte, enormes chaminés expeliam colunas de fumaça branca, e misturavam-se às nuvens. Torres de metal e vidro erguiam-se como lanças contra o céu, ligadas por pontes suspensas e passarelas móveis, onde pequenos veículos a vapor deslizavam agilmente. Trilhos serpenteavam pelas estruturas, conduzindo vagões de carga que transportavam caixas repletas de peças mecânicas, cristais brilhantes e fluidos alquímicos.
Dirigíveis de cascos metálicos e grandes hélices giravam acima da cidade, alguns ancorados em torres de atracação, enquanto outros subiam e desciam, com suas mercadorias e passageiros, todos pequenos duendes de pele vermelha. O som dos motores e do vapor pressurizado enchia o ar, e misturava-se ao burburinho de goblins em trajes elegantes e nobres.
As ruas lá embaixo eram um labirinto de passagens subterrâneas, elevadores e escadas giratórias, tudo em constante movimento, como se a cidade inteira fosse uma máquina viva. Placas luminosas piscavam com símbolos desconhecidos, enquanto oficinas fervilhavam com inventores testando novas engenhocas, algumas explodindo em faíscas coloridas.
Kamhongshan não era uma vila primitiva. Era uma metrópole industrial, pulsante de engenhosidade e energia.
— Seja bem-vinda a… Kamhongshan — disse Vítor, um enorme sorriso no rosto.
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