O ciclope rugiu assim que seu pé gordo tocou as pedrinhas incandescentes. Um chiado surgiu do contato com a pele grossa,seguido de um urro gutural que reverberou pelas paredes.

    — Agora! — gritou Kino, os olhos brilhando com a chance que esperava.

    Baltazar não hesitou. Avançou com o machado em mãos, suas pernas curtas impulsionando o corpo robusto com surpreendente agilidade.

    O aço colidiu com a canela do ciclope em um estalo áspero, abrindo um corte profundo na pele grossa e acinzentada. O monstro urrou, desequilibrado, e então, num movimento instintivo, ergueu a perna e desferiu um chute.

    O impacto lançou o anão pelo ar como um boneco de trapo. Ele colidiu com violência contra a parede de concreto do labirinto. O som seco de ossos rachando ecoando junto ao baque do corpo contra a pedra.

    — Não! — bradou Kino, os olhos arregalados, o coração quase saindo pela boca, sacou a faca com um movimento rápido.

    Num salto desesperado, impulsionou o corpo para frente e cravou a lâmina com força no olho inchado e pulsante do ciclope.

    — GRYHHSS! — o urro do monstro foi ensurdecedor, mais alto que tudo até então. Soou como trovões em colapso, como mil pedras rolando juntas por uma montanha.

    A criatura recuou, debatendo-se, sangue escorrendo em jorros do ferimento, tingindo o rosto e o peito com um vermelho espesso.

    Desorientado pela dor lancinante que queimava seu olho, o ciclope tateou o chão com mãos imensas e trêmulas, agarrando o que encontrou pela frente — um corpo? Uma pedra? Não importava.

    No centro da sala, o ciclope cambaleava, desnorteado. Por fim, caiu de joelhos com um estrondo pesado, fazendo o chão tremer. Suas duas mãos cobriam o rosto ensanguentado, tentando, em vão, conter a dor lancinante que emanava do olho destruído.

    Com um rugido, arremessou o objeto contra a parede. O impacto gerou um baque surdo, seco, como carne contra pedra.

    “A mulher?” pensou o jovem, o coração disparando como um tambor de guerra. Seus olhos vasculharam a névoa de sangue e poeira, mas não conseguiam distinguir nada.

    Tentou puxar a faca, mas a lâmina estava enterrada até o cabo no centro do olho do monstro. Um líquido viscoso e quente escorria entre seus dedos. A carne pulsante do ciclope parecia querer engolir a arma.

    “ Droga!”

    Mas não teve tempo nem de soltar o cabo. O braço gigantesco da criatura o atingiu com a força de um trem descarrilado. O mundo girou antes que seu corpo colidisse violentamente com a parede oposta.

    O impacto arrancou o ar de seus pulmões — ele caiu ao chão cuspindo sangue, o gosto metálico invadindo sua boca.

    Tonto, tossindo, os ossos doíam como se estivessem todos quebrados, mas ele se ergueu, trêmulo, os olhos agora enxergando melhor.

    A fumaça que antes envolvia o ambiente se dissipava lentamente.

    Sangue espesso escorria por entre seus dedos como um rio carmesim, formando poças ao redor de seus joelhos.

    Kino observou a cena, ofegante, com os punhos cerrados e o rosto coberto de fuligem e sangue — metade dele próprio, metade do monstro.

    O jovem avistou Baltazar estirado no chão, sangrando. Seus olhos se fixaram no martelo ao lado do corpo do anão. Com firmeza, pegou a arma e caminhou até o monstro.

    De joelhos, o ciclope já não parecia tão assustador. O garoto sorriu de canto antes de levantar o martelo.

    Ploft! Ploft!

    O sangue espirrou em seu rosto como um jato quente e viscoso, cobrindo seus olhos verdes escorrendo por suas bochechas, se misturando ao suor e à fuligem, mas ele não parou.

    Ploft! Ploft!

    Carne e osso cedendo sob o impacto brutal do martelo. A cada golpe, a cabeça do ciclope se desfazia um pouco mais, como uma fruta madura esmagada com violência.

    Fragmentos de crânio rachado e massa cinzenta se espalhavam, tingindo o chão com uma mistura grotesca de vermelho e cinza.

    O rosto da criatura já não existia — agora era apenas uma massa pulsante, disforme e irreconhecível.

    Kino arfava, os braços tremendo, o martelo encharcado de sangue e mesmo assim ele continuava.

    — Ahh! — gritou jogando o martelo longe.
    correu até Baltazar. Sabia que não deveria mover o corpo, mas a urgência o dominou.

    — Vamos! Reaja! — insistiu, sacudindo-o levemente.

    Nada.

    O anão não se mexeu, não abriu os olhos.

    — Merda! Vamos, Baltazar! Você precisa sobreviver!

    Kino desabou de joelhos, o corpo exausto e as mãos ensanguentadas cobrindo o rosto.

    — Que inferno é esse?! — gritou, a voz cheia de ódio e dor. — Eu te odeio, Morte! Eu te odeio! Eu te odeio!

    Atrás dele, Agatha, se aproximava mancando, uma das mãos pressionando a costela.

    — A gente precisa sair daqui. Ele está morto — disse a garota, com a voz embargada.

    Kino balançou a cabeça, ele sabia disso, mas não conseguia abandonar quem havia arriscado tudo para salvá-lo.

    — Vou levar ele comigo.

    A garota o encarou como se ele tivesse enlouquecido.

    — Esse anão tá morto! Você tá louco?

    Ele não respondeu. Curvou-se, pegou o corpo de Baltazar e o jogou sobre o ombro. A dor aguda que percorreu seu braço o fez ranger os dentes. Seu ombro estava quebrado, mas não importava.

    Ela revirou os olhos.

    Conseguiram atravessar a passagem. Um vento cortante os atingiu, fazendo as roupas colarem ao corpo molhado de suor. Do lado de fora, o céu do labirinto estava coberto por nuvens escuras.

    Para o jovem, aquilo não passava de um pesadelo. Ou pelo menos, ele desejava que fosse.

    “Eu prometi que ele sairia desse inferno.”

    Treck!

    Seu ombro estalou. O peso era demais. Ele caiu de joelhos, levando Baltazar com ele ao chão.

    “Droga… meu ombro… que dor maldita.”

    — Eu avisei — murmurou a garota, franzindo a testa — que não era uma boa ideia arrastar esse corpo morto.

    — Esse corpo morto salvou sua vida, caso tenha esquecido — rebateu Kino, com amargura.

    Ela cruzou os braços, virando o rosto com desdém, como se não quisesse admitir que ele tinha razão.

    O garoto se levantou com dificuldade, a expressão marcada pela dor.

    — Preciso que me ajude a carregá-lo.

    Ela não se moveu. Continuou de braços cruzados, olhando para o vazio.

    Ele tateou os bolsos e tirou um isqueiro prateado.

    — Se você me ajudar, eu te dou isso.

    Ela desviou o olhar e fixou os olhos no isqueiro por alguns segundos.

    Mas, antes que pudesse responder, algo gelado encostou na lateral da cabeça de Kino.

    — Calma aí, bonitinho — sussurrou uma voz áspera em seu ouvido.

    Era um homem com uma cicatriz profunda no rosto.

    Outro sujeito surgiu à frente, com um uniforme militar surrado. Apontava a arma diretamente para a garota.

    — Eu sou do grupo de vocês, seus idiotas! Abaixa essa porra! — gritou ela, com as mãos erguidas.

    O homem não abaixou a arma. O dedo firme no gatilho.

    — A gente tinha um trato. Já se esqueceu?

    Ela, tentando manter a calma, disse:

    — Olha… eu ainda posso ser útil para…

    Ploft!

    O tiro atingiu sua barriga. Ela cambaleou, os olhos arregalados, e caiu de joelhos. A camisa rapidamente se tingiu de vermelho.

    — Não! — gritou Kino, tentando se levantar, mas foi impedido.

    — Mais um passo, e eu estouro seus miolos — rosnou o homem da cicatriz, com a arma apontada.

    A garota caiu no chão, tentando em vão conter o sangue que jorrava da barriga. Suas mãos tremiam, manchadas de vermelho.

    — E o que vamos fazer com esse aqui? — perguntou o homem da cicatriz, lambendo os lábios com um brilho sádico.

    O militar se aproximou do jovem e arrancou o isqueiro de sua mão. Depois olhou fundo em seus olhos, como se procurasse algo ali.

    — Faça o que quiser com ele.

    O homem da cicatriz abriu um sorriso largo e doentio.

    — Espero que esse me satisfaça. O último que peguei era uma delícia… mas não parava de gritar. Você não grita, né?

    — O que você fez com aquele garoto?! — gritou o jovem, tomado pela fúria.

    O militar se inclinou, encostando a pistola em seu rosto.

    — Tem que ter cuidado com homens armados. É uma questão de bom senso.

    O da cicatriz gargalhou.

    — Posso brincar agora? Por favor?

    O militar esperava súplica do jovem. Esperava lágrimas, mas tudo que encontrou foi um olhar frio e fatal.

    — Você não devia estar implorando pela sua vida? — provocou.

    O jovem permaneceu calado, o olhar fixo como aço.

    — Não sou eu que irei implorar.

    O homem da cicatriz riu alto, mas antes que pudesse reagir, o jovem se projetou para trás e deu uma cabeçada brutal em seu rosto.

    O estalo do nariz quebrado foi seguido por um disparo desgovernado — a bala atingiu a mão do militar, fazendo-o gritar e soltar a arma.

    A cabeça do jovem zuniu com a pancada, quase o deixando surdo, mas agiu rápido. Rolou no chão, pegou a pistola caída e atirou no pescoço do militar, que caiu engasgado no próprio sangue.

    Outro tiro veio do homem da cicatriz, mas errou por pouco. Kino se levantou o mais rápido que pôde e partiu pra cima.

    Empurrou o sádico contra a parede e tentou arrancar a arma de suas mãos. Lutaram com raiva e desespero. Uma joelhada certeira na virilha fez o homem soltar a arma.

    Kino agarrou a arma com as mãos trêmulas, o coração ainda batendo como um tambor furioso dentro do peito. O suor escorria por sua testa, misturado ao sangue seco e à sujeira da batalha.

    Seus olhos estavam fixos no homem à sua frente — o sujeito da cicatriz, ajoelhado com as mãos erguidas e a voz embargada.

    — P-por favor… não… por favor… — ele implorou, os olhos arregalados, a respiração entrecortada.

    Bang.

    A bala atravessou o centro da testa do homem, abrindo um pequeno buraco limpo antes que o crânio se partisse por dentro. Ele caiu para trás como um saco de pedras, os olhos ainda abertos, fixos no nada, enquanto um filete de sangue escorria lentamente pela lateral do rosto.

    O silêncio caiu rápido. Só se escutava os gemidos abafados do militar.

    Kino respirou fundo e começou a mancar na direção do som, cada passo pesando como chumbo em seu corpo exausto.

    Ali estava ele: o homem de farda, caído no chão, com as duas mãos pressionando o pescoço aberto, tentando em vão conter o sangue que escapava em jorros entre seus dedos. Seu olhar era de pânico. O rosto, pálido.

    Kino se agachou lentamente diante dele, a arma firme nas mãos. Apontou para o rosto do homem.

    — Você não devia estar implorando por sua vida?

    O militar arfou, com os olhos semicerrados, tentando encontrar forças para uma última resposta. Um sorriso fraco se formou no canto da boca ensanguentada.

    — Vai… pro inferno.

    Kino inclinou levemente a cabeça, o semblante frio.

    — É melhor ter cuidado com um homem armado. Questão de bom senso.

    Bang.

    O disparo foi limpo, preciso — o projétil atravessou o globo ocular esquerdo do militar, afundando no crânio com um estalo surdo. A cabeça tombou para o lado, inerte, os músculos relaxando de imediato.

    Silêncio total.

    O jovem ficou ali por um momento, com o braço estendido, o cano da arma ainda fumegando, encarando o cadáver como se buscasse alguma resposta.

    Mas não havia mais nada.

    Somente a morte.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota