Capítulo 2 – Perdão
Ela estava tão perto que, se Kino quisesse, poderia socá-la sem sequer se esforçar.
Mas, em vez disso, ele optou por algo ainda mais difícil: resistir.
Quais seriam suas chances contra a Morte? Com raiva, golpeou o chão.
— Ah! — deixou escapar, enquanto continuava socando o solo.
A Morte, por outro lado, soltou uma gargalhada.
— Vocês são tão patéticos e fracos — disse, a voz carregada de desdém. — Mas tudo bem, me diverti o bastante.
Ela finalmente parou de rir, deixando o silêncio se prolongar, como se fosse algum tipo de efeito dramático.
— Basta pegar minha mão e você irá direto para o local do jogo.
Kino se levantou devagar, sua gravata cor carmesin balançou de leve. Conseguiu manter a cabeça erguida, mesmo que as palavras dela tivessem lhe atingido em cheio.
Ela estendeu a mão, esperando que ele obedecesse como um derrotado. Em vez disso, Kino cuspiu na própria palma antes de apertar a dela.
” Que tal?”
Por um instante, a expressão da Morte mudou. Ele quase pôde jurar que viu algo próximo de desconforto. Ou seria surpresa? Não importava Kino apenas sorriu.
— Tire esse sorrisinho do rosto, seu maldito! — rosnou. — Ainda não contei tudo.
O olhar dela se estreitou, e um brilho sádico surgiu em seus olhos.
— Quem vencer poderá ir ao paraíso. Parece justo, não acha? Mas tem um detalhe…
Ela fez uma pausa longa, deixando o suspense tomar conta.
— Apenas um pode vencer.
Ele ficou em silêncio. Talvez não estivesse pronto para o que viria, mas isso não importava. O cansaço de sua vida passada ainda pesava, e agora sabia que nem a morte lhe daria paz.
E Kino ainda pensava que o sofrimento havia acabado.
— Algum problema? — A Morte segurou o riso.
O jovem balançou a cabeça.
— Estou preparado.
Se havia uma chance, ele lutaria até seu último suspiro para conquistar a vida que queria.
A Morte franziu a testa. Provavelmente não era a reação que esperava.
— Tanto faz. Só não abra os olhos até ouvir o som de correntes. Se abrir… bem, não se preocupe com esses detalhes.
— Como eu não vou me preocupar? — resmungou Kino franzindo o cenho.
A Morte ficou em silêncio por um momento antes de virar as costas e encarar o vazio.
— Apenas não abra. Você será tentado de todas as maneiras.
Assim que ele piscou, o ambiente mudou. Agora, estavam cercados por uma névoa densa, onde nem mesmo sua própria mão era visível.
— Se passar, irá para a primeira fase.
— Posso fechar os olhos agora?
— Já era para ter feito isso há muito tempo.
Kino fechou os olhos, tentando entender o que ela quis dizer, mas forçou-se a focar no que realmente importava. Para ser sincero, estava com medo.
“O que poderia me fazer abrir os olhos?”
De repente, a sensação de movimento começou. Era como se estivesse em um elevador despencando em alta velocidade. A pressão em seu corpo aumentou, e a tontura veio, mas conseguiu manter os olhos fechados.
Até agora, não parecia tão difícil resistir.
“A Morte estava apenas brincando comigo?”
Então, a tentação veio. Seus dedos se mexeram, ansiosos para abrir os olhos e desafiar a ordem dela.
“Já estou morto mesmo, o que tenho a perder?”
Quando estava prestes a ceder, as palavras dela ecoaram em sua mente:
“Você será tentado de todas as maneiras.”
Ele balançou a cabeça e apertou ainda mais os olhos, determinado a não falhar.
Foi quando sentiu uma mão em sua cintura.
“ O que?”
Kino foi pego de surpresa, Seus pelos do corpo arrepiaram com esse toque gelado, Parecia ser uma mão humana fina. O jovem não mexeu um músculo do corpo. Seus instintos pediam para que ele corresse dali o mais rápido possível. O toque voltou deslizando em seu ombro esquerdo até o direito com o dedo.
“ Não vou abrir, não vou…”
Em seguida sentiu as duas mãos massageando seu peito.
Permaneceu calmo pois sabia que teria que aguentar. As mãos desceram para sua virilha.
“ Não gosto de surpresas hein…”
Ele sentiu um certo desconforto com isso mas sabia que não era real. Uma certa sensação estranha percorreu seu corpo com aquela massagem na virilha.
O jovem estava começando a ficar excitado, ele não sabia o porquê.
— Tire suas mãos daí — Kino reuniu toda a sua coragem. As mãos pararam.
“ Não foi tão difícil foi? Agora eu tenho de perguntar quem é essa pessoa.”
Antes que pudesse dizer qualquer coisa as mãos voltaram, mas agora estavam tirando o zíper da calça de Kino.
” Calma aí. Isso é golpe baixo.”
— Eu disse para tirar suas mãos daí — tentou se mover, mas nada adiantou. Ele estava paralisado.
“ De novo? ”
Ziip!
O zíper foi aberto e ele não sabia o que fazer.
— Por favor! Não!
Sentiu o toque gelado tirando sua cueca.
Tentou se mexer, mas nada.
As mãos pararam. Sentiu algo se aproximando de se ouvido.
— É só abrir os olhos, e eu me retiro.
A voz era rouca, sombria, como se viesse de dentro da própria escuridão.
“ Vai nada…”
Silêncio.
— Que peninha… — a voz sussurrou.
Então, algo frio tocou seus lábios.
O choque veio antes da compreensão. Um beijo. Mas não qualquer beijo—ele sentiu sua energia sendo drenada, como se sua própria existência estivesse sendo sugada para dentro daquela entidade.
“Não!”
O corpo de Kino ficou fraco. Estava à beira do desmaio quando a coisa se afastou.
— É só abrir os olhos, querido.
Ele arfava, os joelhos trêmulos.
— Você sabe que pode morrer se não abrir seus olhinhos, né?
Kino sorriu de canto.
— Por que está sorrindo? Perdi algo?
— Não preciso ser um gênio para saber quem você é — ele inclinou a cabeça.
Mãos gélidas deslizaram por seu rosto.
— Quem sou eu, então?
— Um demônio. Mais precisamente, um súcubo.
A coisa riu. Um riso doce, melancólico e insano ao mesmo tempo.
— Como acha que vai se safar dessa?
— Não faço ideia. Mas, se fosse em um filme, alguém apareceria no último segundo para me salvar.
O súcubo gargalhou novamente, desta vez mais baixo, mais carregado de prazer.
— Ah, querido… Mas aqui não é um filme e você vai morrer.
Ela se inclinou, deslizando a língua fria pelo rosto dele.
— Tenho um pedido a fazer — murmurou o jovem.
— Um pedido? Isso é interessante… O que deseja?
Ele hesitou por um instante antes de responder:
— Quero… lamber seu pescoço antes de morrer.
O súcubo soltou uma risada.
— E por que agora?
— Se vou morrer, ao menos quero saber como é lamber o pescoço de alguém. E como você é um súcubo, é o mais perto que chegarei de sentir isso com uma mulher.
Ela riu novamente e passou a língua pelo rosto dele.
— Você é um perdedor mesmo. Hahaha!
Ela inclinou a cabeça, expondo o pescoço.
Kino aproximou a boca, hesitante. O pescoço dela era frio porém suave e doce.
E então, mordeu.
Os olhos do súcubo se arregalaram.
O gosto metálico do sangue inundou sua boca, quente e intenso. O jovem sentiu algo dentro dele se quebrar—como se um elo invisível estivesse sendo destruído.
Kino cuspiu o pedaço de carne do pescoço dela.
A criatura recuou, levando as mãos ao pescoço dilacerado.
— V-você… — sua voz falhou.
As asas começaram a murchar, o rabo a se desintegrar.
O súcubo caiu de joelhos, seus olhos brilhando em desespero. Um último sussurro escapou de seus lábios antes que seu corpo se dissolvesse em pó.
O silêncio voltou.
O jovem permanecia com os olhos fechados. Até que escutou o barulho da bendita corrente.
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