Tirando Alice, todos pareciam carregados de preocupação ao encarar Jaro.

    — Boa sorte… — disse Vitória.

    Peter e Taylor não disseram nada apenas o olharam com pena. Jaro, no entanto, parecia tranquilo. Ou, ao menos, se esforçava para parecer.

    Sem mais palavras, o grupo se afastou, deixando para trás apenas o som dos passos e as costas sumindo pelos corredores do prédio.

    Ele os observou partir em silêncio. Não sentia raiva, nem tristeza, apenas um incômodo crescente no peito.

    Lidar com crianças… nunca soube como fazer isso direito Pensava, recordando o jeito direto e estranho com que Alice o tratou.

    Ele se aproximou da secretária, que assinava alguns papéis, tentando parecer casual.

    — É… qual é seu nome mesmo?

    Ela parou de escrever, o encarando com expressão neutra.

    — Pode me chamar de Elise. O que você deseja? Ficou com alguma dúvida?

    — Não exatamente é que o professor Kyle me pediu pra ir até o escritório dele. Consegue me informar onde fica?

    Elise o analisou por um momento, e então arqueou uma sobrancelha.

    — Que azar, garoto. O que você fez? — perguntou, observando o sangue seco no rosto dele.

    Ela o olhou mais um pouco, com curiosidade. Os olhos demoraram um segundo a mais do que o necessário no rosto dele.

    Até que ele é bonitinho
    Pensou, com um leve sorriso no canto dos lábios. Então, pegou um doce redondo amarelado do pote em sua mesa e estendeu para ele.

    — Coma. Vai te fazer bem.

    Jaro pegou o doce, mas não mordeu. Ficou olhando para aquilo com desconfiança.

    Será que ela quer me envenenar?

    Jaro, ficou ali parado, com o doce na mão, dividido entre o instinto de sobrevivência e a rara sensação de alguém sendo legal com ele nesse mundo.

    Elise percebeu a hesitação do garoto, então pegou o doce da mão dele, mordeu a metade e estendeu de volta com a bala pela metade.

    — Não está envenenado.

    Ele assistiu a tudo, meio envergonhado, mas acabou pegando a bala e comendo.

    No instante em que comeu, sentiu a dor diminuir drasticamente e, a olho nu, dava pra ver pequenos cortes e roxões se cicatrizando.

    — Que doce é essse? — Jaro olhou para as mãos, tocou os ferimentos que haviam sumido e ficou paralisado, desconfiado do que acabou de ingerir.

    — É um projeto que eu mesma criei. Chamo de Goma de Ouro. Ela serve pra estancar, curar e proteger ferimentos leves.

    Elise puxou uma pequena toalha branca da gaveta à sua esquerda e estendeu para Jaro.

    — Limpa esse sangue do rosto.
    E vem comigo.

    O gesto dela pegou Jaro de surpresa. Ele limpou o rosto às pressas e foi atrás dela, ainda meio desconcertado.

    ⧖⧗

    A equipe II estava em uma sala imensa, de teto alto e paredes lisas de concreto cinza, como se tivessem sido moldadas por um único bloco sólido. O espaço era vazio, mas não de forma mal projetada, havia algo na simplicidade que transmitia o propósito do lugar.

    O chão era feito de um material emborrachado escuro, ideal para absorver impactos e quedas. No alto das paredes, fileiras de pequenas janelas permitiam a entrada de uma luz natural suave, que se espalhava em feixes retos.

    Ventiladores industriais giravam lentamente no teto, mantendo o ar fresco e em movimento, enquanto uma fileira de sacos de pancada descansava encostada em uma das extremidades.

    — Como conseguiu esse lugar? — perguntou Einar, perplexo com o local.

    — Tudo graças ao Clyde, meu mercador. Dizem que ele é um dos mais poderosos financeiramente. Então, antecipadamente, ele arrumou esse espaço — respondeu Greg.

    — Então temos um riquinho entre nós — comentou Chen.

    — Isso não é ótimo? Meu mercador é muito mesquinho — falou Sophia, enquanto alongava as pernas.

    — Já o meu não vê a hora de me vender — dizia Maisie, aquecendo os braços.

    — E seu mercador, Einar? Como ele é? — perguntou Chen. O olhar de todos se voltou para Einar, que estava imóvel, refletindo.

    — Ele é forte. É a única coisa que sei.

    — Que misterioso — comentou Sophia.

    — Que tal deixarmos de conversa fiada e começarmos logo? — sugeriu Greg.

    — Ótima ideia. O último em pé se torna o líder da equipe? — perguntou Einar a todos. Todos concordaram e se encararam. Prontos para a batalha.

    A equipe de Einar possuía algo diferente das outras equipes: um grande ego e confiança em suas forças.

    Além disso, mesmo sendo mercadorias de mercadores poderosos eles não sentiam medo, nem ficaram aflitos como as outras crianças.

    Pelo contrário, demonstravam uma aura de confiança.

    E usariam aquela situação para se tornarem mais fortes e conquistarem seus sonhos.

    ⧖⧗

    O escritório era pequeno, mas com um toque de nobreza. As paredes estavam revestidas por estantes de madeira escura abarrotadas de livros antigos, seus títulos ilegíveis pelo desgaste do tempo.

    Um cheiro de couro envelhecido e algo que parecia café pairava no ar e a luz do abajur ao lado da mesa criava sombras nos cantos da sala.

    Kyle estava afundado em uma poltrona de couro marrom, o estofado rangendo suavemente com cada movimento.

    Seu olhar era afiado, fixo nos olhos de Jaro com uma calma inquietante. À frente, Jaro permanecia de pé, tenso, como se cada músculo estivesse pronto para reagir ao menor sinal.

    Ao lado dele, Elise soltou um sorriso provocador, quebrando o silêncio como se tivesse acabado de acender um fósforo num quarto escuro.

    — Vai fingir que eu não tô aqui, Kylezinho? — disse ela, enrolando o braço no pescoço de Jaro e puxando-o pra perto.

    O garoto, ficou animado ao sentir o seio de Elise pressionando sua cabeça. Seu rosto estava visivelmente corado.

    — Trouxe essa criança porque ele falou que precisava resolver algo com você.

    Kyle soltou um suspiro pesado.

    — Tá… eu te pago uma bebida mais tarde. Agora, pode deixar a gente sós?

    Elise, abriu um sorriso animado.

    — Awn, que cavalheiro. Vou voltar pro meu setor então, Kylezinho.

    O professor se irritou com o apelido, porém preferiu não responder. Na porta, Elise ainda se virou e lançou:

    — Até depois, Tomantinho. — Piscou para Jaro, que ficou envergonhado por ela ter percebido que ele havia gostado do toque.

    Elise saiu da sala, e o silêncio desconfortável voltou a dominar o ambiente.

    — Tenho que admitir… você é corajoso, merdinha. É a primeira vez que um aluno apronta desse jeito na minha presença. — Kyle juntou as mãos na mesa, encarando Jaro como um predador prestes a atacar. — Agora me diz: por que fez aquilo? Se me der uma boa resposta… talvez eu não te mate.

    Mesmo sem liberar sua aura de mana, a presença de Kyle era sufocante, junto de seu olhar que parecia perfurar a alma de Jaro.

    Ele sentiu medo, no entanto, conseguiu manter a compostura.

    — infelizmente, eu não tinha ideia das regras, mas saber das regras não me faria mais justo. Naquela hora, a única coisa que passou pela minha cabeça foi cumprimentar meus veteranos do único jeito que conheço: com os punhos.

    Kyle arqueou uma sobrancelha, surpreso.

    Hm. Esperava mais imaturidade.

    Apesar da resposta ousada, o professor se viu impressionado com a maturidade do garoto. Ele falava e se portava como um adulto. E isso era raro.

    — Bela resposta. Só que gosto de aprendizes que pensam antes de agir. — Um leve sorriso surgiu no canto de sua boca. — Porém, não vou te matar. Por enquanto. Mas ainda assim… você será punido. Por dizer seu nome verdadeiro, por desobedecer ordens, e, claro, pela luta.

    Kyle se levantou e deu um passo à frente, parando perto de Jaro. Seus olhos brilhavam de desprezo e curiosidade.

    — Já que você gosta tanto de agir por conta própria. Vamos ver o quanto essa sua coragem vale fora dessas paredes.

    Ele se virou, indo até pequena caixa de madeira no canto da sala. Puxou um pergaminho, rabiscou algo com rapidez e voltou, entregando o rolo a Jaro.

    — Aqui estão as coordenadas de um vilarejo ao norte. Você vai até lá sozinho. Sem ajuda, sem mapa, sem instruções extras. Ao chegar, você caçara uma criatura chamada: Dollak que tem causado problemas nas redondezas. Fraca o suficiente pra você não morrer a menos que seja burro. Mas traiçoeira o bastante pra acabar com um idiota. E lembre-se de trazer a cabeça do monstro.

    Jaro segurou o pergaminho, indiferente.

    — Você será privado das aulas por três dias. Se voltar com sucesso, talvez eu reconsidere minha opinião sobre você. Se morrer… bem, ao menos não terei que te punir duas vezes. — Kyle sorriu, mas sem humor. — Ah, e mais uma coisa: se for pego pedindo ajuda, ou falhar, voltará como um verme perante toda a turma e lentamente irei te cortar em pedaços na frente de todos.

    Jaro apertou o pergaminho com força, engolindo em seco. Ele entendeu. Aquilo não era um castigo, mas um teste.

    Essa missão já parece perigosa, mas estou com mau pressentimento com outra coisa…

    — O senhor, avisará aos outros professores que irei faltar por causa da missão?

    Que moleque perspicaz.

    — Essa é a segunda parte da punição. Você irá ser punido por todos eles por falta de presença.

    Kyle deu as costas, encerrando o assunto como se Jaro já estivesse dispensado.

    — Você parte ao amanhecer. Está liberado, 102.

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