— Por aqui. — Elise acenou, abrindo a porta de uma sala privada no fundo da enfermaria.

    Jaro entrou, carregando Alice nos braços. Sem perder tempo, Elise ajeitou a garota numa cama hospitalar e começou a preparar os equipamentos.

    — Certo… — Ela ajeitou as luvas. — Vou começar com a transfusão. Mesmo estando curada, o estado dela ainda é crítico, mas estabilizando o sangue, ela deve se recuperar.

    Enquanto conectava os tubos, a mulher olhou de canto pra Jaro, então disse: — agora me explica… Você é um mago de cura?

    — O-oque?

    — Não adianta esconder, eu consigo ver as partículas de mana sobre o corpo dessa garota e dentro do Distrito Azul, atualmente, não tem outro mago de cura, além de mim.

    Isso vai ser complicado. Pensou Jaro.

    — É… eu sou um mago de cura.

    Bem, não é uma mentira completa… Refletiu Jaro.

    — Isso é incrível, sinceremente. Você tem quantos anos?

    — Quartoze…

    Elise soltou uma risada seca.

    — Tomate, sabe o que isso significa?

    — Não faço ideia.

    — Existem menos de mil magos de cura conhecidos no continente inteiro e eles são vistos como um tesouro. Reis, guildas e clãs… Todos dariam qualquer coisa pra ter um por perto. — Elise olhou diretamente nos olhos dele. — Se descobrirem que um garoto, tão jovem, domina magia de cura…

    Silêncio.

    — Provalmente seria morto…

    — Mas, eles não são tratados como um tesouro?

    — É… Porém, no clã a disputa de poder é desumana. Se não conseguem o que querem, eles eliminam.

    O clima ficou pesado. Jaro apertou os punhos, sem saber o que responder.

    — Mas… — Ela relaxou um pouco os ombros. — Isso fica entre nós. Seu segredo tá seguro comigo.

    — Qual é o preço?

    — Preço?

    — Vai me dizer que tá fazendo tudo isso de graça? Acha que sou idiota?

    A secretária que havia acabado de concluir os procedimentos na menina. Retirou as luvas com precisão, jogou-as na lixeira e, em seguida, se virou para Jaro e disse: — Pfffttt… Mesmo sendo só um tomatinho ainda, já consegue ler a situação, hein?

    Um sorriso sádico brotou na secretária.

    — A partir de hoje…

    Jaro engoliu em seco.

    — Você é meu aprendiz.

    — …

    Ele a olhou um pouco preocupado.

    — Sem discussão. Ou quer que eu espalhe que tem um mago de cura andando por aí?

    Ele fechou os olhos e respirou fundo.

    Não tenho escolha… Acho que não vai ser tão ruim assim afinal.

    — Eu aceito…

    — Ótimo. Agora, sente-se aqui. — Apontou ela pra um cadeira.

    Ele obedeceu, sem ter pra onde correr. Enquanto isso, olhava pra Alice, deitada, respirando lentamente, recebendo a transfusão de sangue.

    A secretária então prestou os primeiros socorros em Jaro, limpando o sangue, costurando os cortes e enfaixando suas feridas.

    — Prontinho. Eu preciso voltar pra recepção, tome conta de sua amiga. Depois te repasso como vai ser nosso relacionamento — completou Elise deixando-os na sala.

    — Até logo, mestra…

    Nesse momento, Jaro encostou sua cabeça na parede reflitando olhando pro teto.

    — Ainda não caiu a ficha… Eu matei uma pessoa… Que sensação merda… — sussurrou.

    A cena não saía da cabeça de Jaro. O sangue quente escorrendo pelo seu braço direito. Enquanto o inimigo caía com um buraco grotesco nas costas, carne rasgada, ossos partidos, e um rio de sangue por toda parte.

    Na sua antiga vida, ele nunca tinha matado nem um animal sequer imagine um ser humano. Isso o afetou drasticamente, e de tanto estresse, segundos depois, ele caiu no sono.

    Em apenas uma semana ele já tinha arriscado sua vida várias vezes. Seu corpo também já tinha várias cicatrizes, e não só físicas mais mentais também.

    Alice, tinha ouvido tudo atentamente. E de alguma forma, ela se sentiu culpada por Jaro estar sentido esse sentimento.

    Então, foi isso que ele sentiu depois daquilo… De certo modo, a culpa também é minha. Sinto muito, Jaro.

    Alice, que estava deitada fingindo dormir. Até pensou em falar com ele, mas ao ver que tinha caído no sono. Decidiu dormir também.

    Horas depois, a porta se abriu.

    — Vocês estão bem? Peter nos contou tudo… — perguntou Vitória.

    — Só um pouco cansado — respondeu Jaro.

    — Humf. — Alice apenas bufou revirando os olhos.

    — Porque vocês brigaram?

    — Nada demais — disse Vitória.

    — Hah, foi tudo culpa sua — rugiu Alice.

    — Acho que eu devia te dar mais um tapa.

    — Calma. É melhor esquecerem isso, lembra a gente é uma equipe — Taylor tentou apaziguar.

    Boa Taylor. Pensou Jaro.

    — Pensei que aqui embaixo era mais seguro… — comentou Jaro.

    — Não podemos abaixar guardar. Temos que andar pelo menos em duplas, de agora em diante — sugeriu Vitória.

    — C-c-concordo.

    — Enfim, já que todos estamos aqui, que tal iniciarmos a reunião? — Vitória deu a ideia.

    — Sobre o que seria? — indagou Taylor.

    — Acho que primeiro temos que ouvir como Alice foi sequestrada.

    Os olhos da equipe Fantasma se voltaram para Alice, esperando sua resposta. Mesmo que parecesse bem por fora, ela não conseguia esconder de si mesma a tremedeira e o pavor de tudo que havia acontecido.

    Deitada na cama, Alice apertou os lençóis com força, como se quisesse encontrar firmeza em algo. Seus lábios tremeram antes das palavras saírem.

    — Tá… Eu vou contar…. Na hora que levei o tapa dessa vadi— dessa aí… — Ela engoliu seco, desviando o olhar.

    — Acabei me perdendo na base e tentei voltar, mas tava completamente desorientada… — Seus dedos se encolheram sobre o colchão, e a respiração acelerou.

    — Eu estava pra sair de um beco, quando dois homens encapuzados apareceram do nada na minha frente, falando umas coisas absurdas… — A jovem fechou os olhos com força, tentando afastar a lembrança. — Que minha mana era “deliciosa”… e sei lá mais o quê…

    — Eu saí correndo desesperada, mas em segundos eles me alcançaram… — A voz dela falhou por um instante, e seus olhos se encheram d’água — Depois disso… só lembro do Jaro chegando e me ajudando…

    Ela decidiu não relatar a tortura que sofreu, pois acreditava que isso apenas geraria mais preocupações para sua equipe.

    — Entendo… Me desculpe. Acabei me deixando levar — disse Vitória.

    — Não me importo com suas desculpas — respondeu Alice, fria.

    — Nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer com alguém da nossa equipe… Pelo menos, não tão cedo. Naquele momento, deveríamos ter feito de tudo para te impedir.

    — Está tudo bem, Taylor. Você não precisa se culpar… Eu também fui teimosa demais.

    — Mas Jaro, não me culpe. Admito que te julguei pela aparência. Jamais imaginei que fosse tão forte.

    — S-s-sim, ele derrotou dois aprendizes de primeiro grau.

    — Não foi nada demais. Apenas tive sorte de eles serem fracos — respondeu Jaro, tranquilo.

    A partir daquele dia, todos passaram a enxergar Jaro de forma diferente. De um rapaz de baixa estatura e aparência inofensiva, para ser visto como alguém que poderiam confiar a retaguarda.

    — O-obrigada — murmurou Alice, direcionando o olhar a Jaro.

    — O quê?

    — N-nada… — respondeu ela, visivelmente corada.

    Vitória se sentou na cadeira, cruzando uma perna sobre a outra com calma. Os olhos carregavam cansaço, mas também determinação. Ela apoiou os cotovelos nos braços da cadeira, entrelaçando os dedos por um instante antes de começar a falar.

    — Foi uma tragédia. Precisamos treinar e nos preparar para garantir que algo assim nunca mais aconteça com nenhum dos nossos.

    Ela olhou em volta, certificando-se de que tinha a atenção do grupo. Soltou um leve suspiro e continuou:

    — Consegui algumas informações sobre o Distrito Azul e acho importante repassar pra vocês. A primeira, é que aqui existem muitas disputas… e rixas entre as classes. Cada classe se denomina como uma “Ordem”, e elas seguem uma hierarquia, da mais forte pra mais fraca. — A jovem ergueu uma das mãos, marcando no ar enquanto enumerava. — Ordem dos Dragões… Ordem do Gelo… Ordem das Almas… e, por último, Ordem dos Laranjas.

    Se recostou um pouco, apoiando uma das mãos no braço da cadeira e tamborilando os dedos ali.

    — Cada uma dessas ordens tem pelo menos cinquenta membros não oficiais. São estruturas grandes e orgulhosas. Se a gente não entender como eles funcionam, vamos ser ignorados no melhor dos casos ou caçados, no pior. Outra coisa interresante é que cada ordem tem uma base aqui no Distrito Azul, eles não ficam nos dormitórios como a gente.

    — Deve ser ótimo. Aqueles quartos são uma munfunfa! — comentou Alice.

    — Por isso as coisas vão ficar ainda mais perigosas. Então… eu tive algumas ideias. A primeira é que nossa equipe deve usar máscaras como Jaro usa. — A equipe olhou rapidamente de relance pra ele e voltou a atenção pra Vitória.

    — É uma boa ideia e ainda vai combinar com o nome Fantasma, Haha — comentou Taylor.

    — Outro ponto que gostaria de sugerir é realizarmos treinamentos em conjunto algumas vezes por semana. O que acham? — indagou Vitória.

    — Por mim, tudo bem — respondeu Alice, de forma breve, mas receptiva.

    — S-s-sim, acho uma boa ideia.

    — Também concordo — disse Jaro.

    — Sei que estou desviando um pouco o foco da conversa, mas… Jaro, qual foi a punição que o professor Kyle te impôs? — perguntou Vitória, voltando o olhar com curiosidade para o colega.

    — É… Fui designado para sair das muralhas do Distrito Azul e eliminar alguns monstros em uma vila próxima.

    O silêncio geral foi imediato. A naturalidade com que Jaro dizia aquelas palavras soava desconcertante.

    — E você fala isso com tanta calma?! — exclamou Vitória, visivelmente incomodada.

    — O professor Kyle está claramente tentando te matar… — disse Kyle.

    — V-v-você precisa fugir. Isso é uma armadilha! — alertou Peter, aflito.

    — Minha guarda sempre me disse que sair das muralhas era terminantemente proibido pros alunos, justamente por causa da quantidade de monstros lá fora. Acho melhor você reconsiderar — comentou Alice.

    Os olhares se voltaram para ela, surpresos.

    — O que foi? Por que estão me olhando assim?

    — Até ontem você não gostava dele, que suspeito — Taylor comentou.

    — E-eu só achava ele pouco bobo, só isso. — As bochechas de Alice estavam como brasas.

    — Ata…

    — É sério!

    Jaro, tossiu de leve antes de falar:

    — Agradeço por se importarem, mas infelizmente não tenho escolha. Vocês sabem tão bem quanto eu que qualquer tentativa de negociar com este sistema é inútil. E fugir… Tá fora de questão.

    — É verdade… Com esse rastreador implantado, não temos sequer liberdade para pensar em escapar — murmurou Taylor. — E… quando será essa missão?

    — Amanhã…

    — Amanhã?! Droga… Nem vai dar tempo de você assistir nem a primeira aula ou se preparar melhor — lamentou Taylor.

    — Não se preocupem. Eu vou encontrar um jeito — afirmou Jaro, com convicção.

    — Vocês deveriam confiar mais nele — disse Alice, desviando o olhar. — Ele derrotou dois caras superfortes enquanto me salvav—

    Ela se interrompeu, percebendo o que havia acabado de dizer. No íntimo, todos ali contiveram risos discretos por causa das embaraçosas palavras da jovem Alice.

    O que eu tô dizendo!… Ela pensou, aflita.

    Antes que ela se envergonhasse ainda mais, Jaro a encarou calmamente e disse, com um leve sorriso: — Obrigado, Alice.

    Alice desviou o olhar, ainda ruborizada. Vitória então se levantou e, olhando para todos, declarou com firmeza:

    — Então é isso, pessoal. Apesar dos desentendimentos que tivemos no início, espero sinceramente que possamos nos tornar uma equipe de verdade. E, quem sabe, algum dia, sair desse lugar juntos.

    Todos se entreolharam, e, com um novo brilho no olhar, deixaram escapar sorrisos sinceros. Um a um, suas vozes se somaram, firmes e esperançosas:

    — Sim!

    — Sem dúvida.

    — Com certeza.

    — Estamos juntos nisso.

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