Capítulo 40 - Vila Crim|Parte 15
A jovem de cabelos negros caminhava por um corredor estreito e pouco iluminado. Apesar da penumbra, era possível perceber a imponência do lugar, as paredes sólidas e acinzentadas transmitiam a sensação de nobreza.
Logo, ela chegou diante de um portão de ferro.
Apesar de parecer pesado, o abriu com facilidade. Ao atravessá-lo, Serena encontrou uma cozinha provisória, porém organizada. Pessoas iam e vinham apressadas, algumas cortavam legumes, outras lavavam pratos, e um cheiro acolhedor de comida se espalhava pelo ar.
O ambiente tinha algo de aconchegante, embora os rostos dos trabalhadores mostrassem cansaço e tristeza. Serena se aproximou de uma idosa de cabelos grisalhos, que mexia uma sopa em uma enorme panela de metal.
— Bom dia… me disseram que o café da manhã do senhor herói já estava pronto.
A senhora ergueu os olhos, suavizando o rosto cansado.
— Oh, sim, querida… já estamos terminando. Que tal sentar-se ali? Em poucos instantes eu mesma lhe trarei o prato.
— C-certo… — respondeu Serena, hesitante.
Ela obedeceu e se acomodou em um banco de madeira. A jovem observava os cozinheiros em plena atividade; para ela, cozinhar parecia uma espécie de magia. Alguns, contudo, chamavam mais a atenção, cortando cebolas, para disfarçar as lágrimas que escorriam em suas bochechas.
As coisas nunca mais voltarão a ser como antes… Pensou ela, ao ver a aflição estampada nos rostos de alguns trabalhadores.
Poucos minutos depois, a idosa retornou trazendo um prato generoso, pedaços de carne suculenta, grãos de diversas cores e um aroma irresistível que invadia as narinas.
— Espero que ele goste — disse a mulher ao entregar a refeição, entretanto sem querer uma lágrima caiu sobre o braço de Serena. A idosa levou a mão ao rosto, constrangida.
— Oh, me desculpe… é que perdi meu marido naquela batalha. Mas, graças ao herói e aos guerreiros esqueletos que ele enviou em nosso auxílio, meus filhos ainda estão vivos. E eu não sei como agradecer…
Ela enxugou as lágrimas por um instante e respirou fundo.
— Diga a ele que preparamos tudo com muito carinho, e que somos gratos por tudo o que fez por nosso povo. Se não fosse por ele, não apenas a Vila Crim teria caído… todos nós estaríamos mortos.
Serena, tocada pelas palavras, sentiu-se nervosa. Porém, respirou fundo e deixou escapar um sorriso doce e luminoso. Nesse momento, a cozinha inteira ficou em silêncio, surpresos.
Todos a encararam, afinal, estavam acostumados a ver Serena desarrumada, seu rosto escondido sob os cabelos, um olhar distante e ombros caídos.
No entanto, agora, ela estava de cabelos arrumados, vestida em roupas limpas e revelando um sorriso sincero… era como se outra pessoa estivesse diante deles.
— Não se preocupe, senhora Vornia — respondeu Serena, curvando-se levemente. — Contarei tudo a ele!
E sem esperar resposta, saiu às pressas. Vornia ficou encantada com essa nova versão de Serena. Como alguém pode mudar tanto de um dia para o outro…?
Um dos cozinheiros, um careca, comentou: — Uau… eu não fazia ideia de que ela era tão linda…
Sua esposa lhe deu um tapa no braço.
— Querido!
— Desculpa! — retrucou ele, sem graça.
Vornia bateu palmas com força, chamando todos de volta à realidade.
— Vamos, chega de distrações! Ao trabalho, todos vocês!
Assustados, cozinheiros e ajudantes retomaram a correria.
Ao mesmo tempo, Serena caminhava apressada pelos corredores, determinada a alcançar seu destino. Em seguida, parou diante de outro cômodo e, respirando fundo, bateu de leve na porta.
…
— Entre.
A madeira rangeu quando ela abriu a porta. Dentro, sentado à beira da cama, estava Jaro, acariciando seu lobo adormecido em seu colo. O jovem parecia cansado e faixas de tecido cobriam seu corpo, especialmente os braços, e a máscara demoníaca de yang ainda ocultava o seu rosto.
— Bom dia, Serena — disse ele, com voz grave.
— B-bom dia… — retribuiu ela, baixando os olhos por um instante.
Os olhos de Serena não conseguiam deixar de percorrer o corpo de Jaro. Mesmo sem ter visto seu rosto ainda, o modo como ele se portava, seu físico e a segurança em sua voz a deixavam corada. O coração dela batia acelerado sempre que ele estava por perto, e uma ansiedade doce a dominava quando sabia que iria encontrá-lo.
— Isso é pra mim? — perguntou ele, surpreso.
Ah! O que estou fazendo?! Se concentra, Serena!
— A-ah, s-sim! E-eu trouxe seu café da manhã — respondeu apressada, tentando disfarçar o nervosismo. — Os moradores não sabiam como te agradecer e prepararam com muito carinho. Espero que goste.
— Entendo… muito obrigado, Serena.
— É… será que posso passar a mão nele? — Os olhos dela brilhavam, encantados, observando o lobo cochilar.
— Claro.
Ela se aproximou, estendendo a mão com cuidado. Quando seus dedos tocaram o pelo macio do lobo no colo dele, o animal tremeu, os pelos eriçaram por um instante e, assustado, pulou para o chão.
— Pensei que você fosse mais casca grossa, Zam.
— Pfftt, ele é tão fofinho!
O lobo latia irritado, mas, ainda com sono, se deitou em sua caminha, no cantinho do quarto. Ambos riram com a cena, quebrando o clima de tensão.
Serena então estendeu o prato de madeira para Jaro, que, em vez de pegá-lo de imediato, apenas a encarava em silêncio.
— Jaro…? Está tudo bem?
Ele balançou a cabeça devagar.
— Estou… é só que… você está muito linda.
As palavras a atravessaram como uma flecha. Serena estremeceu, as bochechas ruborizaram e, sem saber para onde olhar, desviou o rosto.
— O-obrigada… é a primeira vez que alguém me elogia assim — disse, esboçando um sorriso tímido.
— Serena, não sente vontade de se vingar? — indagou Jaro, friamente.
A pergunta a pegou de surpresa.
— Claro que sinto… — O semblante dela se fechou, e seus punhos se cerraram. — Até hoje não entendo por que fui tão maltratada e odiada. Mas não sou como você. Ainda não consigo acreditar que derrotou aquele monstro. Você é incrível, Jaro… eu… sou só uma covarde fracassada. Como poderia me vingar?
Com esforço, Jaro ergueu os braços e envolveu as mãos dela entre as suas. Sua voz, embora fraca, soou calorosa: — Reconhecer suas fraquezas já é um passo importante. Significa que só precisa insistir mais um pouco… até descobrir como vencê-las. —
Então, com um leve toque no abdômen dela, completou: — E eu tenho certeza de que já começou essa caminhada, não é?
Os olhos dela brilharam por um instante.
— Você sempre tem uma resposta pra tudo… e eu gosto muito disso — exclamou a jovem, exibindo um lindo sorriso.
— Nem sempre…
— Porque não descobrimos isso agora?
— Como?
— Assim.
De repente, movida por uma coragem inesperada, Serena ergueu suas mãos delicadas até o rosto de Jaro. Seus dedos hesitaram por um instante, pairando sobre a máscara, e, num gesto suave, ela tocou a superfície áspera. Então, fechando os olhos, inclinou-se lentamente e deu um selinho breve, por sob a máscara.
— Por que… fez isso? — perguntou o rapaz, incrédulo e envergonhado.
— Pffft… realmente você não tem respostas pra tudo — ela riu, puxando uma cadeira para sentar-se de frente para ele. — Além do mais, não vai conseguir comer sozinho, né?
Depois que o beijou, finalmente Serena sentiu o nervosismo ir embora. Em contrapartida, Jaro não sabia ao certo o que sentir ou pensar sobre esse beijo. Mas uma coisa ele tinha certeza, aquela demonstração de afeto havia aquecido seu coração, e agora o dia parecia muito mais leve por causa dela.
— …
— É… eles estão longe dos cem por cento, mas, com sua magia de cura, logo ficarei bem… então, é… pode me alimentar?
Serena assentiu.
— Quanto tempo fiquei desacordado?
— Dois dias… — respondeu ela, soprando a colher com um pouco de comida.
— Foi mais tempo do que pensei…
Jaro abriu a boca e ela levou a colher até ele. Seus olhos se encontraram, mas, ao contrário de antes, não se sentiram tão constrangidos. Ele mastigou devagar, saboreando cada pedaço, sentindo os sabores se misturarem na boca.
Em sequência, engoliu cuidadosamente e, exibindo um sorriso satisfeito, elogiou: — Está delicioso… esse foi o melhor café da manhã que já comi em toda a minha vida.
— Que bom! Fico feliz que tenha gostado — respondeu ela, sorrindo.
— Agora… poderia me contar como ficou a vila e quantos sobreviveram?
Com um aperto no peito, Serena começou a contar o que havia acontecido. Explicou que, das cem pessoas que viviam na vila, apenas vinte e duas haviam sobrevivido, e que grande parte das casas havia sido destruída.
Contou também que Dargan, seu servo, havia transmitido suas ordens, que deveriam recolher tudo o que fosse importante, depois queimar a vila junto aos restos mortais dos dollaks.
Posteriormente, Dargan trouxe consigo a cabeça de um dollak comum e a do próprio rei dollak. Além disso, informou que todos deveriam partir para a base do herói, onde estariam mais seguros.
O rapaz estalou a língua e reclamou: — Pensei que mais teriam sobrevivido… isso é lamentável.
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