O quarto estava mergulhado em uma penumbra azulada, iluminado apenas pelo brilho do monitor.

    O controle estalava sob os dedos ágeis de João, um dos maiores milionários da era moderna. Seus olhos estavam vidrados na tela.

    — Ah, que porra é essa, cara?! — resmungou, enquanto seu personagem levava um tiro nas costas de um inimigo que nem devia estar ali.

    O personagem respawnou, e ele correu de volta para a zona de combate, só para pisar em uma mina.

    Suspirou.

    Acho que tô velho pra jogar FPS. E com essas duas do meu lado, complica ainda mais a coisa.

    Duas mulheres estavam deitadas sobre seu peito, como se aquele fosse o lugar mais confortável do mundo.

    A loira brincava distraidamente com seu colar dourado, enquanto a morena se agarrava ao seu braço.

    — Poxa João, vem se divertir com a gente um pouco — disse a loira, puxando a atenção dele para longe da tela.

    — Pois é — assentiu a morena, apertando seu braço sorrindo.

    Ele riu, balançando a cabeça, ainda meio distraído pelo jogo.

    — Vocês são fogo, nem consegui descans—

    A loira não o deixou terminar de falar. Agarrou seu rosto e o beijou intensamente, enquanto ele segurava o controle com uma mão, tentando não morrer novamente no jogo.

    — Calma, espera. Maria! — João dizia entre um beijo e outro, tentando respirar.

    A morena aproveitou que ele se distraiu, e arrancou o controle da mão dele.

    — Devolve isso, Renata! — exclamou o milionário, tentando alcançar o controle.

    — Tu é um desastre nesse joguinho — disse a morena, jogando o controle no tapete.

    — Por sua causa, Renata. Você não me dá um minuto de sossego.

    Renata, percebeu que tinha exagerado um pouco, mas teve uma ideia pra se redimir. Antes que ele pudesse continuar reclamando, ela se aproximou e, bem devagar, foi sentando no colo dele. Ele ficou parado, surpreso, enquanto ela se encaixava ali, bem pertinho.

    Ela estava só com uma camiseta, larga e confortável, e uma calcinha rosa. O milionário engolia seco, enquanto sentia o sangue esquentar e o coração acelerar.

    Com um olhar meigo e um sorrisinho de quem sabia que estava ganhando, ela disse: — me perdoa, benzinho? Prometo jogar com você, mais tarde.

    Ele ficou alguns segundos hipnotizado, olhando pra ela, completamente dominado. A beleza dela era surreal aos olhos do milionário.

    — Ah, tá bom, tá bom — João, levantou as mãos em rendição.

    — Vamos te mostrar que somos muito melhores do que esse jogo — comentou a loira, de pé ao lado da cama enquanto tirava seu vestido preto, ficando totalmente nua.

    — Vocês me deixam maluco…

    ⧖⧗

    Horas depois, ele acordou com as duas dormindo sobre ele. O quarto estava silencioso, iluminado apenas pela luz fraca do monitor.

    Ele permaneceu ali, parado, sentindo o calor e a respiração tranquila delas. Um sorriso satisfeito se formou em seus lábios, enquanto suas mãos acariciavam suavemente os cabelos de ambas.

    Nunca imaginei que um ex-magrelo, viciado em jogos como eu, um dia dormiria com duas modelos famosas.

    Ele se perdeu em seus pensamentos por alguns minutos, mas logo se lembrou de algo importante.

    Droga, esqueci da reunião!

    No entanto, mesmo ansioso, ele se levantou silenciosamente para não incomodar as moças.

    Ele foi até o computador, e as horas marcavam: 19:34.

    Boa, ainda tenho algumas horas. Se não, teria que ouvir outro sermão da Júlia.

    Júlia era sua assessora e, como seu chefe sempre chegava atrasado às reuniões e ao trabalho, ela o repreendia sempre. João admirava muito sua diligência.

    Com um clique, desligou o computador. A tela escureceu, refletindo seu rosto cansado.

    Urgh, tô acabado. Parece que voltei de uma guerra.

    Ele esticou os braços, rindo baixo sozinho. Lembrando, do que aconteceu há algumas horas antes.

    Vou tomar um banho bem longo pra comemorar. Pensou, com um leve sorriso no rosto.

    A água quente escorria pelo seu corpo, e o vapor envolvia o banheiro. Seus músculos relaxavam conforme ele se afundava na banheira.

    Ao lado, sobre uma mesinha, descansavam uma garrafa de vinho, uma taça com um pouco da bebida e um prato com algumas fatias de queijo.

    — Perfeito… — murmurou, fechando os olhos.

    O silêncio pesou por alguns segundos. De repente, uma palavra veio forte em sua mente.

    Amor.

    João, franziu a testa.

    Amor… acho que só ouvi essa palavra uma vez. E lembro daquele episódio perfeitamente.

    Eu estava cabulando aula no terraço, quando escutei alguém abrindo a porta.

    De alguma forma consegui me esconder atrás de uma plataforma metálica que parecia ser um gerador.

    Então, vi uma garota e um garoto entrando, pareciam ser do 2° ano. Fiquei aliviado por não ser um funcionário, porque era proibido alunos subirem no terraço.

    Em seguida, assisti aquela cena genérica de declaração. Que até então, só tinha visto em filmes.

    O garoto tremia, suava, mas ainda assim, respirou fundo e disse: “Fulana, eu te amo! Por favor, namore comigo!”

    A garota arregalou os olhos, surpresa, como se aquilo fosse a última coisa que esperava ouvir.

    Durante alguns segundos, o silêncio reinou entre os dois. Logo, ela sorriu. Não um sorriso de deboche, nem de pena, mas um sorriso genuíno.

    Fiquei observando de longe, sem entender muito bem por que aquilo me prendeu tanto. Meses depois, ouvi dizer que eles terminaram.

    Nunca soube o motivo. Talvez tenha sido traição. Talvez só tenham se cansado um do outro.

    Por algum motivo, aquela cena nunca saiu da minha cabeça…

    Ele afundou para baixo na banheira, deixando a água engolir seu corpo por alguns segundos.

    Que tolice. Isso não existe no mundo real. Amor não passa de uma ilusão criada pela sociedade.

    Os humanos só se importam com o que o outro pode oferecer. Sempre foi assim.

    Ele se ergueu, irritado.

    — Tsc.

    João pegou a garrafa de vinho e bebeu tudo de uma vez. Em seguida, se deitou novamente na banheira.

    Mas, sua expressão mudou; ele ficou sério. Com um movimento tranquilo, entrelaçou os dedos atrás da nuca e inclinou-se confortavelmente na banheira.

    — Amor… — sussurou com a voz embargada de emoção.

    Saindo do banheiro com a pele ainda quente do banho, ele ajeitou a toalha no pescoço.

    Preciso esfriar a cabeça antes da reunião, acho que jogar algo me ajudaria a relaxar. Mas qual jogo…

    No entanto, distraído, enquanto caminhava pelo apartamento acabou tropeçando em um tapete no meio da sala.

    O tropeço o lançou direto contra uma estante, derrubando uma pilha de livros no chão. João murmurou, esfregando a testa.

    — Arrgh… essa doeu.

    Só que algo chamou sua atenção, no meio dos livros espalhados, havia um jogo. A capa era estranha, com manchas escuras, como se estivesse suja de sangue seco.

    O título se destacava: Fate IV

    Era o jogo que Leonardo, um antigo colega de trabalho o tinha dado há 2 anos atrás, no Natal.

    Só que antes de entregar, ele o advertiu: “João, é sério. Só jogue se não tiver mais nada a perder.” Na época, achou que ele estava brincando. Afinal, era só um RPG de terror, certo?

    Porém, uma semana depois, Leonardo desapareceu. Isso deixou o milionário apreensivo por dias.

    Cartazes foram espalhados pela cidade, posts pipocaram na internet. Mas nada. Depois de algumas semanas, a polícia o declarou como desaparecido.

    Pegando o jogo em mãos, ele sentiu algo estranho. Virou a capa, observando os detalhes perturbadores em manchas de sangue.

    E, infelizmente não encontrou nenhuma descrição, além do título.

    — Foram bons dias trabalhando com você, antes de ter me dado esse presente estranho, Leonardo. Em respeito a sua memória, eu vou jogar essa merda. Espero que não tenha me dado uma bomba, hahaha.

    Ainda com as toalhas, ele entrou no quarto, onde as moças continuavam dormindo. Movendo-se cuidadosamente, colocou o jogo no console e ligou.

    A tela escureceu por um momento, então uma única palavra começou a piscar lentamente no centro da tela.

    Start

    Nesse momento, as palavras de Leonardo passaram na sua mente: “Só jogue se não tiver mais nada a perder.”

    João respirou fundo. Mesmo hesitante ele apertou no botão, e a opção Start foi selecionada.

    Ssshhh.

    Um chiado agonizante começou a sair do computador, e uma nova mensagem surgiu na tela.

    Você morreu

    — Fudeu — murmurou, incrédulo.

    Por algum motivo, ele sentia um fundo de verdade naquela mensagem. Isso o perturbou tanto, que seu corpo em poucos segundos estava encharcado de suor.

    Ele se recostou na cadeira, os dedos ainda pairando sobre o controle. Como se esperasse que aquele mensagem fosse apenas a abertura, e que logo logo o jogo iria para o menu.

    No entanto, quebrando toda a expectativa do milionário naquele momento. Uma água negra começou a escorrer e, em poucos segundos, passou a jorrar da tela.

    Ele tentou pôr as mãos no monitor, numa tentativa inútil de conter aquele líquido estranho.

    O milionário olhou ao redor e percebeu que também começou a brotar das paredes, do chão e teto.

    Algo nessa água parecia perigoso. Ele não sabia o que era, mas sabia que não podia perder tempo. Seus instintos gritaram nessa hora, João correu pra cama onde as moças ainda estavam cochilando.

    O coração batia forte, quase saindo pela boca. A única coisa que se passava na sua mente, era que ele deveria salvá-las e se salvar no processo.

    — MARIA! RENATA! ACORDEM!! TEM UMA ÁGUA ESTRANHA ENTRANDO DENTRO DO QUARTO!!!!

    João tentou tocá-las, mas suas mãos as atravessaram. Como se ele tivesse se tornado um fantasma.

    — Que porra é essa?

    E antes que pudesse sequer cogitar uma fuga, a água negra o engoliu por inteiro. Seu corpo se debatia num ato desesperado de sobrevivência, mas era inútil.

    O frio queimava sua pele, seus pulmões imploravam por ar, e a pressão ao seu redor o esmagava como se estivesse no mais fundo do oceano.

    Eu vou morrer…?

    A consciência de João se dissipava como grãos de areia levados pela correnteza. Sua vida inteira passava adiante de seus olhos.

    E, por fim, tudo que restou foi a escuridão.

    Até que…

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