Capítulo 2 - Solidão
João, acordou em desespero. Seu coração batia acelerado e sua respiração estava pesada.
Ele tentou se mover, porém o seu corpo se situava paralisado, como se estivesse preso em um pesadelo do qual não conseguia escapar. A escuridão ao seu redor era absoluta.
O jovem forçou a memória, tentando puxar alguma lembrança que explicasse sua atual situação. Mas, tudo o que encontrou foi um borrão, sem começo nem fim. A única coisa clara era o medo.
Huf, huf, huf.1
— ALGUÉM ME TIRA DAQUI!!!
An? Que merda é essa? Minha voz tá igual a de uma adolescente!
A possibilidade de ter sido drogado ou envolvido em algum experimento maluco o deixava ainda mais desesperado.
Ele estava sentado em uma cadeira de concreto, com as costas pressionadas contra uma parede de pedra, o jovem tentou se mover, mas algo o mantinha firmemente preso, eram algemas frias que apertavam seus pulsos e tornozelos, imobilizando-o de forma cruel.
O pânico aumentou. João gritou mais algumas vezes, tentou se soltar, puxou as correntes com toda a força que conseguiu reunir. O metal rangia, mas não cedia. Frustrado, desistiu. O cansaço tomou conta e sua respiração desacelerou aos poucos.
Depois de alguns minutos ficou mais calmo e se deu conta que estava vendado. Por isso tá tão escuro… pensei que tava cego. Mas, o pior é minha voz! O que fizeram comigo?
Finalmente, suas últimas lembranças o atingiram como um soco.
“VOCÊ MORREU.”
João começou a se lembrar do que aconteceu há poucos minutos atrás. A estante caindo, o jogo em suas mãos, as mensagens, a água negra e, por fim, sua própria morte.
Agora, cada sensação do que aconteceu estava vívida e intensa na sua cabeça. O jogo que Leonardo lhe deu com certeza tinha algo a ver com sua situação, quem diria que era mesmo uma bomba.
O milionário, estava levemente decepcionado. Ele realmente via seu colega franzino do trabalho como seu amigo. Mesmo tendo trabalhado pouco tempo ao lado dele, percebeu que era um cara diferenciado.
Sempre tratava todos de maneira gentil e, sempre que podia, ajudava os necessitados — um verdadeiro bom samaritano. Ele ajudou até o próprio João, quando acabou contraindo uma grande dívida na época.
Mesmo assim, não conseguia imaginar que seu amigo quissese o prejudicar. Ainda tentava acreditar que tudo não passava de uma coincidência e que o jogo não tinha nada a ver nessa situação.
No entanto, o que aconteceu no seu quarto foi real demais, deixando o jovem desconfiado. Será que o jogo era algum tipo de portal para outro mundo?
Como gamer e leitor voraz de histórias de fantasia, ele não parava de pensar nas possibilidades. Contudo, o milionário abanou a cabeça, tentando afastar esses pensamentos fúteis.
Será que Maria e Renata estão preocupados comigo…?
É óbvio que elas nunca sentiriam isso por ele; o milionário as conhecia muito bem.
Hah… que piada. Eu duvido. Elas só queriam meu dinheiro. Com certeza, a essa hora, provavelmente estão pulando de alegria, pensando na possível fortuna que conseguiram.
As modelos realmente poderiam alegar que estavam em união estável. João, porém, imaginou que algo assim aconteceria. De antemão, preparou um testamento de óbito, quando fez seus primeiros milhões. No documento, ele doaria tudo para hospitais e ONGs. Não deixando nada para futuras sanguessugas.
Mesmo assim, ele não sentia raiva delas. Pelo contrário, talvez por ter convivido tanto tempo com as modelos, acabou experimentando algo parecido com uma família. E, como nunca teve uma, isso só aumentava o vazio dentro de si, uma saudade estranha e difícil de explicar…
⧖
Há três dias, João estava trancado naquele cômodo escuro. Sem comida, sem água, sem um som sequer para lembrar que ainda existia um mundo lá fora. Seu corpo se encontrava extremamente fraco, mas sua mente, ia se despedaçado.
Horas e horas se arrastavam como uma lesma.
Às vezes, murmurava coisas sem sentido. Outras vezes, mergulhava fundo em memórias que doíam. Onde foi que errou? O que poderia ter feito diferente? Recorrentemente, pensava em morder a própria língua, e dar um fim a tudo de uma vez por todas.
Entretanto, sempre que esse pensamento surgia, o medo o paralisava. Medo da possibilidade de que a morte não fosse o alívio que ele tanto desejava. Além disso, os bons momentos em sua vida, mesmo raros, existiam e, nesse verdadeiro inferno, o jovem se agarrou a eles como um náufrago a um pedaço de madeira no oceano.
De repente, João, que estava com cabeça baixa, adormecido, acordou assustado. Ele sentiu o cômodo começar a esfriar e um choque fraco começou a percorrer seu corpo, como se pequenas correntes elétricas estivessem passando por sua pele.
A sensação de frio intensificou-se, e os choques elétricos pareciam ganhar força. João também começou a sentir uma tontura avassaladora, como se o chão estivesse se movendo sob seus pés.
Ele fechou os olhos, na tentativa que a tontura diminui-se, mas a mesma só piorava.
— Humano…
Uma voz estranha soou e era como se trovões estivessem estourando dentro daquele pequeno cômodo. No momento, em que seu cérebro processou aquela voz, foi como se um véu fosse arrancado de sua mente.
A insanidade desapareceu. A dor, o desespero, a angústia tudo sumiu. Pela primeira vez em dias, ele tinha sentido esperança.
— Quem é você? E… o que fez comigo?
Silêncio.
Nesse instante, os choques que percorriam seu corpo diminuíram gradualmente até desaparecerem. O vento frio que antes o envolvia cessou junto com o som dos trovões.
Eu enlouqueci?
— Que droga! o que tá acontecendo?!
⧗
Ainda no mesmo dia, um homem alto, envolto numa túnica de lã, carregava sobre os ombros um pesado manto de pele.
Ele se encontrava diante de uma porta de ferro maciça e antiga. A porta, reforçada com várias trancas, parecia impenetrável. O homem hesitou por alguns segundos, mas logo começou a destrancá-la.
Rang.
A porta abriu-se lentamente, rangendo.
Dentro do cômodo escuro, um menino, provavelmente de quatorze anos, estava sentado, cabeça baixa, olhos vendados e preso por correntes nos pés e nas mãos. O indivíduo alto entrou com uma lamparina, iluminando o lugar para conseguir enxergar o garoto.
Então, ele exclamou: — Eu sei que está acordado. Me diga sua numeração!
Numeração? Quem é esse maluco? Pensou João.
Silêncio.
Pá! Nervoso, o sujeito deu um tapa no rosto do garoto.
— Se não quiser se machucar ainda mais, me obedeça. Qual é sua numeração?
— Eu nã—
Nesse instante, João teve uma epifania:2um pensamento nítido surgiu em sua mente “Você é o número 77.”
Mesmo sentindo dificuldade, o garoto respondeu: — M-minha numeração é 77…
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