Capítulo 13 — Força
Renji sempre foi forte por todos.
Carregava no corpo as marcas de uma vida enfrentando grandes dificuldades. Jiten sabia que ele havia se instalado ali pela primeira vez há dez anos. Foi onde decidiu se aposentar em definitivo. Aquele era seu lar.
Doía ver ser roubado de você o direito à paz em seu próprio lar.
Jiten não sabia o que pensar ao vê-lo tão afligido. O choro de seu mestre não era exagerado, não derramava mais do que algumas poucas lágrimas austeras. Era como se deixasse escapar apenas um pouco da dor, o necessário apenas para voltar ao normal. Era como ver um copo já completamente cheio e que, na adição de uma única gota, transborda o suficiente até voltar a se nivelar.
Renji levou uma de suas mãos e limpou suas lágrimas. As falanges alongadas, os dedos frágeis, a pele flácida da mão marcada com manchas amareladas de sol, tudo isso o fazia parecer tão frágil. Por um momento, Jiten teve consciência do quão velho o homem realmente era.
Aquele marinheiro guardava o choro de uma vida e mesmo tão velho não conseguia derramar todas as lágrimas que tinha dentro de si. De tantas coisas perdidas, Renji agora parecia chorar a perda de um neto, quem sabe, de um filho.
— Eu sabia que esse dia chegaria. — o homem disse e parecia envolto por uma série de pensamentos silenciosos. — Preciso que encontre Bjarka e Khanh, acho que eles vão saber explicar melhor do que eu.
Os sentimentos se embolaram no peito de Jiten. Sentiu seu coração pesado como uma rocha.
— Eu não quero ir. — o rapaz protestou, tão afetado pelas lágrimas de seu mestre que mantinha o olhar fixo na espada.
Todo aquele jogo, todas aquelas intrigas, reuniões na escuridão, a tortura que sofreu por uma ofensa mínima. Aquilo não fazia sentido. Não quando pensava em deixar para trás sua vida. Abandonar tudo que lhe era familiar para se esconder.
Ver a arma que seu pai empunhou até a morte o enchia de vergonha por sua própria covardia. Ele nunca contara a ninguém sobre aqueles monstros presentes na sala, quando mataram sua mãe e irmão. Nunca disse como fugiu deles.
Estar vivo já era o atestado de sua covardia. Além disso, ainda fugiria, se esconderia em meio a floresta. Parecia demais.
— Não é uma questão de querer. Não é algo que quero. É a necessidade.
— Você mesmo disse que era uma armadilha um garoto viajar sozinho. Que meramente sugerir isso era um indício de traição. Agora está me dizendo que preciso fazer justamente isso. — Jiten deixou as palavras saírem. Sentia-se incapaz de controlar o próprio destino. Restava-lhe o debate.
Renji aos poucos alterava sua própria postura. Se o velho marinheiro havia deixado extrapolar algumas lágrimas, agora ele aos poucos começava a recobrar sua posição de mestre. Alguma coisa no desafio de Jiten o trouxe de volta.
— Você não vai estar sozinho. Vai ficar escondido com Bjarka e Khanh, até que possamos fazer alguma coisa. A proposta de Neelima era um engodo porque queria te enviar para longe. Fora de onde pode estar seguro.
— Se não estou seguro aqui, por qual motivo estaria seguro com eles? Não vai colocá-los em perigo também? — Jiten indagou, expressando uma tentativa de negociação.
Renji balançou a cabeça negativamente. Aos poucos, Jiten podia ver no rosto dele a contração comum de quando ele tomava a posição de dar ordens. As rugas que lhe denunciavam a fragilidade de sua idade, também formavam vincos onde a sombra repousava e lançava sobre seus olhos um ar decisivo.
— Bjarka é a única praticante do Dogma em um nível para impedir um filósofo. Ela vai impedir que ele te encontre. Isso é o que vai te proteger. — falou em tom endurecido. — Eu te preparei para isso. Você vai ouvir o que ela tem a dizer e então terá que tomar sua decisão.
Jiten esfregou os olhos. Seu corpo e mente estavam cansados. Teve tanta coisa para pensar e no meio de tudo aquilo ainda tinha que processar a violência que sofreu. Sua mente lutava para manter a coesão.
Seu mundo pacífico de pastor de ovelhas estava desmoronando.
— O que eu preciso saber? Ela vai me dizer o quê? — o garoto indagou, mantinha o tom de respeito com seu mestre, mas o incômodo estava instalado nele.
— Quando estiver lá, ela vai te explicar.
— Por que é que eu sou o único que não sabe nada?
Nesse momento, Renji pareceu tomar um soco no estômago.
— Chega. — o mestre protestou com um aceno da mão, como se estivesse tentando empurrar com ela o assunto para longe. — Você herdou muito mais da sua mãe do que só os olhos e muito mais do seu pai do que só essa espada poeirenta.
— Então me diga o que é que preciso fazer. — Jiten de repente se viu angustiado. A conversa estava paralisada pela recusa de seu mestre de lhe contar toda a história.
O rapaz permaneceu expectante, com os olhos fixos na face do velho, procurando a resposta que queria. Ele observou o homem abrir a boca mais de uma vez para falar, mas ser interrompido por alguma força misteriosa.
— Eles… eles vão te dizer. Preste atenção. — Então, Renji devolveu o olhar ao pupilo. Sua feição era séria e o grisalho de seus cabelos oferecia uma moldura de prata que reforçava a seriedade em seus olhos. — Amanhã você irá fazer sua vigília nos campos. Aproveite isso para fugir. Eu vou pedir para o Chen deixar uma espada escondida no Santuário Gwamshi. Uma vez com a espada, vá até a floresta.
Jiten ouviu as instruções de seu mestre, mas é como se não estivesse ali. Não lhe parecia verdade que aquilo estava acontecendo com ele. Havia em si uma espécie de angústia, tentando prever o que seria do futuro uma vez que saísse daquela casa.
Enquanto escutava, inconscientemente começou a roer a unha de seu polegar.
— Você entendeu, Jiten?
O rapaz assentiu com um movimento muito breve da cabeça. Não poderia continuar questionando seu mestre. Cabia a ele aceitar aquilo que o destino lhe havia reservado. O silêncio não foi uma decisão, mas uma imposição de seu próprio coração.
O olhar rígido de comando no rosto do antigo marinheiro começou a se esfarelar. O silêncio do rapaz enfraqueceu mais sua resolução do que qualquer questionamento. Jiten viu as mãos do velho tremerem frágeis, uma vez mais e em seguida, o homem começou a alisar a coxa da perna perdida, como se ela tivesse voltado a doer como nos dias mais frios.
— Eu sinto muito. Sinto tanto. — o velho disse, quase em um murmúrio.
Jiten respirou fundo. Pousou a espada que pertenceu a seu pai de volta entre o tecido que a envolvera. Lentamente ele refez o embrulho de uma forma mais rústica. Podia ver seu mestre murmurar algumas palavras consigo mesmo.
Por um instante, Jiten pensou em ir até o homem e apertar sua mão. Confortá-lo com algumas palavras de agradecimento. Ele tinha muita coisa para dizer e muitos motivos para ser grato. Queria oferecer a Renji um décimo da compreensão que foi oferecida a si.
Uma vez que terminou o embrulho, guardou tudo sob a tábua embaixo da mesa. Ele se ergueu do chão. Olhou mais uma vez para o velho em seus lamentos. Suspirou. Virou as costas.
Era como se não estivesse mais ali.
— Preciso descansar um pouco mais.
Deixou seu mestre para trás e entrou no quarto. Fechou a porta, deixando a luz do lado de fora. Tateou o caminho até a cama e se deitou. Quando seu corpo tocou a superfície mais macia, sentiu o quão cansado estava. Sentiu os olhos marejarem, mas não chorou.
Restou-lhe refúgio na escuridão, no canto dos pássaros que anunciavam a proximidade do amanhecer e em memórias antigas. Fez o que pode para se lembrar, para procurar refúgio em alguma lembrança que lhe fosse preciosa. Era a única forma de dormir, sem pensar em mais nada.
Ele sabia que agora tinha que ser forte.
Não havia mais ninguém para ser forte por ele. .