O silêncio foi quebrado por um golpe de lança. 

    Jiten não viu de onde viera o golpe, apenas ouviu o som quando um dos companheiros de Toshiro bloqueou o golpe. Toda a sua atenção pareceu se concentrar em um único ponto, por alguns poucos momentos, poderia ter pensado que o ataque fora uma ação solitária. 

    Não demorou para ser provado errado. Cercando o grupo, homens surgiram escalando a colina. Seus capacetes eram militares e as cores vermelho e negro como sangue escuro derramado. A aparição daqueles homens foi seguida pelos gritos de guerra, um ruído ainda assustador que misturava homem e fera. 

    A maioria deles, especialmente os primeiros a subir, usavam máscaras metálicas de animais. O metal era moldado de forma a projetar ainda mais os gritos, torná-los ainda mais ferais. Foi o que havia dado a Sanghun sua fama. Jiten já escutara sobre aquelas máscaras, mas nunca tinha visto aquilo na prática. Não com tantos homens unidos. 

    Toshiro hesitou não mais que um momento. Sacou uma de suas espadas e foi possível ver o solo ceder um pouco sob seus pés. Como se seu corpo ficasse muito mais pesado do que era. Jiten viu os outros entrarem em prontidão de forma parecida, mas ele não teve tempo de observá-los ou tentar aprender algo com o que faziam. 

    Uma lâmina desceu direcionada para a penas de Jiten. Uma lança afiada que por muito pouco não lhe acertou na perna já ferida. Caiu para trás, as mãos escorregando no sangue grudento dos monges mortos. Seus olhos se ergueram alto, tão alto quanto precisaria levantar para ver a copa das árvores. A visão que teve foi familiar. 

    Nazher em sua armadura de placas, sua estatura de dois metros e os olhos ferozes de quem estava diante de uma presa vulnerável. A lança que ele empunhava tinha pelo menos três metros e meio de altura e um cordão vermelho com contas negras amarrado na extremidade do cabo. O capitão era provavelmente uma das visões mais agourentas de Bushimusuko e tê-lo ali em sua frente apenas causou em Jiten um aumento da agonia que sentia. 

    Jiten sacou sua espada, ainda no chão e tentou se levantar. Ele notou um movimento na sua frente como um vulto. Seria mais um golpe de lança e dessa vez não teria como se esquivar a tempo. 

    Toshiro rebateu a lança para longe, desviando-a com sua lâmina. 

    — Você é meu — exclamou Toshiro em um tom grave e inflado de desafio. 

    Jiten sentiu alguém agarrá-lo pelo colarinho. Estava sendo puxado para longe. Por um instante associou que poderia estar sendo salvo, mas era um dos soldados o arrastando para longe de seu protetor. 

    Girou de imediato e fez força para mover o braço do homem para longe dele. O soldado era mais forte, mas Jiten tinha um treinamento melhor. Encontrou um pilar e grudou seu pé nele, dando um impulso para trás que desequilibrou seu captor.

    Caiu em cima de um cadáver, chutando o ar furiosamente até afastar o oponente. Deu uma cambalhota para trás e se colocou de pé. O som da batalha se espalhava por todos os lados e no meio de tantos corpos e sangue, era difícil se orientar. 

    Concentrou-se no inimigo a frente, esquivou de um golpe de uma lâmina curta e então usando da distância,  abriu um talho no braço dominante dele. Era o suficiente para ganhar distância, mas algum outro soldado o atingiu pelas costas. 

    Jiten sentiu o impacto lhe jogar para frente. Viu o vultos de pernas passando por cima dele e olhou para cima para ver o mestre de Toshiro atingindo os dois adversários com um único movimento da lâmina. Viu as fagulhas brilhando e entendeu se tratar das mesmas habilidades que Renji lhe havia ensinado. 

    Não conhecia que animal era incorporado por aquele homem mais velho, mas a velocidade dele era espantosa. Jiten o viu atingir um dos inimigos três vezes antes de ele cair no solo. 

    Ao redor deles havia uma bagunça. O espaço deu a Jiten a oportunidade de utilizar o que conhecia da arte das armas. Segurou o cabo da espada com as duas mãos e assumiu a postura do Carneiro. As fagulhas alaranjadas brilharam ao redor da lâmina. 

    Os próximos soldados não tiveram o mesmo sucesso dos primeiros. Repeliu um agressor que o atacara com um sabre. A lâmina recebendo o golpe e então um movimento de cima a baixo para cortar o peito do adversário. Um segundo soldado foi repelido sem grande dificuldade, quando Jiten deu um salto para trás e contra-atacou com a lâmina em movimento ascendente. 

    Seu corpo não o ajudava a manter a postura. Tudo parecia custar três vezes mais. Mesmo que no momento as dores ainda estivessem muito menores do que deveria pelo calor da batalha, ainda doía muito além do que ele jamais esteve acostumado a suportar. A situação ali era muito pior do que quando enfrentou os draugos e a quantidade de inimigos era muito maior. 

    Enquanto combatia mais um oponente, esse com uma máscara animalesca e uma espada pesada, começou a sentir o cansaço lhe atingindo com mais força. Esse soldado era mais alto do que a maioria dos outros e mesmo com uma postura de defesa, Jiten não conseguiu evitar que ele lhe atingisse no torso. 

    Sentiu a dor na lateral do corpo, com o impacto da lâmina lhe cortando na altura das costelas. Tentou se afastar e sentiu dois braços o envolverem. Um outro soldado atrás dele segurava seu braço onde estava sua arma, enquanto o soldado mais alto investiu com chutes violentos contra sua perna que ainda estava se recuperando. 

    Jiten conseguia sentir a eletricidade estática fazendo seus cabelos se arrepiarem, notando Toshiro mais a frente lutando diretamente contra Nazher. O capitão empunhava uma lança envolta em uma espécie de brilho azulado. Era algo muito diferente do Shanguo, muito diferente das técnicas animalescas que os outros usavam. Nazher era o único dos homens de Sanghun que demonstrava aquela capacidade. 

     Toshiro era habilidoso e ao redor de sua espada ele podia ver o incorporar da Postura do Urso. Sua execução era perfeita, rasgando os pilares de pedra sempre que o oponente evitava seu golpe. Ao redor dos dois duelistas, os aliados de Toshiro usavam suas técnicas para repelir os atacantes, pareciam próximo de derrubar uma quantidade suficiente de adversários para conseguirem a vitória. 

    Jiten tentava se desvencilhar dos dois que lhe agrediam, mas com seu braço preso era difícil usar a lâmina. Ele chutou o joelho do homem que o segurava e se jogou com os braços para aparar o chute que vinha do inimigo à sua frente. Sua espada caiu no meio do conflito e mesmo tendo se libertado, ele se viu mais cercado de oponentes.

    Seus olhos procuraram Toshiro, apenas para vê-lo ser emboscado por um soldado enquanto lutava com Nazher. O soldado ardilosamente se levantou do chão, de perto de um dos cadáveres e acertou a costela de Toshiro com uma adaga. Foi assim que Jiten viu o líder do bando que o protegia rapidamente sobrepujado. 

    Sem enxergar saída, sem a capacidade de lutar e se proteger, ele cambaleou para o lado. A perna esquerda doendo como se houvesse um espigão de ferro quente atravessado nela. Estava determinado a viver. Seus olhos reluziram sob a parca luz do sol que vencia a copa das árvores. 

    Um dos soldados tentou bloquear seu caminho, mas Jiten barrou a lâmina com sua mão. A mão estava envolta em uma corrente de partículas brilhantes como a lua. O mero apertar de seus dedos quebrou a espada do inimigo como se ela estivesse sido sempre defeituosa. Um erro em um milhão, o ângulo certo contra uma luva reforçada e invés de cortar, ela quebrou. 

    Jiten jogou seu ombro contra o inimigo e em um encontrão o retirou da frente. Seus olhos tão determinados e seu corpo se movendo por vontade própria para escapar. Ele nem mesmo percebia o quão alto estava berrando, quando se jogou da mureta do templo da colina e se deixou rolar barranco abaixo. 

    Bateu a cabeça na pedra, rolou por cima do braço e rastejou pela relva cuspindo sangue. Estava zonzo, nem conseguia ouvir o som do que acontecia atrás. Fincava os dedos no chão e se propulsionava para frente. 

    — Eu vou viver — disse entre os dentes vermelhos. 

    Antes que percebesse, já estava em pé, cambaleando e correndo para longe do templo. Ele sentiu o chão estremecer embaixo de seus pés, mas não olhou para trás e os pedaços de rocha que voaram ao lado de sua cabeça sequer lhe despertaram curiosidade para virar a cabeça. 

    Só enxergava a saída. Enxergava só a vida. Correndo para longe. 

    Tinha silêncio dentro da cabeça. Um prenúncio do pior. 

    Então, o silêncio foi quebrado por um golpe de lança. 

    Nota